POR GUILHERME GUERREIRO NETO, no Facebook
A PEC 241, que virou 55, é mesmo o melhor remédio pra crise econômica brasileira?
Como a economia é cheia de análises técnicas, difíceis de entender, às vezes a gente acha que não tem outra saída.
Mas tem sim. E pra muitos economistas a PEC tá mais pra veneno que pra remédio.
Desde 2011, a economia do Brasil tá em desaceleração.
Em 2015, o governo passou a adotar um ajuste fiscal, ou seja medidas pra equilibrar o orçamento; no caso, redução de gastos públicos.
Aí veio a tal recessão.
Os economistas divergem sobre o que fazer em tempos de crise.
Uns dizem “não tem jeito, é preciso cortar gastos”.
Outros dizem “nada disso, o que precisa é estimular o crescimento”.
O país tem, hoje, um déficit público. Ou seja, gasta mais do que arrecada.
Há tempos os gastos têm crescido de forma elevada e estável. Mesmo assim o resultado fiscal vinha sendo positivo.
Só que o crescimento da arrecadação, nos últimos anos, deixou de acompanhar o crescimento das despesas.
Muita gente compara a economia do governo com o orçamento que a gente tem em casa.
“Ora, não dá pra gastar mais do que se ganha, né?”
Mas a comparação é furada.
Porque, no Estado, o gasto estimula a movimentação da economia e o crescimento.
Mas, voltando, o que propõe a PEC 55, então?
Que o foco de ação seja na diminuição das despesas, não no crescimento das receitas.
E só numa parte das despesas, as primárias. Nada de cortar os gastos com os juros da dívida pública.
Ela aparece como um “novo regime fiscal”.
A política fiscal é o conjunto de medidas do governo que mexe com arrecadação e gastos.
Essa não é uma discussão apenas técnica. É também política.
Por isso, precisa ser fruto de debates democráticos.
Tá aí um dos graves problemas da PEC 55: ela tira da sociedade e do Congresso o direito de definir o tamanho do orçamento público.
Com ela em vigor, a política financeira fica fora do debate público.
Tudo seria definido por uma variável econômica: a taxa de inflação, que mede a variação de preços e o impacto no custo de vida.
A PEC 55 fixa um teto pro total das despesas primárias, que incluem educação, saúde e assistência social.
Um teto pra durar 20 anos!
Sendo que, com 10 anos, o presidente da República pode mexer na regra.
Enquanto a PEC valer, os gastos só vão ter correção pela inflação do ano anterior. E olhe lá!
Muita gente vai nascer, o PIB vai voltar a crescer, mas os gastos públicos vão ficar congelados.
Mesmo em países que adotam medidas parecidas, elas não duram tanto tempo e nem têm tanta rigidez.
Quer mais? Nenhum país do mundo define o regime fiscal mudando a Constituição, como estão propondo no Brasil.
A nossa Constituição Cidadã de 1988 define que os investimentos em educação nunca podem ser menores que 18% da arrecadação de impostos.
No caso da saúde, desde o ano 2000, os investimentos estão vinculados à Receita Corrente Líquida. O percentual mínimo, em 2016, é de 13,2%. Chegaria a 15% em 2020.
Pois a PEC faz a desvinculação dessas despesas obrigatórias.
O que isso significa?
Que as despesas com educação não estariam mais vinculadas à arrecadação. E que as despesas com saúde deixariam de ter relação com a receita líquida.
O valor vigente em 2017 passaria a funcionar, por 20 anos, como um piso.
Não importa o quanto a arrecadação dispare, o único ajuste seria o da inflação.
Aí alguém pode dizer: “Ué, mas a PEC não traz um valor máximo pros investimentos em saúde e educação, ela dá um novo mínimo”.
Tudo bem. Mas com o teto pro orçamento total, os gastos com a Previdência e o todo o conflito distributivo, ninguém aposta em recurso acima do mínimo.
O cenário já não é grande coisa. E vai piorar.
Quanto maior for o crescimento econômico, maior vai ser a perda.
Uma pesquisa do Ipea mostrou que, pelo orçamento de 2016, a perda acumulada na área da saúde pode chegar a 743 bilhões.
E, pelas projeções do IBGE, a população brasileira, daqui a 20 anos, vai ser 10% maior que a de hoje. Já o número de idosos com 60 anos ou mais vai quase dobrar.
Em 2016, sem a PEC, o gasto per capita em saúde é de 519 reais.
Com ela, em 2036, o gasto per capita fica em 411 reais.
Permanecendo a regra atual, o valor per capita pode chegar a 822, dependendo da taxa de crescimento do PIB.
No caso da Educação, a perda pode ser de até 24 bilhões por ano. A estimativa é da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados.
Não vai dar pra cumprir as metas do Plano Nacional de Educação.
Aprovado em 2014, o Plano previa que, em 10 anos, o investimento em educação pública chegasse a 10% do PIB.
Com a PEC 55, nada feito.
Salário mínimo e programas de assistência social também vão sofrer os efeitos do corte de gastos.
E ainda que o teto de despesas seja direcionado pros poderes federais, estados e municípios também vão sentir o aperto nas contas.
Afinal, boa parte das receitas estaduais e municipais vem de repasses do Governo Federal.
É, amigo…. O veneno da austeridade econômica vai atingir em cheio os avanços sociais conquistados desde a Constituição de 1988.
Educação e saúde, mais longe da universalização, vão acabar feridas de morte.
Vem aí 20 anos de desmonte do pouco que foi feito em quase 30.
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Fontes:
Austeridade e retrocesso (http://brasildebate.com.br/…/u…/Austeridade-e-Retrocesso.pdf)
Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do Sistema Único de Saúde e para a efetivação do direito à saúde no Brasil (http://www.ipea.gov.br/…/nota_tecnica/160920_nt_28_disoc.pdf)
Quadro fiscal brasileiro de PEC 241 (http://l.facebook.com/l.php…)
PEC 241 reduz deveres do Estado com saúde e educação (http://www1.folha.uol.com.br/…/1824466-nao-e-dificil-perceb…)