Turquia e Brasil: enquanto um avança, o outro retoma a pecha de cucaracha

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Por Carlos Fernandes, de Istambul

Sabemos todos, por serem anunciadas, algumas tragédias são questões de escolhas.

O golpe jurídico-parlamentar-midiático sofrido pelo Brasil em 2016 é um desses casos clássicos num cenário mundial onde os fatos parecem já não ser tão relevantes.

Não bastasse toda a monta de pilhagem, escravidão, saques e ditaduras ocorridos nos países da América Latina, a maior nação do Cone Sul resolveu provar, mais uma vez, os malefícios da histórica interferência internacional em sua soberania.

Indiferente a tudo o que aconteceu nos idos de 64, nada foi suficiente para fazer com que uma grande parcela do povo brasileiro enxergasse o que se passava no Brasil quando uma quadrilha liderada por Michel Temer e Eduardo Cunha tomavam de assalto o poder nacional.

E para que ninguém tivesse dúvida do caminho correto a tomar, em paralelo a tudo o que acontecia no Brasil em 2016, na Turquia o presidente Recep Tayyip Erdogan também via o seu poder ser perigosamente ameaçado.

A tentativa de golpe imposta pelos militares trouxe, como de praxe, temor e incertezas não só para o país, mas para toda a região.

A grande diferença é que, bem antes de se chegar às considerações se Erdogan era ou não um bom ou mal presidente naquele momento, a população turca entendeu que a unidade nacional e o respeito à vontade democrática e às leis constitucionais eram infinitamente mais importantes do que qualquer outra solução imediatista para os seus problemas.

O resultado dessa sábia decisão permitiu que o golpe militar fosse contido em questão de horas e que generais, juízes e promotores envolvidos no caso fossem imediatamente presos sob crime de traição à pátria.

Na época, não sem razão, Erdogan ainda jogou na nossa cara: “A Turquia não é um país da América Latina onde governos são depostos da noite para o dia”.

Dá vergonha, mas quem pode dizer que ele estava errado?

Mais do que isso, ultrapassada a crise, o seu PIB cresceu invejáveis 7,4% já em 2017 superando todas as expectativas. Hoje, a economia turca é pujante e a taxa de desemprego de sua população segue caindo.

Na contramão e na esteira de uma economia que patina miseravelmente, o IBGE acaba de divulgar que o desemprego no Brasil pós-golpe subiu para 13,1% e que o número de trabalhadores com carteira assinada atingiu o seu menor nível em 6 anos.

É o fracasso retumbante do presidenciável Henrique Meirelles.

É óbvio que os fundamentos econômicos são regidos por inúmeros fatores muito além da política, mas a comparação serve para dar uma ideia de onde estamos e onde poderíamos estar não fosse o estridente analfabetismo político da “massa cheirosa” brasileira.

Além do que, ninguém pode ignorar que a desestabilização econômica do Brasil promovida pela fissura do regular processo democrático germinou estragos muitos deles ainda impossíveis de serem calculados nos nossos mais diversos indicadores.

No fim das contas, o que sobrou mesmo de um país que há não muito tempo atrás havia se transformado em referência mundial, pode ser resumido seguramente na visão que um garçom de restaurante no centro de Istambul hoje tem do Brasil.

Ao saber que eu era brasileiro, pronunciou para mim o que provavelmente são as três únicas percepções que atualmente possui desse país que, sob Temer, voltou a ser desprezado mundo afora: futebol, carnaval e bunda.

É isso. Uma vez que o nosso futebol está à mercê da CBF e que o carnaval do Rio (um dos mais conhecidos no exterior) é refém de um pastor, depois do golpe de 2016, o que sobrou para nós é sermos mesmo um país de bundões.

Cada qual com suas escolhas.

Direto do Twitter

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“As balas que mataram Marielle e Anderson (RJ) eram de uso de PF de Brasília. As balas da chacina de Osasco (SP), idem. As balas usadas contra o Acampamento (PR), também eram de uso exclusivo das Forças Armadas. Se isso não é um recado bem dado para todos, perdi a referência.”

 

Temporada das patriotadas

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POR GERSON NOGUEIRA

A Copa já começou. Os comerciais na TV, internet e mídia impressa denunciam isso. Aliás, não deixam que tenhamos qualquer dúvida a respeito. O principal sintoma de que o torneio está em andamento é aquele tradicional lero-lero patrioteiro, que se pretende jornalístico e acaba desaguando em pieguice, usando todos os elementos possíveis para pintar como heróis do povo sofrido do Brasil os jogadores e o técnico da Seleção.

Sempre achei bacana ver a mobilização das pessoas, pintando o asfalto, as calçadas e estendendo bandeirinhas para saudar o acontecimento que mexe com todos a cada quatro anos. Merece respeito esse mutirão de fé e esperança que a essa época invade bairros, ruelas, palafitas e becos do país pentacampeão do mundo em desigualdade e indiferença.

Ao mesmo tempo, sempre abominei o uso demagógico e pouco inteligente que a mídia e a publicidade costumam fazer da instituição nacional que é a Seleção. É um desespero para entrevistar a avó do centroavante, a tia do goleiro e, naturalmente, as mães de todos os envolvidos.

Esse falsear da realidade, tentando capturar elementos emotivos para atrair o torcedor desavisado, é tão repetitivo quanto ignóbil, pois dificilmente alguém ainda se deixa contaminar por recursos apelativos – pelo menos gosto de acreditar que seja assim.

É claro que o torcedor sazonal, aquele que só torce em Copas do Mundo, é a presa visada, pois se emociona a cada instante e cai facilmente no ardil vendilhão dessas patuscadas, associando fábrica de perfumes com dribles e até entidades frias como bancos a golaços arrebatadores.

Óbvio está que pertenço àquele grupelho de chatos renitentes que, até por vício profissional e coração endurecido, não consegue se sensibilizar com esses truques lacrimejantes típicos de novelas mexicanas. No meu caso específico, pesa também o trauma daquela tarde tristemente inesquecível vivida em Belo Horizonte há quatro luas. A presença de remanescentes daquela tragédia não deixa de ser assustadora.

Com planos de ir à Rússia cobrir minha quarta Copa, tirei os últimos dias para anotar quantos comerciais já fazem tremular o pavilhão nacional, com aquela vibração fabricada que faz com que os torcedores lembrem ET’s que nunca pisaram num estádio de futebol. Ao todo, contei mais de 20 peças publicitárias que surfam na paixão de chuteiras.

Os próximos dias marcarão um verdadeiro bombardeio de vídeos de senhoras vetustas bordando camisas canarinho, cuidando da horta ou assando bolinhos e cocadas. Tudo para instilar na cabeça do pacato cidadão que a origem modesta de alguns dos nossos milionários craques é motivo mais do que suficiente para todos se unirem “numa só voz e num só coração”.

Vale tudo, enfim, para convencer a massa a glorificar nossos guerreiros amarelos – e digo isto como referência à cor do uniforme e não como previsão funesta sobre o comportamento dos boleiros em campos russos. Por tabela, obviamente, aproveita-se para vender alguma coisa nem sempre de primeira necessidade, o que é absolutamente normal em tempos de Copa, desde que isso não atente contra inteligência das pessoas.

Elevo preces aos deuses da bola para que a temporada de caça ao torcedor pacheco não seja tão inclemente e, se possível, que se encerre com motivos para comemorações verdadeiras nas ruas.

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Bola na Torre

Guilherme Guerreiro apresenta o programa, a partir das 21h, na RBATV, com participações de Valmir Rodrigues e deste escriba que vos escreve. Em pauta, os jogos e gols da rodada do fim de semana, com análises e participação do telespectador via WhatsApp.

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Marco Polo já pode voltar a viajar em paz

Nossos avós nos ensinaram que tudo na vida tem um lado bom – até topada, pois faz o sujeito ir em frente.

Foi o que pensei ao ver a notícia de que o Comitê de Ética da Fifa baniu em definitivo do futebol o cartolão Marco Polo Del Nero, ex-presidente da CBF e ainda poderosíssimo nos bastidores, comandando uma legião de arcanjos e querubins encastelados em cargos na entidade.

Del Nero sai de cena, escorraçado como indesejável ao ambiente do futebol no Brasil e no mundo, tanto no plano administrativo como técnico. A decisão do comitê equivale a um desterro. Del Nero não pode mais se imiscuir em assuntos de futebol, desde que a investigação iniciada em novembro de 2015 revelou que embolsou grana proveniente de subornos diversos, principalmente nos contratos com veículos de comunicação.

Como seu antecessor Ricardo Teixeira, Del Nero botou a mão em dinheiro gordo, pilotando negociatas para facilitação de esquemas de transmissão de jogos e lucros de marketing, na Copa América, Taça Libertadores e Copa do Brasil. Logicamente, não ganhou sozinho. Teve parceiros e cúmplices.

O fato é que ele violou cinco artigos do Código de Ética da Fifa, envolvendo corrupção ativa, aceitação de benefícios indevidos, tráfico de influência e regras de conduta. Curiosamente, a entidade não faz menção aos parceiros de Del Nero nos atos de corrupção, sabendo-se que alguns seguem liberados para transmitir torneios com exclusividade graças a contratos agora declarados espúrios.

A Fifa aplicou multa de R$ 3,5 milhões, o que é mixaria perto do que Del Nero faturou às custas da CBF. Na prática, ele não pode entrar na sede da entidade, nem participar de eventos sociais, bem como fica impedido de presidir clubes ou fazer qualquer negócio envolvendo futebol. No Brasil das facilidades, porém, nada indica que prepostos e testas de ferro possam fazer tudo isso pelo cartola.

O consolo é que a decisão não inclui restrição ao sagrado direito de ir e ver, a que Del Nero havia renunciado nos últimos anos para não ser preso. Agora poderá viajar à vontade, fazendo finalmente jus ao nome de batismo.

(Coluna publicada no Bola deste domingo, 29)

Papão vence e mantém campanha 100%

https://www.youtube.com/watch?v=cxt-ZcqcVjA

Finalmente, um juiz enfrenta Moro

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Por Fernando Brito, no Tijolaço

Se os ministros do Supremo Tribunal Federal tivessem metade da coragem do desembargador Ney Bello, presidente da 3ª Turma do Tribunal Federal, o juiz Sérgio Moro não seria o onipotente que “faz e acontece”, de acordo com suas vontades – e, pior, seus ódios.

O caso, resumidamente, é o seguinte: para conseguir de Portugal a extradição de Raul Schmidt, acusado na Lava Jato, Moro levou o Ministério da Justiça a prometer reciprocidade em outras extradições daqui para lá. Ocorre que Raul é português nato e, neste caso, a reciprocidade representaria a extradição de brasileiro nato, o que é impossível, como se sabe.

O juiz Leão Alves deu decisão suspensiva não a um ato de Moro, mas do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica (DRCI) do Ministério da Justiça, que solicita a extradição com base nesta promessa, em tese, impossível.

Moro, para usar uma expressão mais adequada ao mundo jurídico, ignorou solenemente a decisão e mandou a Polícia Federal consumar a extradição.

Ney Bello, que preside a turma na qual Leão é desembargador convocado,  disse ser “intolerável” o desconhecimento “dos princípios constitucionais do processo e das normas processuais penais que regem estes conflitos, sob o frágil argumento moral de autoridade, e em desrespeito ao direito objetivo”.

-A instigação ao descumprimento de ordem judicial emitida por um juiz autoriza toda a sociedade a descumprir ordens judiciais de quaisquer instâncias, substituindo a normalidade das decisões judiciais pelo equívoco das pretensões individuais. 

Moro – ou mesmo o Ministério Público – poderiam ter suscitado um caso de conflito de competência junto ao Superior Tribunal de Justiça, mas preferiram passar por cima da decisão de segunda instância. Foi, aliás, o que fez hoje o próprio juiz Leão, com petição ao STJ.

Tivessem os ministros do STF agido assim no caso das escutas ilegais sobre Dilma Rousseff, então presidente da República, Sérgio Moro não estaria pondo cada vez mais de fora suas manguinhas autoritárias.

Mas o STF preferiu, como com os abusos do MP, ficar no “ai, ai, ai”.

E a cobra criou asas.