
Do UOL
Vilão no filme Tim Maia (2014), Roberto Carlos virou herói na minissérie exibida pela Globo a partir do próprio longa-metragem, que foi reeditado e transformado numa mistura de ficção com documentário. No filme, Roberto Carlos, no auge da juventude e já famoso, esnoba Tim Maia, então em início de carreira. Na minissérie, Roberto Carlos é apresentado como o artista que lançou Tim Maia.
Uma sequência do filme em que Roberto despreza e humilha Tim Maia (1942-1998), entregando-lhe botas usadas e dinheiro amassado, foi trocada por depoimentos de Nelson Motta, autor da biografia que originou o longa, e do próprio cantor. Na versão exibida pela Globo na quinta (1º) e ontem (2), Nelson Motta contradiz seu próprio livro e afirma que Roberto fez o que pôde para ajudar Tim. Já Roberto conta que indicou o futuro soulman brasileiro a uma gravadora.
Tim Maia e Roberto Carlos conviveram desde os anos 1950 e tiveram uma banda, Os Sputiniks, que se desfez quando Roberto decidiu seguir carreira solo. Após a dissolvição da banda, Tim Maia se mudou para os Estados Unidos e foi preso. Deportado para o Brasil, procurou Roberto Carlos, que tinha um programa na Record, e pediu ajuda.
No filme, Roberto Carlos é retratado como mesquinho e aproveitador. Tim Maia (Robson Nunes) invade o camarim de Roberto (George Sauma), em meados dos anos 1960, mas o cantor não lhe dá ouvidos e entrega uma “bota que sobrou” ao ver os sapatos velhos do colega. Em seguida, Roberto é chamado para ir ao estúdio e pede para Tim esperá-lo.
Tim Maia aguarda o astro pacientemente. Tempos depois, Roberto Carlos passa pelo corredor e o ignora. Após o final do programa, ele corre para sair, mas Tim o alcança, pede ajuda e diz não ter dinheiro para voltar para casa. Roberto mais uma vez o esnoba e manda alguém dar dinheiro ao ex-colega. O produtor do programa amassa as notas antes de entregar a Tim.
No primeiro capítulo da minissérie da Globo, toda a sequência descrita acima foi cortada, e a história foi contada de outra forma. No lugar, entraram depoimentos do jornalista Nelson Motta e de Roberto Carlos, que disse ter dado oportunidade a Tim Maia, sem mencionar o caso do camarim, em que Tim se sentiu humilhado pelo antigo companheiro.
“O Roberto, acho que era tranquilo com ele, porque sabia o valor que o Tim tinha como cantor e compositor, tanto que levou o Tim para a Jovem Guarda. O Roberto fez o que pôde”, afirmou Nelson Motta na Globo. “‘Tim, vou te apresentar à CBS. Vou arrumar para você gravar lá. Fique tranquilo’. E a Nice [Cleonice Rossi, primeira mulher de Roberto Carlos] virou e disse assim: ‘Ajuda ele’. E ele sempre achou na vida dele que eu tinha feito isso porque a Nice tinha feito esse pedido e não foi, foi uma iniciativa realmente minha”, disse Roberto Carlos na minissérie.
O que chama a atenção é que Nelson Motta, ao tentar preservar a imagem de Roberto Carlos na minissérie, desmente seu próprio livro, Vale Tudo – O Som e a Fúria de Tim Maia (2007), que originou o filme. Na apresentação do longa à imprensa, em outubro, o diretor Mauro Lima afirmou que “tudo foi baseado na biografia de Nelson Motta”, incluindo as cenas em que Roberto esnoba Tim Maia.
Para reforçar ainda mais o bom-mocismo de Roberto Carlos, a Globo escalou Babu Santana, que interpretou Tim Maia no filme. Além de narrar a história, ele se caracterizou novamente para a minissérie e apareceu dando o crédito a Roberto: “E foi assim, rapaziada, que o Roberto Carlos lançou o gordo mais querido do Brasil”.
Procurada, a Globo disse que a minissérie não é uma reexibição do filme: “Qualquer obra audiovisual segue critérios artísticos. O episódio de ontem [quinta-feira] mostrou Tim tentando sem sucesso falar com Roberto Carlos ao voltar dos Estados Unidos, em situações diferentes. O contexto foi mais detalhado nas entrevistas de Erasmo Carlos, Nelson Motta, Fábio e do próprio Roberto”.
O primeiro episódio da minissérie Tim Maia – Vale o que Vier, na quinta, registrou 24 pontos em São Paulo e 28 no Rio de Janeiro, segundo dados consolidados do Ibope.

Cineasta rejeita versão global
Em mensagem publicada no Instagram, o cineasta Mauro Lima, diretor do filme “Tim Maia”, pediu a seus seguidores que não assistissem “Tim Maia – Vale o que vier”, série exibida pela Globo entre quinta (1º) e sexta-feira (02). “Aos seguidores que não viram ‘Tim Maia’ no cinema sugiro que não assistam essa versão que vai ao ar hoje e amanhã na Globo. Trata-se de um subproduto que não escrevi daquele modo, nem dirigi ou editei”, escreveu o cineasta.
Como a emissora informou, o programa foi “uma recriação do filme” de Lima. A Globo eliminou cenas, acrescentou outras, incluiu depoimentos de contemporâneos do cantor e ainda gravou imagens nas quais o ator que interpreta Tim Maia narra trechos da própria história. Fãs de Tim Maia que viram tanto o filme quanto a série reclamaram muito da forma como foi abordada, na TV, a conturbada amizade do cantor com Roberto Carlos, seu contemporâneo da Tijuca.
Baseado no livro de Nelson Motta, “Vale Tudo – O som e a fúria de Tim Maia”, o filme abraça a versão de que Roberto Carlos deu de ombros e até humilhou o amigo quando ele o procurou no início da carreira. Na TV, uma sequência forte que mostra esta situação foi eliminada e, em seu lugar, entrou um depoimento do cantor dizendo que ajudou, sim, Tim Maia.
Mauro Lima não comentou as alterações feitas pela TV. Irônico, apenas disse que a série é uma versão que não tem relação nenhuma com o seu trabalho. “Seria um ‘director´s non cut’.” E recomendou: “Sugiro esperar sair no Now ou em DVD na sua forma original”. (Por Mauricio Stycer)