(Colaboração preciosa de mestre Carlos Verçosa, via Face)
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Nestes tempos obscuros de caça
às bruxas, dedurismo premiado,
perseguição, prisão com base
em delação na falta de provas,
manipulação, suposição,
conjugação de verbos
no futuro de pretérito,
tempos de ameaças, arrogância,
conduta venal das vestais
da justiça, espetando sua espada
nas costelas da democracia
Nestes tempos obscuros
em que santos do pau oco,
arautos da moralidade
travestidos de justiceiros
contra a corrupção,
prendem antes de provar,
condenam antes de julgar
e destilam veneno e fel,
tempos autoritários
em que esses políticos togados
revelam toda sua frustração,
sua inveja e todo o rancor
acumulado em anos e anos
sem o poder do voto
e sem poder
Só me resta a indignação
e a lembrança do poema
em que Eduardo Alves da Costa
lembrou Maiakóvski um dia,
no silêncio do seu quarto,
e berrou como mau cabrito
a esses finos finórios truculentos
que invadem nosso jardim
na primeira noite e que hoje
já pisam as flores e ameaçam
matar nosso cão
NÃO PASSARÃO
eu passarinho
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NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas manhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão
de vozes,
o coração grita – MENTIRA!
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(poema dos anos 1960 – de Eduardo Alves dos Santos)