Muito além das fronteiras do ridículo

Na tentativa de incriminar Lula, os perdigueiros da informação mordem seu próprio rabo, mas poucos se riem

POR MINO CARTA

Na semana passada, sugeri aos perdigueiros da informação que passassem a procurar o jatinho, o Rolls-Royce, a fazenda, o iate que Lula não possui. E não é que acharam o barco de dona Marisa? De lata, custa 4 mil reais. Quanto à fazenda, fazendeiro mesmo é Fernando Henrique Cardoso e de jatinho há de voar Aécio Neves, ao certo sei que dispõe de campo de pouso.

Está claro que de FHC e de Aécio não é admissível suspeitar: postam-se na proa da fragata tucana e, portanto, são intocáveis. Seu partido tornou-se de fato o mais perfeito intérprete dos ideais da direita mais reacionária do País. O Partido da Social-Democracia Brasileira, e já aí nos defrontamos com uma piada. Nunca houve quem ousasse perguntar-se como um professor universitário seja proprietário de um apartamento paulistano muito maior do que o triplex praiano que dona Marisa não comprou, e de uma fazenda de boa extensão, fruto de uma obscura história a envolver um certo Jovelino Mineiro, de turva memória.

O único filho de FHC (o outro dele não era) andou metido em aventuras estranhas e eu não esqueço as excelentes relações que o ex-presidente mantinha com Daniel Dantas, o banqueiro do Opportunity, deliberadamente favorecido pelo então presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, por ocasião da bandalheira da privatização das comunicações.

Tive a oportunidade de ouvir a gravação dos grampos das conversas telefônicas entre Mendonça de Barros, André Lara Resende e Persio Arida e parte mais significativa CartaCapital publicou em 25/8/1998, ecoada obviamente pelo estrondoso silêncio da mídia nativa. Ouvi claras referências à manipulação dos resultados da privatização a favor “dos italianos” e, portanto, de Dantas, admitida a possibilidade de recorrer, caso necessário, à “bomba atômica”, ou seja, o presidente FHC. Certa vez, de volta de Cayman, onde cuida dos seus negócios e de muitos outros graúdos, o banqueiro foi diretamente a Brasília para uma visita ao Alvorada. Perguntei-me se estaria em missão de agradecimento.

A vocação aérea de Aécio Neves é certa e sabida, costumava usar o avião da governança mineira para viagens sem agenda oficial, e o emprestava com generosidade aos amigos e nem tanto para suas deslocações Brasil afora. Até um vilão recente, Delcídio do Amaral, gozou da regalia. Do ex-governador falou-se muito e mal, em incursões inclusive por sua vida privada, e eis que, de improviso, ao se tornar candidato tucano contra Dilma Rousseff, a mídia nativa o assume como varão de Plutarco.

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Os argumentos brandidos agora na tentativa de incriminar Lula, repetidos à exaustão produzem jornalões idênticos de um dia para o outro, e também revistas e programas de rádio e tevê. Ao ler a Folha de S.Paulo de sexta-feira você pode ser levado a crer que de verdade se trate de O Globo de domingo ou do Estado de S. Paulo da quinta seguinte. Não se distingue colunista, ou um comentarista, de outro. Por exemplo, Dora Kramer de Eliane Cantanhêde. De todo modo, na terça 2 de fevereiro, na Folha Mario Sergio Conti aponta em Ernesto Geisel um herói da probidade.

Dado a esquecimentos, o colunista graciosamente olvida a vivenda nababesca que Geisel construiu na encosta da Serra do Mar e de como permitiu que o então mandachuva da Petrobras, Shigeaki Ueki, cobrasse pedágio sobre cada barril produzido ou importado. Sem contar que, ao encerrar o seu “mandato”, levou para casa os presentes recebidos de visitantes ilustres na qualidade de ditador. Consta ter apreciado sobretudo vasos chineses da dinastia Ming.

Mesmo para quem se acostumou à leitura da imprensa, ou acompanha programas políticos na tevê e no rádio, haveria de sofrer autênticas crises de desalentado enfado diante da repetição dos tais argumentos, de resto até o momento tão pouco consistentes. Os jornais contam até as vezes em que a família de Lula esteve no celebérrimo sítio de Atibaia como se os passeios apontassem para os verdadeiros donos do imóvel. Fica provado apenas que a polícia segue os passos da família Lula da Silva e se prontifica a vazar informações aos repórteres que certamente não se dispõem a certas tarefas.

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Ampla conspirata em andamento como se vê, conluio de policiais com os perdigueiros midiáticos, diante do olhar atônito de Rolando Lero, perdão, do ministro da Justiça. Envolvidos, ainda, promotores certos da autoridade que a Constituição lhes concede, qual fossem instituições à parte, além das três previstas pelo regime democrático. No caso, o doutor Ulysses Guimarães, pai da Carta de 1988, cometeu um equívoco. Houve, entre seus assessores, quem recomendasse não conceder ao Ministério Público tamanho poder, mas o “Senhor Diretas Já”, movido a idealismo, não quis ouvir.

Os enredos protagonizados pelo triplex praiano e pelo sítio interiorano foram completamente desenrolados. No caso do sítio, um dos donos é filho de um dos fundadores do PT, Jacó Bittar, velho companheiro de lutas sindicais do ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Jacó comandava o sindicato dos petroleiros de Paulínia, e os filhos dos dois sindicalistas cresceram juntos. Seria imaginável que um Bittar funcionasse como laranja de Lula? Mesmo assim, os perdigueiros farejam o pecado e contam com um promotor paulista, Cassio Conserino (foto abaixo), para dar ouvidos à sua algazarra e indiciar o casal Lula da Silva para depor no próximo dia 17. Admita-se a hipótese de que Conserino aspirasse a ter seu retrato nas páginas dos jornalões.

A razão da caçada é transparente, nasce do ódio de classe dos senhores da casa-grande e visa cortar pela raiz a eventualidade de uma candidatura de Lula em 2018. Ocorre que os perdigueiros se perdem pelo caminho à procura do que não existe, vítimas de sua própria insistência ao longo da pista que a nada leva. Surpresa? O jornalismo à brasileira é o mister, com raríssimas exceções, de uma horda de lacaios dos barões midiáticos. Estes se odeiam entre si, mas se unem à frente do risco comum, para formar o verdadeiro partido de oposição a qualquer ameaça à fórmula medieval, casa-grande e senzala. Nem por isso sobra espaço para espanto quando os perdigueiros estão a morder seu próprio rabo.

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Quantos, além do promotor Conserino, não percebem o ridículo? Em primeiro lugar, os proprietários de apartamentos mensuráveis em milhares de metros quadrados de construção, dotados de terraços gourmet e de sete a oito garagens, em edifícios definidos como torres. Foi-se o tempo em que veraneavam em Guarujá. Por lá havia até um cassino em roleta, dedicado, porém, a jogos de baralho, e à mesa de pôquer o rebento de uma graúda família paulistana certa vez perdeu um carro Studebaker, verde e recém-importado. Décadas e décadas atrás, quando a Praia das Astúrias servia apenas para os passeios dos moradores de Pitangueiras, esta sim, habilitada a receber na orla a aristocracia, enquanto o time aspirante se espalhava por trás, em prédios ou sobrados sem vista para o mar. Guarujá é hoje uma amostra terrificante da degradação brasileira, com suas praias cercadas de favelas e bandos de assaltantes estavelmente instalados no túnel que dá acesso às praias da Enseada, Pernambuco e Perequê no rumo de Bertioga.

É um faroeste do terceiro milênio, bem diferente de Coral Gables, onde inúmeros privilegiados brasileiros têm apartamentos, quando não os têm em Nova York, com vista para o Central Park, e em Paris na Avenue Foch. Das Astúrias cabe dizer ter-se tornado há muitos anos a meta preferida dos farofeiros. Permito-me achar que dona Marisa agiu bem ao renunciar a tão falado triplex, que, aliás, com seus duzentos e poucos metros de construção, não há de ser a morada do rei. Basta, no entanto, pensar nele e, evidentemente, na possibilidade de que a família Lula da Silva dele usufruísse, para enraivecer os senhores até o paroxismo, bem como toda uma dita classe média que aspira a morar, algum dia, ao menos na mansarda da casa-grande.

Não vivessem uma poderosa degradação mental, fruto da incultura e da parvoíce dignas de uma república bananeira, perceberiam que essa história transpôs as fronteiras do ridículo, e o fracasso dos perdigueiros se retorceria contra quem os soltou. Receio que ninguém escape ao final infeliz de uma tragicomédia, mesmo quantos não merecem este destino, vítimas do carnaval encenado pela minoria branca, como diria Cláudio Lembo.

Cabra bom.

4 comentários em “Muito além das fronteiras do ridículo

  1. Concordo com o Mino que as evidências acusando o Lula são no mínimo questionáveis. Isso não deveria ter vindo a público a não ser que houvesse alguma coisa concreta. A única coisa que não entendo é essa mania do Mino querer parecer pequeno. A revista dele não é pequena. Tem boa tiragem, tem bons colunistas, é pluralista, etc, etc. Entretanto, do jeito que ele escreve ele parece que esta escrevendo de um blog minusculo. Gerson, ele torce pelo Ibis?

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  2. Cardoso, porque Mino parece pequeno? Não vejo dessa forma. E ainda que a Carta tenha boa tiragem e qualidade, não se compara à rica mídia neoliberal. A mídia pró-governo concentra-se essencialmente na internet. Nos meios de comunicação de massa mais tradicionais, como revistas, rádio e tv, predomina a vontade do tucanato, representante da vontade do capital. Adorno dizia que estes constituem um sistema em si, e também entre si, formando a indústria cultural, uma visão da teoria estética. Chomsky diz que a linguagem pode ser usada para idiotizar, como num mecanismo perverso que busca o poder, no que concorda com Foucault, sobre alguma coisa que poderíamos associar à imprensa. É bem pelo contrário que consideraria o esforço de Mino como elogiável, pois escrever para a massa do lumpemproletariado brasileiro é uma tarefa difícil, não porque essa fração da população seja idiota ou idiotizada ou alienada, mas porque as mídias em geral agem pela manutenção do contingente desse lumpem, pela alienação, pela idiotização. E começam pela confiança do espectador, do ouvinte, do leitor, propondo o discurso de que essas mídias partem de premissas desvinculadas de visões e pretensões políticas.

    O fato de tratarem um barquinho de alumínio e um apartamento não comprado como um patrimônio absurdo, escondido, fruto de corrupção, apenas por supostamente ser de Lula, é em parte a visão pequeno burguesa de que o pobre não tem direito a nada, nada mesmo. Acho que Lula não é mais tão pobre quanto era quando operário, mas nem de longe seria tão rico quanto FHC e Aécio são. Com a mesma gana de limpar a corrupção do país poderiam estas mídias agira investigando a oposição e questionando sobre os engavetamentos, os escândalos abafados pela mídia, a exaltação de políticas econômicas excludentes… mas não faram isso, pelas razões já há muito explicadas por Marx, Adorno, Foucault, Chomsky e tantos outros autores.

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  3. Pois e, e os Tucanos querem o Lula…
    Querem Lula? Então vamos lá:
    Lula é o cara chato que cobrava propina da UTC?
    Não. Esse era o Aécio.
    Lula recebia 1/3 da propina de Furnas?
    Não. Esse é o Aécio também.

    O helicóptero com 450 kg de cocaína era do amigo do Lula?
    Não. Era do amigo do Aécio.
    Lula comandava o estado que roubou 1 bilhão do metrô e da cptm?
    Não. Esses são o Serra e o Alckmin.
    Lula tá envolvido no roubo de 2 bilhões da merenda?
    Não. É o Alckmin também.
    Lula pegou emprestado o jatinho do Youssef?
    Não. Esse era o Álvaro Dias.
    Lula foi o cara que montou o esquema Petrobras com Cerveró, Paulo Roberto Costa e Delcídio?
    Não. Esse era o FHC.
    Lula nomeou o genro diretor da Petrobras?
    Não. Foi o FHC também.

    Lula é o compadre do banqueiro André Esteves?
    Não. Esse era o Aécio, de novo.
    Lula é meio-primo de Gregório Marin Preciado, aquele que levou US$15 milhões na venda de Pasadena? (aquele que a Lava a Jato apresenta com tarja preta pra imprensa). Não. Esse é o Serra.

    Lula foi descoberto com uma dezena de contas no exterior, ameaçou testemunhas, prejudicou alguma investigação?
    Não. Esse é o Cunha, aliado da oposição.

    Lula ameaçou empresários, exigiu 5 milhões de dólares, só de um deles? Não. Esse também é o Cunha, o homem do impeachment da oposição.
    O filho do Lula aparece na revista de milionários Forbes?
    Não. É a filha do Serra…

    Se a Lava a Jato e os grandes interesses envolvidos não estão montando um esquema de desvio de investigações, um esquema pra lavar a grana suja dos maiores saqueadores da República, não vejo outra explicação pra essa palhaçada…
    (Paulo Bairros)

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