O “empessegamento”

POR MAURÍCIO DIAS

Desde 2005, com o estouro do “mensalão”, a oposição ao governo Lula e, agora, ao governo Dilma tem buscado sustentação, movendo-se entre a temeridade e o desespero, para encurtar, legal ou ilegalmente, a permanência dos petistas no poder. O instrumento do impeachment tem sido o caminho pelo qual os oposicionistas se guiam. Essa solução, embora carnavalizada nos dias de hoje, deixará sempre a impressão de que a solução fica dentro dos parâmetros democráticos.

Até agora, entretanto, a questão é política e não jurídica. Para o advogado Ricardo Salles, projetado para o cenário cultural do país por Raymundo Faoro e Antônio Houaiss como filólogo e linguista, o impeachment com o objetivo de apear Dilma do poder deixaria a impressão de que nada além de “um ritual constitucional terá sido seguido”.

A questão, porém, é essencialmente política. O que é exatamente impeachment?, pergunta, meditativo, o filólogo. Salles diz que o escritor e jornalista Millôr Fernandes (1923-2012) traduziu o impeachment como “empessegamento”, em alusão à raiz da palavra em inglês, peach (pêssego) e, assim, “prestou relevante serviço à realidade política brasileira e à língua portuguesa”.

Ironia à parte, ele explica que o verbo impeach não significa exatamente impedir, em inglês, mas censurar e até desacreditar. A palavra vem do antigo francês empeechier, na língua moderna empêcher, com o significado de impedir. Na origem remota latina vem de impedicare, agrilhoar, isto é, grilhões em alguém, impedindo sua movimentação.

Segundo Salles, embora os primeiros registros de impeach, em inglês, datem do século XIV, ainda com o sentido de impedir, foi a partir de meados do século XVII que o verbo passou a ser usado com o significado de censurar. “É claro que a consequência dessa censura, dependendo do alvo, poderia ser a perda de alguma qualidade, inclusive a faculdade de representação, de agir em nome de alguém”, diz Salles.

O filólogo passeia por Babel: “O substantivo impeachment designava um procedimento judicial contra um agente público. Sendo a Inglaterra uma monarquia, o alvo era um funcionário real. Desse sentido original, impeachment, ainda no direito inglês, passou a significar também o descrédito de uma testemunha, ou de um documento, por falsidade”. Foi nos Estados Unidos que impeachment passou a designar um processo que tramita no Legislativo para impedir a continuação do exercício de um mandato político. O Brasil copiou.

Ricardo Salles abala a confiança no instrumento constitucional quando lembra que “com ou sem base jurídica, aqui, nos Estados Unidos ou onde quer que seja possível um processo de impeachment, o fato é que, antes de ser um processo jurídico, é, sobretudo, um expediente político para tirar alguém do poder, com a utilização da base legal que puder ser utilizada para fundamentá-lo”. Ele retoma a trilha de Millôr e deduz: “Se o embananamento de uma situação é criar dificuldades para a realização de alguma coisa, inclusive governar um país, sem que a banana ou a bananeira tenham qualquer coisa a ver com as dificuldades, por que razão empessegar não poderia significar o ato de arranjar razões para tirar alguém do poder?”

3 comentários em “O “empessegamento”

  1. É, pode ser. Mas nāo se perca de vista que no caso brasileiro quem arranja estas razões sao os proprios governantes. Já foi assim antes, e pode vir a ser agora também.

    Curtir

  2. Pois é Oliveira, vivemos crises de tempos em tempos. Elas têm comportamento sazonal. Cedo ou tarde, teríamos uma pra chamar de nossa. Mas, por pior que pareça que seja, não é pior que as vividas nos anos 90. Estamos melhores de saúde financeira. Acredito que boa parte da crise do primeiro mundo (sic) é porque não há mais devedores como antes. Sabe?, emprestar pros outros funciona como poupança, com ótimos rendimentos. Quando havia sinais de crise, bastava sacar dinheiro da “poupança” terceiro mundo… Ainda é assim para muitos países. Felizmente, reduzimos a dependência do estrangeiro, mas ainda é muito pouco perto das aspirações do Brasil, sei disso, mas já é bem melhor que antes. O sistema é corrupto e em boa parte toda essa corrupção vem desde os militares. FHC só deu mais uma mãozinha para que “azelite” fortalecessem ainda mais o “jacaré” que suga as energias do Brasil.

    Curtir

  3. Prezado Lopes, é bem verdade que a crise em que a presidente alega que o Brasil se vê mergulhado atualmente, não começou agora, após a reeleição como ela parece querer fazer crer aos desatentos.

    Não, este problema resta instalado há anos, e só os menos atentos, ou os que se deixaram levar pela propaganda governista, acentuada no período eleitoral, inclusive no horário respectivo pela própria candidata, é que da crise não se deram conta, mesmo assistindo à inflação no supermercado, nas feiras, na conta dos serviços públicos e se depararando todo o dia, inclusive na triste condiçaão de vítima
    com avanço da escalada da violência, do tráfico e da exposição e exploração de crianças e adolescentes nos semáfaros, prostituição, no exército do tráfico e nas quadrilhas de assaltantes.

    É bem verdade que quem esteve um pouquinho mais atento sabia que o suposto controle da inflação e do pretenso “quase pleno emprego” não se coadunavam com o sempre crescente incremento do bolsa família e com a febre dos consignados a individar até o fio dos cabelos da maioria dos “noveis classe media”.

    Enfim, é bem verdade que o governo, matreiramente, tá querendo colocar nas “costas largas’ de uma crise da qual ele nunca admitiu que se ressentisse, a conta de uma série medidas impopulares que avançam contra o trabalhador ativo e inativo e seus dependentes e sa população carente de um modo geral. Medidas estas que ele jurou que jamais adotaria.

    Todavia, os motivos de que trato no meu comentario anterior, nada tem a ver com crise econômica e sim com malfeitorias suscetíveis de configurar crime de responsabilidade. Sim, é de tais motivos que me refiro, os quais se encontrados haverão de levar à presidente ao impedimento, como no passado levaram o seu hoje aliado C o l l o r, não adiantando vir desde logo alegar que se trata de arranjo, de golpe.

    Curtir

Deixe uma resposta