Falta energia e falta de vergonha

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POR PAULO MOREIRA LEITE

É inacreditável. Os cortes de energia ocorridos nos últimos dias têm sido usados por economistas e observadores ligados à oposição para sua revanche diante dos benefícios obtidos pela população mais pobre nos últimos anos e tentar desgastar o governo.

O argumento é sentimental: dizer que ocorreu uma grande ampliação do consumo, em particular de eletro-domésticos, mas lamentar em tom lacrimoso que não houve um aumento correspondente na oferta de  energia.

O truque é esconder o que ocorreu com nossa oferta de energia — e quem é responsável pelo que acontece agora. Não estamos falando de um episódio que aconteceu ontem ou na semana passada nem há dois anos, mas de uma política de décadas.

Qualquer que seja a causa real para os cortes de energia dos últimos dias, a verdade é que o país estaria em situação muito mais segura e confortável se não tivesse sido obrigado a enfrentar —  e ceder — diante de pressões poderosas, ocupadas  em atrasar os principais  investimentos no setor, com argumentos razoáveis, absurdos ou apenas estúpidos mas que, na prática, apenas contribuíram para enfraquecer o desenvolvimento do país. O governo Lula-Dilma encontrou o dinheiro, fez o projeto, definiu como seria feito — mas foi impedido de seguir em frente, por campanhas políticas, de marketing, ou através da judicialização do debate.

Segunda maior hidroelétrica do país, a terceira maior do mundo, Belo Monte é um projeto de três décadas, que sofre um massacre  sistemático e agressivo,  inclusive campanhas internacionais com estrelas de Hollywood, onde se multiplicaram ações na Justiça e repentinas preocupações com o bem-estar dos trabalhadores dos canteiros de obras apenas para justificar o apoio a todo tipo de paralisação. Poderia estar pronta, contribuindo para acender lâmpadas no país inteiro, mas só vai entrar em funcionamento no ano que vem. Irá produzir menos da metade de seu potencial porque a pressão ecológica levou a uma reforma do projeto para agradar entidades ambientais.

Contra a usina de Madeira se insurgiram os amigos de um tipo especial de bagres que se reproduzem pelo rio — e poderiam ser ameaçados pelas turbinas. aça sua lista e não esqueça de incluir as usinas nucleares que, de uma forma ou de outra, asseguram energia para a maioria das sociedades desenvolvidas, inclusive aquelas que financiam milionárias entidades ecológicas abaixo da linha do Equador. Não pense em teorias da conspiração.

É disputa de interesses, pura e simplesmente, tão antiga como a história do capitalismo. Falando na forma de caricatura, apenas para tornar as questões mais claras: houve uma época na qual as potências mundiais usavam a religião para submeter os povos da América e da Ásia com a ameaça do inferno cristão. Hoje, a ameaça de destruição da Terra serve como argumento ideológico para manter tudo como está — e azar de quem ainda não possui aquilo que necessita e tem direito.

É claro que Marina Silva tem explicações a dar nesse debate, vamos combinar. Suas responsabilidades são óbvias, ainda mais como candidata presidencial, que se apresenta como porta-voz da natureza ameaçada. Emprestou um prestígio adquirido na luta popular para causas que nada têm a ver com a melhoria no bem-estar das maiorias. Ajudou a dividir a resistência brasileira para defender o direito ao desenvolvimento. Mas não só.

Esse discurso só tem ressonância porque expressa interesses muito maiores, que nada têm a ver com os brasileiros que lutam dia e noite por um destino melhor na floresta — mas às grandes forças que sempre governaram o mundo e trabalham diariamente para manter tudo como está. Não foi por acaso que o esforço do PSDB para ampliar nosso parque energético esteve perto da nulidade.

Não se trata de negar a importância de medidas preservacionistas. Elas podem e dever ser estimuladas. A questão é de prioridade: preservar a natureza ou o status quo? Para quem? Para beneficiar o que?

O debate é este.

5 comentários em “Falta energia e falta de vergonha

  1. Acho muito curioso o fato de a imprensa evitar noticiar o Luz Para Todos. Amigos piauienses e pernambucanos só passaram a ter energia nos rincões do sertão nordestino graças ao programa federal, pelo que sei dos amigos que tenho lá. Há poucas matérias sobre o assunto, quase nada. Sabiam que há um linhão que liga Macapá ao sistema nacional de distribuição de energia que deve entrar em operação esse ano ou ano que vem? Que para Macapá ser integrada à rede nacional de energia houve de ser feita a maior torre de transmissão do mundo, mais ou menos do porte da torre Eiffel, só para o linhão atravessar o rio Amazonas? que Macapá, assim como Manaus e Boa Vista são capitais que estão fora dessa distribuição por causa das “grandes distâncias da Amazônia” e que o plano é integra-las ao resto do Brasil para reduzir custos com geração e distribuição? Essas capitais queimam combustíveis fósseis, o que é uma geração muito mais cara que a hidrelétrica. Isoladas – Manaus utiliza gás natural de Urucu, enquanto Macapá e Boa Vista utilizam geradores locais a diesel – elas acabam onerando o resto do país com essa prática porque afeta o preço do MWh produzido para cima. Acho que com o atraso de Belo Monte e Madeira, haverá atraso na conexão dessas capitais à rede nacional. O problema é tão sério que isso é decisivo para o desenvolvimento da região.

    Assim como tenho a mais absoluta certeza de que Aécio e/ou Marina abandonariam tais iniciativas importantes para a região e para o país, por motivos econômicos aquele, e ambientais, aquela, tenho ainda a esperança de ver esses projetos concluídos por esse governo. O custo desses empreendimentos seria um impeditivo ao investimento por aqueles atores políticos, mas não para a situação de hoje. É dizer, há grandes projetos que podem realmente transformar o Brasil em potência, dada a oferta energética e riqueza mineral e biodiversidade, mas nossos políticos se posicionam curiosamente contra. O engraçado é que não há uma só palavra da grande imprensa sobre o surrupio dos minérios paraenses bem embaixo das barbas do governo do Estado, atualmente a cargo de Jatene. É preciso entender que pode haver mentiras contadas ao povo, não só pela forma de seleção de manchetes ou de invenção de algumas delas, mas também pela ocultação de fatos que possam engrandecer o governo do PT.

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  2. Sobre o tema só posso dizer o seguinte: independente de governo A, B ou C, a construção de Tucurui (por sinal, falta botar a usina para produzir em carga máxima, ela produz 70%) e Belo Monte pouco fizeram e fazem pela melhoria do estado do Pará, ja que o ICMS não é recolhido para o povo do Pará.

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  3. Mas, é preciso ter presente que, em todos os tempos, os primeiros a vitimar o povo com mentiras e omissões são os governos, sejam eles do partido A, B ou C, seja nas campanhas, seja durante os mandatos, seja após os mandatos. E o governo atual nõ é diferente dos anteriores. Aliás, no mandato que corre, até os principais auxiliares da reeleita são entusiastas efetivadores e praticantes das ideias do governo anterior que agora está na oposição.

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