A argentinização do futebol brasileiro

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POR JOÃO MARCONDES (*)

Dentre as idiossincrasias do futebol brasileiro, uma talvez se destaque de forma sanguínea: o direito de tratar os jogadores em campo como escravos gladiadores em uma arena de leões (curioso os novos estádios chamarem-se “arenas”).

Eles devem ser humilhados, xingados, execrados e, a uns poucos, restará a glória.

Isso pode ocorrer em menor grau em outros países. Aqui ocorre sempre.

Certa vez, em um jogo do São Paulo no Morumbi, vi um cara se esgoelar em impropérios, as veias saltando no pescoço roxo, para o pobre volante Maicon (hoje sucesso no Grêmio) e, em seguida, comentar com baba escorrendo pelos cantos da boca. “A Dilma está destruindo o Brasil, aqui pelo menos a gente berra.”

No mesmo São Paulo, alguns jogadores estão rapidamente virando Genis buarquianas: Lucão, Centurión, Michel Bastos.

Perplexo com o tratamento, o sensível atacante argentino constantemente reclama em suas redes sociais: “Vocês não sabem o que passei para estar aqui, a minha história”, diz ele. “Vocês precisam me dar uma chance”.

Errado, caro centurião romano, você não sabe o que é pisar nesses gramados pentacampeões depois da humilhação dos 7 a 1.

Técnicos argentinos como Edgardo Bauza e Gareca inflaram suas equipes com jogadores de seus país.

Todos eles esperam que a torcida daqui aja como a de lá – apoio incondicional, com cânticos de incentivos durante 90 minutos.

Tal argentinização começa a ter adesão na imprensa respeitável, que tece loas às hinchadas do país vizinho, como se fossem o verdadeiro modelo de comportamento. O real jeito de torcer.

Ora, não há verdadeiro jeito de torcer.

“Deve-se amar o time mesmo na derrota”, é o pensamento.

Por causa disso, vale dizer, já há até uma certa tendência de tolerância por aqui.

Uma das torcidas uniformizadas tricolores, por exemplo, apoiou Lucão antes do jogo de ontem contra o The Strongest.

Mas bastou o time boliviano ganhar em solo tupiniquim para nossa boa e velha índole voltar com toda a força.

Devemos ser como os argentinos, amar nossos times e jogadores, independentemente de resultados e atuações?

Para mim, a resposta é: não conseguiremos, não queremos.

Em nossa cultura, os jogadores devem sim ser degolados ao mínimo erro.

Queremos sangue.

O que não é bom ou ruim.

É apenas como somos.

João Marcondes é jornalista.

2 comentários em “A argentinização do futebol brasileiro

  1. Há uma diferença brutal entre os torcedores brasileiros e estrangeiros. Para o Brasileiro, qualquer coisa que não for o primeiro lugar não vale. Para o resto, um segundo ou terceiro lugar conquistado com suor e lágrimas vale tanto quanto o primeiro. Essa cultura é muito ruim e destrutiva.

    Veja a situação dos nossos clubes. Quanto o time está perdendo a torcida desaparece. Nos outros paises, a torcida fica com o time até o último minuto, mesmo que ele esteja em último lugar. Sem apoio da torcida nenhum time vinga.

    Olhem a situação do esporte de base. Crianças são pressionadas pelos pais para serem sempre campeões, independente do esporte. Por isso, muitas crianças deixam de praticar esporte para fugir dos pais e se refugiam nos jogos eletrônicos.

    No caso do futebol de base, nem treinadores, nem dirigentes e nem torcedores têm paciência com os jovens jogadores. Já os querem no nível de Messi a partir do primeiro jogo. A pressão é brutal e absurda. Destrói talentos no nascedouro.

    O Brasil precisa mudar de comportamento para ser grande. Precisa apoiar mais os jovens, independente dos resultados imediatos. É preciso deixar a garotada se divertir enquanto pratica esporte. Não cobrar nada. Tudo vem com maturidade e muito trabalho.

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