POR AÍRTON DE FARIAS, no Blog do Juca
“O universo do futebol, desde sua origem, caracterizou-se por ser um espaço basicamente masculino. (…). No Brasil, há controvérsias sobre quando teria acontecido a primeira partida entre mulheres. Há notícias de jogos no começo do século XX. (…).
Tradicionalmente, afirmava-se que, em 1913, teve-se no Velódromo Paulista uma partida de mulheres com caráter beneficente visando a construção de um hospital no bairro de Indianópolis para crianças pela Cruz Vermelha; segundo o pesquisador Eriberto Moura, a partida atraiu grande público e chegou a ser noticiada com destaque pelos jornais, afinal ‘as mulheres podiam até jogar futebol’.

Não obstante, ‘as jogadoras’ eram homens usando vestido, peruca e maquilagem.
(…) No ano de 1921, acontecera um jogo entre senhoritas do Tremembé e da Cantareira, bairros da zona norte de São Paulo, tratado no jornal A Gazeta, como atração cômica da festividade de São João. Nos primórdios do futebol brasileiro, a presença das mulheres nos estádios consistia em torcer pelos sportsmen, entusiasmando-os com vivas e aplausos.
Em 1940, já na Era Vargas (1930-45), há informes de torneios de futebol feminino no Rio de Janeiro, envolvendo mulheres do subúrbio, que formaram times de nomes bem sugestivos, a exemplo de Cassino Realengo, Valqueire, Benfica, Brasileiro e Eva Esporte Clube.
Os torneios levavam bons públicos aos estádios. (…)
A difusão do jogo de futebol entre as mulheres (na verdade, o futebol se tornava cada vez mais popular entre os brasileiros, de modo geral), porém, não escapou ao pensamento médico -higienista do período. (…)
Jornais da época traziam várias matérias sobre o tema, onde médicos eram enfáticos em condenar a prática do futebol pelo ‘sexo frágil’ (havia restrições também quanto ao basquete) (MOURA, 2003).
Prevalecia fortemente um pensamento eugenista, da necessidade de ‘depuração da raça para o bem da Pátria’, merecendo, por isso, o corpo feminino uma atenção do Estado e outras instituições (Igreja, Exército, etc.).
Caberia às mulheres gerarem filhos saudáveis à nação e, para isso, elas deveriam preservar a própria saúde.
Havia também componentes morais: a mulher em campo estava sendo ‘desviada’ de seu ‘espaço natural’, o doméstico, comprometendo seu estereotipado papel de ‘boa mãe, esposa e filha’.
Em outras palavras, o futebol estava subvertendo a ordem do machismo brasileiro.
Em 1941, o governo Vargas, que tratava então de regulamentar os esportes no País, baixou, através do Ministério da Educação e Saúde, o Decreto-Lei 3.199, que dizia no artigo 54 ‘Às mulheres não se permitirão a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza’.
Era claro que o decreto se dirigia especificamente ao futebol feminino.
O preconceito de que o futebol masculinizava as mulheres duraria décadas. Mulheres que jogassem futebol seriam lésbicas (‘sapatões’).
(…) Assim, durante décadas o futebol feminino no Brasil praticamente limitou-se a manifestações esparsas.
(…) Em 1965, um ano após a implantação da Ditadura Civil-Militar, o Conselho Nacional de Desportos, através da Deliberação nº 7/65 baixou instruções às entidades esportivas do País, proibindo a prática do futebol feminino. (…)
Apenas em 1979, no contexto da intensificação das lutas (das mulheres também) contra a Ditadura, a proibição legal do futebol feminino foi revogada.
Com isso, as mulheres voltaram aos gramados.
(FARIAS, Aírton de. Uma História das Copas do Mundo. Fortaleza: Armazém da Cultura, 2014, p. 254)