A xepa do Jornalismo

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POR MARIANA ZYLBERKAN

O trabalho freelancer está para o Jornalismo assim como o conjunto de leis para os nobres na França pré-revolucionária. Só tinha que obedecê-lo quem estava fora das classes privilegiadas,  assim como o mercado de trabalho se furta das obrigações ao institucionalizar o “jeitinho” trabalhista que corrói cada vez mais a profissão. A desigualdade fez eclodir a Revolução Francesa, o que ainda não aconteceu no Jornalismo, apesar de a profissão ir à forca recorrentemente a cada passaralho nas redações.

Depois da aberração contratual apelidada de freela fixo, tão difundida no mercado, eis que a informalidade mostra seu poder corrosivo ao transformar a profissão em xepa e o ofício de escrever ser negociado a trocados na internet. O fenômeno é fácil de explicar: muita gente qualificada na rua sai em busca de trabalho e a internet viu nisso um nicho de negócio. Alguns sites se disponibilizam a fazer a ponte entre profissionais em busca de bicos e empresas com projetos que demandam produção de conteúdo; é aí que o festival de bizarrices impera.

Nesses sites, a oferta é grande: posts para blogs de cross fit, textos para acompanhar fotos de divulgação de uma clínica dentária no Instagram e publicações “com sacada comercial” para site de tecnologia. Diante dos projetos, cabe ao profissional cadastrado oferecer seu preço para aquele trabalho. Eu me aventurei e fiz propostas justas a cinco deles, todas condizentes com a minha bagagem profissional descrita na minha página. Nenhuma foi aceita.

Pior é quando o próprio contratante faz a proposta. “Pago 5 reais por textos de 300 caracteres para blog de Beleza”; “Escreva sobre pessoas que tiveram experiências ruins em viagens. 20 reais cada”; “12 artigos de 350 palavras sobre o Flamengo para entregar em uma semana. Preço fixo: 45 reais”. Todas essas propostas são reais e eu posso enviá-las a quem se interessar.

É inegável a demanda por pessoas que sabem escrever, ainda mais com a proliferação de sites e blogs, mas por que se paga tão pouco por isso? Podemos atribuir a resposta ao velho mimimi de que o brasileiro é um povo que não lê e, portanto, a escrita não é valorizada, o que não é mentira. O Brasil tem uma livraria por quase 65 mil habitantes, bem abaixo do mínimo recomendável pela Unesco, uma para cada 10 mil habitantes. Bom, mas temos fartura de bancas de jornal, pena que as revistas têm ficado cada vez menos em evidência para dar lugar a qualquer coisa cor de rosa da Peppa Pig e, mais recentemente, aos livros de colorir. Esses devem faturar 30 milhões em 2015, segundo dados do setor.

Em um paralelo, as quinquilharias vendidas em livrarias e bancas de jornal concorrem a atenção das pessoas com livros, revistas e jornais assim como vídeos de bichinhos fofos e fotos do filho bebê da sua amiga passaram a competir pau a pau com o consumo de notícias desde que as redes sociais foram alçadas a publisher. O brasileiro é o povo que mais lê notícias por meio de redes sociais no mundo e também é o que dedica mais tempo a elas. O brasileiro gasta 9 horas por mês (!) em redes sociais, 290 horas a mais do que navega em portais de notícias, segundo relatório recente da Comscore. Natural, portanto, que os meios de comunicação em busca de retomar a relevância do passado recorram às redes sociais para se aproximar dos leitores.

Se o futuro (e o presente) do Jornalismo é online, será sensato atribuir tão rapidamente às redes sociais a função de mediar a relação entre publicações e leitores? Sei que essas relações ainda estão em um turbulento período de transição. Por isso mesmo, cabem questionamentos sobre as soluções apresentadas como milagrosas para uma questão difícil de solucionar.

Se os conteúdos chegam até mim quase acidentalmente, por meio de compartilhamentos na minha timeline, é natural que se pague trocados a quem os produz e cobrar 5 reais por um texto nunca será visto como uma piada de mau gosto. Por enquanto, essa é a realidade de um presente desanimador.

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