
POR RODRIGO BORGES, NO ESPORTE FINO
Nunca chamei a Fórmula 1 de “circo”. Acho feio, embora entenda o conceito. Mas desde o fim dos anos 1990, quando a categoria começou um processo de modernização – para o bem e para o mal – a palavra passou a fazer menos sentido ainda. Bilhões de dólares são despejados anualmente em carros cada vez mais recheados de tecnologia, boa parte dela desnecessária, e corridas foram para lugares estranhos ao automobilismo (mas cheios de grana), como China, Malásia, Rússia e Abu Dhabi.
Esta modernização, que fez da Fórmula 1 uma categoria coxinha, elevou os custos às alturas e a mergulhou em uma crise. Cheia de pose com seus convidados ricos e famosos, marcas importantes envolvidas, diretores de marketing e aspones correndo pelo paddock, mesmo com o cheiro de óleo, gasolina e borracha disputando espaço com perfumes Chanel e Dior, uma equipe acabou e várias outras estão anêmicas.
O grid que alinhará em 2015 só foi conhecido na segunda-feira (9), seis dias antes da prova de abertura, quando a Manor Marussia anunciou que o espanhol Roberto Merhi será um de seus titulares. Marussia que não se sabia se realmente correria e tampouco se sabe se conseguirá chegar ao fim da temporada. O carro do time foi feito às pressas depois que seu pedido para correr com o modelo do ano passado foi negado pelas demais equipes. Será o desastre da temporada.
Equipes pequenas sempre foram um charme da Fórmula 1 – os que têm mais de 30 anos se lembrarão rapidamente de marcas como Arrows, ATS, Coloni, Eurobrun, Onyx, Osella e a inesquecível Minardi, entre tantas outras. Hoje, estas pequenas ou nanicas viraram mendigos em meio às milionárias Mercedes, Red Bull, Ferrari e McLaren. Como lembra Victor Martins no Grande Prêmio, Force India, Sauber e Lotus tiveram problemas para aprontar os carros para os testes de inverno, parte fundamental para o desempenho das equipes no campeonato. Está cada vez mais caro manter um time. Motores agora são “unidades de força”, para não falar nas dezenas de botões no volante e um mundo de siglas como kers e DRS. A F-1 não é mais para torcedores leigos.
Se as equipes estão cercadas de incertezas, o calendário também tem problemas. Sua primeira versão indicava a realização do GP da Coreia do Sul, para surpresa até dos organizadores, que não contavam mais com a inclusão da prova. Foi retirada. O GP da Alemanha, de gigantesca tradição, também corre risco. Nürburgring não chegou a um acordo com Bernie Ecclestone, o “dono” da categoria, e, se a corrida de 19 de julho não for para Hockenheim, é possível que não seja realizada.
E Ecclestone, que responde por toda a parte comercial da Fórmula 1, não parece se importar com o momento de fragilidade de seu produto. A pose está lá, marcas importantes também. E, afinal, quem se importa se apenas 20 carros alinharão no grid do GP da Austrália e sabe-se lá quantos terminarão a temporada? Quem se importa se a Alemanha pode ficar de fora, se França, Argentina, Portugal e Holanda, tão tradicionais, estão alijadas do calendário? Quem se importa com as equipes pequenas? Chanel e Dior ainda circulam pelo paddock, países sem tradição ainda pagam dezenas de milhões de dólares todos os anos para terem suas corridas. Ainda há camarotes com ar condicionado com mesas cheias de empadinhas e garrafas de uísque à vontade.
Mas, se a competição continuar minguando, toda a festa em torno dela vai desmoronar. Na verdade, já está desmoronando. Ainda é tempo de salvar, mas é preciso que alguma providência urgente seja tomada. E Bernie não parece preocupado ou talvez não veja que sua festa de gala está virando mesmo um circo.
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