Por Zuenir Ventura
As grandes metrópoles estão exportando para as menores suas mazelas, e nem sempre em outra escala. Em viagens, ainda que rápidas, pode-se observar a velocidade com que o fenômeno ocorre nesses paraísos perdidos. Acabo de voltar de Curitiba, que na época de Jaime Lerner (prefeito três vezes e governador duas) serviu de modelo de desenvolvimento urbano para cidades daqui e até do exterior. “Não se iluda”, ouvi de um colega ao chegar, “Curitiba não é mais aquela que você conheceu”.
A primeira diferença é a dificuldade, digamos, de ver o horizonte em alguns bairros. A quantidade de arranha-céus construídos ou em construção me lembrou Tom Jobim falando de Nova York: “Tem que ser vista de maca.” Ainda não é o caso, mas, pelo ritmo, promete.
A cidade teria crescido 400 mil habitantes nas últimas décadas. Com ironia, me dizem que quase 70% dos moradores são VIPs, ou seja, “Vindos do Interior do Paraná”, atraídos pelos encantos tão propagandeados da capital.
A (i)mobilidade urbana é também visível. Há engarrafamento não apenas nas horas de rush. Como em outras capitais médias, as reclamações são as mesmas e têm a ver com a perda da qualidade de vida. “Eu levava 20 minutos e agora levo mais de uma hora”, ouvi muito. As causas são conhecidas.
Com a elevação do poder aquisitivo da nova classe média e a redução dos impostos para a indústria automobilística, as ruas foram invadidas pelos carros. Me garantiram que ali há dois por habitante. Será?! (não pude conferir a veracidade da informação).

Pior do que o problema do trânsito é o da violência urbana, cujos números podem variar (seria a sexta maior taxa de homicídios do país), mas a percepção comum é de que aumentou muito, agravada pelo tráfico de drogas.
Não por acaso a 33ª Semana Literária Sesc/XII Feira do Livro teve como tema a violência também na literatura e como homenageado Rubem Fonseca, o autor de “Feliz Ano Novo”, e com a participação de mais de 20 escritores.
Aliás, se por um lado há os problemas, por outro há um impressionante empenho em reativar a vida cultural da cidade, com exposições, peças, shows, palestras, leituras, debates. O “Guia Cultural” precisou de 72 páginas para dar conta das atividades de setembro, que vão da Festa Internacional dos Quadrinhos até a exposição das 240 fotos de Frida Kahlo, além do ciclo Leituras da Ditadura, entre muitos outros eventos.
Entre as atrações de lá e de fora que Curitiba oferecia, pude assistir a uma memorável: o espetáculo “Saudades de Elis”, com Tunai e Wagner Tiso. Só por isso a viagem teria valido a pena, mas valeu por muito mais. Curitiba pode não ser “mais aquela”, mas ainda é muito legal.