Espanha ingressa na tropa de elite
E a melhor seleção venceu, o que é sempre alentador. Sem influência da arbitragem ou ajuda do acaso. A Copa do Mundo africana chegou ao fim premiando o mérito. A Espanha, que tanto batalhou por esse título ao longo dos anos, finalmente pode bater no peito e soltar o grito de campeã do mundo. Antes dela, somente sete países puderam desfrutar dessa glória. Frente à Holanda, outra seleção carente de títulos, os espanhóis se comportaram de forma sempre superior e altiva. Evitaram a armadilha de ficar trocando passes inúteis, como havia ocorrido contra o Paraguai nas oitavas de final. Foram ao ataque do mesmo jeito que fizeram contra os alemães, com velocidade e destemor, pressionando os holandeses a se encolherem.
No meio-de-campo, onde a Holanda apresenta um dos conjuntos mais bem ensaiados do mundo, com volantes que guarnecem as ações de Sneijder, a marcação espanhola foi quase individual, sobrando apenas Xavi para fazer a ligação sem tantas obrigações defensivas. No ataque, Davi Villa caiu novamente fora da área, desconsertando por completo a marcação da dura (por vezes, violenta) zaga laranja.
Ao contrário do procedimento do Uruguai na semifinal contra a Holanda, a Espanha usou do expediente de deixar Robben solto, sem marcação direta, mas vigiado por zona. No primeiro tempo, o ponta foi praticamente anulado, aparecendo com perigo apenas no segundo tempo, quando quase marcou após lançamento de Sneijder. Vicente Del Bosque é um técnico à moda antiga, até no visual de dono de pastelaria, mas soube ser suficientemente atualizado para dar ao seu time uma formidável consistência de jogo. Estreou mal no torneio, perdendo para a Suíça num jogo estranho e desigual. Mesmo derrotada, a Fúria desperdiçou a maior quantidade de chances. A frustração pela estreia desastrosa deu o combustível necessário para que o time marchasse para uma boa campanha, apesar de não ter sido brilhante nas etapas seguintes.
Mesmo contra Portugual, no clássico ibérico, a Espanha foi irregular e instável. Começou arrasadora, mas caiu de produção ainda na primeira meia hora de jogo. Voltou do intervalo determinada a vencer e acertou o passo, exibindo pela primeira vez uma característica que ficaria mais evidente nos confrontos seguintes. Como a Seleção Brasileira de 70, a Espanha desta Copa africana foi um time sempre irresistível no segundo tempo, explorando o desgaste físico dos adversários. Foi assim contra o Paraguai, vencido somente nos instantes finais após uma duríssima batalha entre ataque e defesa.
Diante da Alemanha, a tática se repetiu. Depois de um tempo equilibrado, a Espanha voltou para o segundo período com ânimo redobrado e melhor distribuição ofensiva. A estratégia voltou a ser premiada. Contra a Holanda, quis o destino que o gol viesse apenas na prorrogação, aumentando a carga dramática de um jogo já normalmente tenso. O passe sob medida do craque Fábregas para o inspirado Iniesta levaria La Roja ao olimpo do futebol, ingressando no seleto clube dos campeões mundiais. Apesar de não ter sido um super espetáculo, a decisão preencheu todas as expectativas quanto à emoção e busca pela vitória.
Vitória justíssima do time que perseverou mais. À Holanda, tri-vice, resta o consolo de ter feito até antes do último jogo uma campanha digna do Brasil do tri – também 100% vitorioso desde as eliminatórias. Marjwick, que como jogador foi decisivo contra os espanhóis, não conseguiu fazer frente à vontade e à determinação do inimigo. Mais que uma decisão de Copa, a Espanha encarou o embate como sua maior batalha e todos os tempos. Desconfio que ontem nenhum time do mundo seria capaz de deter essa marcha furiosa rumo ao triunfo.
A punição fora de lugar
O grau de idiotia de alguns árbitros beira o inacreditável. Andrés Iniesta, autor do gol do título, tão esperado pela nação espanhola, saiu festejando a jogada e correu para ser abraçado pelos companheiros. Na empolgação, tirou a camisa. A lei manda punir esse tipo de atitude. O bom senso diz que o momento culminante do futebol precisa ser comemorado com plena liberdade. O engraçado é que o árbitro inglês deixou de dar cartões amarelos para lances de pura truculência em campo, mas foi cirúrgico na hora de reprimir a alegria do goleador do jogo. Tenha santa paciência.
Esforço e generosidade de um povo
Nessa derradeira Conexão África, o reconhecimento do esforço gigantesco dos sul-africanos para realizar um evento tão complexo. A Copa teve problemas de estrutura (principalmente na área de transportes), mas foi empolgante como mostra da dedicação individual da população. Todos os que estiveram aqui foram brindados com gestos de generosidade, simpatia e carinho, próprios de uma nação muito bonita, na cor e na alma.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta segunda-feira, 12)