Por Gerson Nogueira
O que ocorreu na rodada de ontem com França e Alemanha deve servir de balizamento e exemplo para as demais seleções que buscam chegar à final desta Copa das Copas. Determinadas e guerreiras, as equipes de Nigéria e Argélia criaram enormes dificuldades para as duas potencias europeias. Suaram para passar às quartas de final. A Nigéria esteve a um passo de sair na frente, mas foi traída pela afobação e um certo desleixo nas jogadas ofensivas. No meio-de-campo, porém, a decantada equipe de Didier Deschamps foi envolvida com espantosa facilidade e seu homem de referência, Benzema, não teve vida tranquila em campo.
Como é comum nos times africanos, as preocupações defensivas são deixadas em segundo plano, o que ocasiona vacilos monumentais em situações de extrema importância. Foi o que ocorreu ontem, mais uma vez.
Quando era mais aguda nas saídas e pontadas pelos lados do campo com Musa e Emenike, em jogo sempre muito bem organizado pelo craque Obi Mikel, a Nigéria descuidou da proteção à zaga, permitindo pela primeira vez na partida que Pogba e seus companheiros de ataque criassem duas boas chances, incluindo um chute na trave e uma bola arrematada por Benzema que quase ultrapassou a linha fatal.
Veio, então, um erro individual por parte do excelente goleiro Enyeama. Saiu em falso para cortar um escanteio, tocou na bola com mãos de alface e a jogada se ofereceu limpa para a conclusão de Pogba, que se posicionava no segundo pau.
Com a necessidade de empatar o jogo, correndo contra o relógio, a Nigéria abriu mão de todas as cautelas. Ameaçou seguidamente o gol francês, mas abriu a guarda e permitiu contra-ataques seguidos. No final, em cruzamento do ágil Valbuena, o zagueiro Yobo desviou involuntariamente para as redes.
Foi um dos mais movimentados embates das oitavas de final até aqui, e muito da qualidade do confronto deveu-se ao desembaraço e técnica dos africanos. Por diversas vezes, Mikel e demais jogadores da Nigéria fintavam os franceses com uma facilidade que lembrava o Brasil de outros tempos. Bateu uma certa inveja.
No fim das contas, porém, a França confirmou o favoritismo em lances de objetividade. Como saldo da jornada, ficou a sensação de que o time treinado por Stephen Keshi podia ter tido melhor sorte.
No outro confronto do dia, a Argélia quase conseguiu repetir a façanha de 1982. Marcou a Alemanha com competência e destemor. Não permitiu que o rápido meio-campo germânico prevalecesse ao longo dos 90 minutos. Foi poucas vezes ao ataque, mas meteu medo sempre que chegou.
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Alemanha, um gigante pressionado
O placar final de 2 a 1 revela o nível de dificuldade que a Alemanha enfrentou para dobrar a modesta Argélia. A tricampeã mundial precisou de 120 minutos para dobrar um time emergente, sem maior tradição em mundiais. Tocados pelo exemplo de 1982, quando derrotou a seleção germânica na primeira fase do Mundial da Espanha, os argelinos cumpriram à risca um planejamento de jogo que priorizava a marcação em campo inimigo. Poucas vezes se viu a Alemanha tão bem policiada nesta Copa, o que visivelmente tirou do eixo o forte setor de meia-cancha formado por Khedira, Kroos, Ozil e Lahm. Quem esperava ver em Porto Alegre a agressividade do artilheiro Thomas Muller e os dribles do jovem Mario Gotze teve o privilégio de conhecer Ghoulam, Djabou e Feghouli.
Determinação, bravura e disciplina tática. Assim pode ser resumido o comportamento da Argélia. O esforço quase deu certo. Atenta a todos os passos dos alemães, a equipe argelina exibiu concentração absoluta, beirando a perfeição no combate direto aos alemães. Isso foi feito ao longo de 105 minutos, uma proeza admirável.
No segundo tempo da prorrogação, a casa caiu, por desatenção e cansaço. Num contra-ataque bem articulado, Muller tocou para Schürrle (que havia substituído a Gotze), que finalizou para o gol meio desajeitadamente. Depois, com a Argélia lutando para empatar, um segundo contragolpe liquidou as esperanças dos emergentes. Mas, num gesto final de valentia, veio o gol de honra. E poucas vezes um gol foi tão honroso como o de Djabou, aos 15 minutos da etapa final do período de prorrogação.
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A seleção que mais se deixa marcar
Dos times que chegaram às oitavas o Brasil é o mais frágil na marcação – sofreu 109 desarmes nos quatro jogos que realizou. A Copa tem demonstrado que saber marcar os adversários é um dos caminhos seguros para a vitória. Tentando fugir a esse cenário, Felipão tem se empenhado nesta semana em resolver o crônico problema, mas tem um desafio de grandes proporções. Luiz Gustavo, o melhor marcador do time, está fora do próximo jogo.
Felipão terá então que solucionar a deficiência maior de sua estrutura defensiva com novas peças. Hernanes, Paulinho, Fernandinho, Ramires e Henrique são as opções para a proteção à zaga contra a Colômbia. Como fez em 2002 com Edmilson, zagueiro que virou volante, o técnico tende a aproveitar o ex-palmeirense Henrique na escalação, tendo provavelmente Paulinho como parceiro.
Uma outra dificuldade a ser transposta é a solidão de Oscar, relegado a escolta de Daniel Alves no difícil jogo contra o Chile. Meia-armador oficial da Seleção, Oscar tem sido muito afastado do corredor obrigatório dos jogadores de criação. Afastado da intermediária, é visto frequentemente nas laterais, auxiliando na marcação. É o chamado subaproveitamento de um jogador de talento.
Como Oscar não se movimenta por onde deveria, Neymar acaba vitimado no que poderia ser um dos pontos fortes do escrete. Sem que os mais habilidosos do time se aproximem, o time inteiro tende à dispersão. Contra uma Colômbia armada em cima de velocidade e passes curtos, buscar corrigir essas fragilidades do Brasil é o primeiro dos deveres de casa de Felipão. E ele corre contra o tempo.
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Cobertura internacional
reconhece êxito brasileiro
Os jornais estrangeiros mais respeitados – casos de El País, London Times, The New York Times etc. – já admitem o que no Brasil alguns ainda relutam em aceitar. A Copa é um sucesso absoluto, tanto no aspecto técnico (média de gols, índice de bola rolando etc.) como no de organização. Sim, o que foi apregoado como um desastre inevitável acabou se transformando em um evento de alto padrão, com falhas pontuais e avaliação geral mais do que satisfatória.
Os jornalistas que vieram ao Brasil cobrir o Mundial não escondem nas conversas uma certa surpresa com o que testemunham aqui. Assustados inicialmente pelo noticiário interno desfavorável à Copa, que previa inclusive apagões aéreos e caos nas grandes cidades, eles revelam extrema simpatia pela maneira como têm sido recebidos em todas as cidades-sede.
Nesses momentos, soa ainda mais patético o discurso agressivamente anti-Copa que foi usado ao longo de 2013 e nos primeiros meses deste ano. Somente interesses não declarados justificam a campanha rasteira desfechada para sabotar um evento de interesse de todos os brasileiros. Mesmo com a cruzada contrária, o país está se saindo muito bem. Não é fácil derrotar o Brasil em Copa do Mundo, dentro ou fora de campo.
As torcidas estrangeiras são outra fonte preciosa de avaliação. Todas reconhecem a hospitalidade, gentileza e alegria dos anfitriões. Ressaltam a beleza natural das praias, dos pontos turísticos e a exuberante culinária nacional. Muitos estão atestando que este é o país do futebol e muitas coisas mais.
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Argentina de Messi encara primeiro mata-mata
Com uma legião de fãs ensandecidos em deslocamento pelo Brasil, a Argentina enfrenta um adversário relativamente fraco, a Suíça, que teve opaca passagem pela primeira fase. Ainda hesitante entre o antigo estilo fortemente retranqueiro e uma inovadora opção pelo ataque, a seleção suíça não conseguiu impressionar ninguém até agora.
Os argentinos também impressionaram discretamente, muito mais pelo talento pessoal de Lionel Messi, autor de gols decisivos nos primeiros três jogos. Sem entrosamento que convença, é através dele que os hermanos pretendem avançar até a final. Com um condutor tão qualificado, é bom não duvidar dessas pretensões, mesmo numa Copa marcada por surpresas.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta terça-feira, 01)