O Charlie Hebdo e o Pasquim

POR JAGUAR

Fiquei sabendo por um telefonema do Chico Caruso: “E o ‘Charlie Hebdo’, hem?” Fiquei esperando o resto da piada. “Mataram o Wollinski, o Cabu e mais dez.” Quando caiu a ficha e me convenci de que era verdade, o impacto foi literalmente tão arrasa-quarteirão quanto o da explosão das Torres Gêmeas. Como disse o Ique no ‘Jornal da Globo’. Mas discordo quando acrescentou que “evidentemente” daqui pra frente os cartunistas irão se atemorizar e diminuir suas críticas ao Irã, sem trocadilho.

Os colegas de cartum, não sei, mas eu pretendo pegar mais pesado do que costumo. Para quem não viu a minha charge de quinta-feira passada, desenhei um suposto Alá com turbante e uma barba negra contrastando com a barba branca de um Deus ariano. Pela Lei do Corão, qualquer imagem do Profeta é um crime que deve ser punido com a morte. E agora? Os malucos extremistas que fuzilaram Wollinski e seus companheiros vão explodir também meus miolos? Façam suas apostas. Mas, voltando ao ‘Charlie Hebdo’, era mais interessante quando tinha colaboração do Siné (radical, achava que o jornal devia ser mais engajado politicamente; no auge das discussões xingava o pessoal de reacionário, um exagero, é claro).

Por causa disso de vez em quando brigava com Wollinski e sumia. Isso salvou sua vida: quando houve o atentado, estava longe do local do crime (em 2008, saiu definitivamente do quadro de colaboradores). Meu palpite é que agora vai voltar. A crônica está quase no fim e ainda não falei que tivemos um ‘Charlie Hebdo’ no Brasil, o ‘Pasquim’ . Os dois nasceram na mesma época (1969-70), eram semanários, no formato tabloide, feitos basicamente por cartunistas: Wollinski, Siné, Willen, Cabu, Reiser e outros no ‘Charlô’. Millôr, Ziraldo, Fortuna, Henfil, Claudius, Caulos, Redi e outros no ‘Pasca’. Em ambos, a tiragem era de cem mil, e a única fonte de renda vinha da venda em bancas ou assinatura (ou seja, estávamos sempre no vermelho).

Para os patrocinadores, éramos um bando de comunas. A diferença era que, na França, De Gaulle tinha sido eleito, e aqui estávamos no auge da ditadura, em pleno AI-5. Houve também um atentado a bomba (que não explodiu, deu chabu, um atentado subdesenvolvido). A mídia (acho que ainda não tinham inventado o nome) praticamente ignorou o fato. O importante é que, entre mortos e feridos, salvaram-se todos. Ainda bem que isso aqui é Terceiro Mundo.

3 comentários em “O Charlie Hebdo e o Pasquim

  1. É preciso ter coragem para ir contra convenções sociais. Cartunistas e humoristas estão entre aqueles que mostram esse destemor na maioria das vezes. A linguagem da arte tem sido afastada da sociedade. As escolas ensinam matérias técnicas. Nada mais salutar numa sociedade que se beneficia do trabalho de técnicos, como a nossa. Muito sadio ensinar marcenaria ou mecânica de automóveis num espaço onde esse tipo de serviço é necessário e há grande demanda. Mas o esquecimento da arte é a negação de uma linguagem essencial. A arte é a primazia da linguagem humana. Não pode ser banalizada. Não pode ser desrespeitada. Toda leitura fundamentalista, seja de um livro, seja de uma pintura, significa grande desinteresse pelo sentido que essa ou aquela obra possa despertar, é uma grande prova de desprezo de todo ativo(?) intelectual que a obra inspire. É uma restrição do pensamento…

    Artistas precisam estar aí para o contraponto. E respeitá-los é necessário para a manutenção.

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  2. Não há como equiparar uma publicação a outra. Pasquim era o garoto mais fraco tentando encarar o grandão.
    Já esse Charlie Hebdo, pelo que se sabe, vinha batendo nos mais fracos.

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