Bolsonaro diz querer Alexandre Frota como ministro da Cultura

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O polêmico ator Alexandre Frota se tornou um dos mais ativos cabos eleitorais do pré-candidato a presidente, deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) e já foi até convidado, ainda que possa se tratar de brincadeira, para ser ministro da cultura em uma eventual gestão do parlamentar.
“Se você quer me ver presidente um dia eu quero te ver ministro da cultura, já imaginou, cara?”, disse Bolsonaro no vídeo com o  “recado do capitão”, postado por Frota em seu Twitter na manhã desta quarta-feira (28/3).
Em sua página, o ator informou ter deixado o Patriotas nessa terça-feira (27/3) por divergências com os evangélicos da legenda por causa do seu passado como ator de filmes pornográficos. “Estou deixando hoje o Patriota 51 por alguns motivos. O primeiro a ala evangélica não me quis lá por causa de filme pornô. O segundo querem mexer no regulamento do Partido para na Estadual  possivelmente se coligarem com o PCdoB e eu não aceito”, disse.
Ao se filiar à antiga legenda, Frota cogitou ser candidato a governador de São Paulo. O ator tem em suas páginas fotos de capa com Bolsonaro e se apresenta como um lutador pelo Brasil. Ele usa o espaço para pedir voto para o presidenciável e diz que “é hora de ser radical” e “brasileiro”, pedindo um “basta à corrupção”.
Frota anunciou em suas páginas sua presença acompanhando Bolsonaro no aeroporto de Curitiba nesta quarta-feira (28/3). Nas páginas, o ator segue com opiniões polêmicas, como  proposta de dissolução do Supremo Tribunal Federal, que, para ele, está “a serviço de Lula”. (Transcrito do Correio Braziliense) 
E não é piada…

Notícias do Brasil pré-Lula

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“Conversando com meu genro, que passou muita fome quando criança no interior do RN, dos anos 80 até o final dos 90, quando foi pra SP, ele disse: ‘Minha mãe e minhas tias iam procurar serviço e minha avó ficava tomando conta de um monte de netos. A gente comia leite com farinha'”. (por Bero Correia, no Twitter)

Galeria do rock

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Há 45 anos, o Led Zeppelin lançava seu quinto álbum de estúdio, “Houses of the Holy”, exatamente a 28 de março de 1973. Lançado entre Led IV (1971) e “Physical Graffiti” (1975), era o primeiro trabalho da banda britânica com material original e inédito, contendo canções como “No Quarter” e “The Song Remains the Same”.

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Direto do Twitter

“Comitiva de um ex-presidente da República é alvejado duas vezes. Ministro da Defesa diz que não colocará PF no caso. Governador adversário diz que vítima planta o que colhe. Vereadora do PSOL executada. Ministro do STF ameaçado. Viramos a Colômbia dos 1990”.

Marcelo Rubens Paiva, escritor 

Depoimento de Eleonora de Lucena sobre o atentado à Caravana de Lula

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Por Eleonora de Lucena, na Folha de SP

O barulho seco no lado direito do ônibus provocou silêncio. Pedras novamente, pensei. Pedras, alguém falou. O ruído foi diferente. Tínhamos recém partido de Quedas do Iguaçu, onde Lula fizera ato. Dez minutos de viagem e veio o impacto. Era local de vegetação fechada, mato alto na borda da estrada. O comboio continuou.

Minutos depois, carros da PM passaram pela caravana. Não pararam nem acompanharam o comboio.

No trajeto, manifestações de apoio de moradores. Crianças ensaiavam corrida para acompanhar os ônibus.

A 1 km do destino, Laranjeiras do Sul, o motorista reduz a velocidade. Para. Descemos. Pneu furado, alguém disse. Saltamos. Miguelitos (ganchos de metal) nos dois pneus da direita. Logo identificamos as marcas dos projéteis.

Foi um atentado. A escalada fascista subiu mais um degrau. Grupos ultradireitistas não enxergam limites. Ovos, pedras, projéteis, chicotes. São milícias armadas que planejam atentados. Como as gangues que precederam as SS nazista. O mesmo modus operandi terrorista.

Vi isso num crescendo nos últimos dias. Adeptos de Bolsonaro, ruralistas, pessoas violentas que berram e xingam. Eu mesma levei uma ovada na cabeça no sábado só por estar saindo do hotel onde estava hospedado Lula. “Lincha, é comunista”, ouvi em algum momento.

O país precisa reagir. O atentado não foi só contra Lula. O projétil foi contra a democracia. Democratas precisam aprender com a história e formar já uma frente ampla contra o fascismo.

Rock na madrugada – The Band, It Makes No Difference

https://www.youtube.com/watch?v=MRlrVXg0960

Tráfico e futebol: no rastro da cocaína a bordo do helicóptero dos Perrella

TEXTO: ALICE MACIEL | INFOGRÁFICOS: BRUNO FONSECA (AGÊNCIA PÚBLICA)

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Preso em flagrante por tráfico internacional de drogas em 6 de dezembro do ano passado, o então presidente eleito do clube de futebol capixaba Desportiva Ferroviária, Edney José da Costa, tinha ligação com a quadrilha envolvida no transporte dos 445 quilos de cocaína encontrados no helicóptero do cartola do Cruzeiro Esporte Clube e senador Zezé Perrella (MDB-MG), de acordo com investigação da Polícia Federal (PF). Denúncia recente do Ministério Público Federal (MPF) contra Edney tornou pública a informação de que um helicóptero carregado com droga pousou no Espírito Santo em agosto de 2013, apenas três meses antes do flagrante na aeronave dos Perrellas, em novembro daquele ano. “Foi o mesmo grupo que organizou os eventos de agosto e novembro de 2013. Uma das diferenças foi a troca do helicóptero e de um dos pilotos”, afirmou o delegado da PF Leonardo Damasceno em entrevista concedida por e-mail.

O presidente eleito da Desportiva Ferroviária foi flagrado em dezembro do ano passado com 253 quilos de cocaína, que também iriam para Portugal em um contêiner carregado de milho. Com ele estavam outras cinco pessoas (veja quem são e o que eles dizem), incluindo o dono do sítio onde o helicóptero do senador Zezé Perrella pousou em 2013, o empresário de futebol Elio Rodrigues.

De acordo com a denúncia do MPF, os dois, em parceria com Jincley Caetano, eram os encarregados da logística portuária para o tráfico internacional de drogas. O MPF afirma que eles também estariam envolvidos no transporte de outras três cargas de cocaína apreendidas em 2017 antes de elas chegarem ao porto (veja os outros casos).

A relação de Edney com a quadrilha que transportou a droga no helicóptero de Perrella só veio a público agora, mas a Desportiva Ferroviária, presidida por ele, foi citada no depoimento dado por Elio Rodrigues, dono do sítio onde pousou o helicóptero, em 3 de dezembro de 2013. De acordo com o inquérito da PF juntado ao processo 0012299-92.2013.4.02.5001 – que trata do caso do helicóptero da família Perrella –, ele afirmou que era empresário de futebol e teria conhecido Robson Ferreira Dias, flagrado retirando a droga da aeronave, no clube capixaba.. Segundo Elio, Robson, também empresário de futebol, levou para treinar na Desportiva um jogador do time do Audax Rio de Janeiro, de nome David, que ficou hospedado durante três meses em uma quitinete. A Associação Desportiva Ferroviária confirmou à Pública, por meio de nota, que um atleta de nome David François Ferreira do Nascimento, com passagem anterior pelo Sendas Esporte Clube (RJ), atual Audax Rio de Janeiro Esporte Clube, atuou durante três meses no time sub-20 da Desportiva Ferroviária, na Copa Espírito Santo, em 2013. A diretoria do clube alegou desconhecer Robson e Elio e garantiu que os dois nunca exerceram função ou tiveram qualquer atuação no time.

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Já o advogado de Edney, Raphael Vargas Calmon, disse que seu cliente e Elio se conhecem há muito tempo por trabalharem na área portuária. Além de cartola, Edney é agente portuário (despachante), e Elio tem um serviço de táxi direcionado para estrangeiros. Raphael disse que, apesar de o MPF ter incluído na denúncia que Edney está sendo investigado pela PF desde 2013 no caso de um helicóptero que transportou drogas em agosto, ele nunca foi chamado para depor. “Nunca apareceram provas contra ele.” O advogado negou ainda a existência de qualquer relação entre Elio e Edney na Desportiva Ferroviária. Raphael disse também que o presidente eleito do clube de futebol não sabia que tinha droga no contêiner carregado de milho. De acordo com o processo que resultou em sua prisão, Edney disse à PF que recebeu uma ligação de Jincley para ir a um galpão em Vila Velha para resolver uma questão e acabou preso.

Há 22 anos na Desportiva Ferroviária, Edney (foto acima) estava em seu quarto mandato como conselheiro e no segundo como diretor de logística e financeiro. Em agosto de 2017, ele foi eleito presidente do time, também conhecido como Tiva e Locomotiva Grená, para o triênio 2018-2020, mas renunciou em dezembro, depois de sua prisão. Era braço direito do presidente Wilson de Jesus, que estava à frente do clube havia cinco anos. A bandeira de Edney nas eleições do Tiva foi transparência..

Apesar de Edney, Robson e Elio serem empresários de futebol e de o helicóptero apreendido com 445 quilos de cocaína pertencer ao cartola de um dos maiores times do Brasil, e senador da República, e ao filho, ex-deputado federal, a possibilidade de ligação entre futebol, tráfico de drogas e política não foi nem está sendo investigada. “Não tem nenhum indício de qualquer envolvimento de clube de futebol nesse caso”, afirmou o delegado-chefe da Delegacia de Repressão a Drogas da PF, Leonardo Damasceno, em coletiva realizada um mês depois da apreensão da droga no contêiner, em dezembro do ano passado. “Para nós, essa questão dos Perrellas está encerrada”, havia dito o mesmo Damasceno apenas duas semanas após a apreensão dos 445 quilos de cocaína em 2013.

À Pública, o delegado afirmou que a Operação Dona Bárbara, da PF de São Paulo, excluiu a participação dos políticos a partir “do acompanhando do grupo criminoso, que era feito já há vários meses antes do flagrante de novembro de 2013 no Espírito Santo”. Damasceno afirmou recentemente, no entanto, que o envolvimento do helicóptero dos Perrellas no transporte de cocaína “tumultuou as investigações” e que isso seria o motivo de envolvidos, como Elio, estarem soltos. “Nesse caso de 2013, teve envolvimento com um helicóptero que era de um político e isso tumultuou um pouco aquela investigação e aquele caso. Por conta disso, algumas pessoas ficaram soltas. Mas o fato é que de 2013 para cá, quatro anos depois, conseguimos prender esse indivíduo [Elio Rodrigues] porque ele estava no galpão, na hora da colocação da droga”, explicou em coletiva de imprensa no dia da apreensão.

O advogado do senador Zezé Perrella, Marcelo Turbay, disse, por meio de nota, que o recente caso do presidente eleito da Desportiva Ferroviária e o episódio do helicóptero pertencente à empresa da família do senador Zezé Perrella “são casos absolutamente distintos e, em nenhum deles, há o envolvimento do senador ou de seus familiares”. “O próprio Ministério Público Federal e a Procuradoria-Geral da República pediram o arquivamento da investigação criminal em relação a Zezé e Gustavo Perrella, justamente por considerarem inexistente qualquer participação de ambos no fato”, acrescentou.

2013 x 2017 – Quem são os donos da droga?

A PF ainda não desvendou quem são os verdadeiros donos da cocaína apreendida no flagrante em Vila Velha em 2017 – assim como não identificou o dono da droga encontrada no helicóptero dos Perrellas em 2013. De acordo com os dados obtidos nos autos dos dois processos, há indícios de que o tráfico tenha sido articulado pelo mesmo grupo. Nas duas ocasiões, há pessoas envolvidas com a droga no Paraguai, e a cocaína ia ser enviada para Portugal, pelo porto de Vila Velha. O único dos cinco presos no caso do helicóptero dos Perrellas que admitiu estar envolvido com o tráfico, Robson Ferreira Dias, disse em depoimento à PF, que consta no processo, que ele havia sido contratado, por R$ 20 mil, por um homem que conheceu no Rio de Janeiro chamado “Chácara”. A sua função era levar a cocaína até um posto de gasolina na entrada de Afonso Cláudio (ES). Ele ficou responsável também por buscar o combustível em Divinópolis (MG) para abastecer o helicóptero no Espírito Santo. Robson contou que conheceu “Chácara” pessoalmente em Ponta Porã (MS), mesma cidade de Wagner da Silva Fernandes, preso no episódio recente em Vila Velha. Wagner é apontado no inquérito como “amigo” do financiador da droga, o “Paraguaio”, ainda não identificado. Wagner alegou, no entanto, que não sabia da droga e que teria sido contratado para “tratar sobre uma carga de milho”.

De acordo com denúncia do procurador Carlos Vinícius Soares Cabeleira, o “Paraguaio” esteve em Vila Velha e se encontrou com Edney em um shopping. Como a investigação ainda é recente, não constam na denúncia os detalhes da rota da droga. Já o inquérito de 2013 identificou todo o trajeto do pó, feito com o helicóptero da família Perrella do dia 22 a 24 de novembro – foram identificadas trilhas e pontos nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso do Sul e no Paraguai –, mas a PF não concluiu quem era o verdadeiro dono da droga.

O piloto da aeronave de Perrella, Rogério Almeida Antunes, disse ter escutado falar que os proprietários seriam “pessoas grandes, pessoas importantes”, embora alegasse não saber especificar quem. Já o piloto Alexandre José de Oliveira, copiloto do voo, afirmou que foi contratado por um homem de nome “Harley”, que conheceu em São Paulo, no aeroporto Campo de Marte. Ele aparece em várias conversas telefônicas entre o grupo transcritas no inquérito policial. Harley seria o gestor do negócio. Foi ele quem coordenou o abastecimento do helicóptero durante o trajeto e passou as informações para “Frajola”, que seria o fornecedor da cocaína. Teria sido Harley, aliás, quem levou o combustível para o abastecimento da aeronave em Divinópolis. Ele saiu de Belo Horizonte, origem do helicóptero dos Perrellas. “Estou em BH. Estou saindo agora”, afirmou em conversa com Alexandre do dia 20 de novembro que consta no mesmo processo.

Durante as investigações também foi levantada a suspeita de a droga ser do dono de uma propriedade em Jarinu, em São Paulo, um dos pontos de pouso do helicóptero. “Outro momento digno de nota é aquele em que Alexandre esclarece a Rogério o itinerário que irão seguir, especificamente se referindo aos pontos de abastecimento, inclusive mencionando a propriedade de Jarinu/SP como sendo o ‘sítio do dono’”, destacou o juiz Marcus Vinícius na sentença proferida em 19 de dezembro de 2017. Os dados do GPS do helicóptero mostraram que o local seria o luxuoso Parque D’Anape Restaurante Hotel e Pesqueiro, um dos pontos de pouso da aeronave. Apesar das suspeitas, não houve investigação sobre o local. Os donos do hotel, por exemplo, não foram procurados pela polícia nem chamados para depor no caso. Os proprietários do empreendimento são Christiane Daud Pereira e Celso Antônio Daud Pereira. Christiane é quem administra o hotel. Filiado ao PRB de Jarinu, Celso possui outra empresa, de criação de bovinos para corte. Segundo relatos de Alexandre e Rogério, a droga foi descarregada em Jarinu no dia 23 de novembro e retirada no dia seguinte. Christiane afirmou que não tem nada a ver com essa história. “Sou uma pessoa idônea.” Seu advogado reforçou a afirmação e apresentou um documento solicitado pela Justiça de São Paulo, a pedido da defesa, em que o delegado Leonardo Damasceno diz que Christiane e Celso não “figuram como indiciados” e que, “após exaustivas investigações complementares realizadas para identificar outros partícipes, não restou comprovado qualquer envolvimento com o fato”. Ao ser questionado pela Pública sobre o motivo de os donos do hotel não terem sido chamados para prestar esclarecimentos, o delegado Leonardo Damasceno afirmou: “Não podemos informar sobre eventuais investigações em andamento, face ao dispositivo no artigo 20 do CPP [Código Processo Penal]”. Esse artigo diz que a “autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.

O helicóptero dos Perrellas parou em várias cidades para abastecer. De acordo com informações do GPS e das anotações que estavam com Alexandre, os pontos de parada da aeronave nas rotas do período entre 22 e 24 de novembro foram, nesta sequência: Belo Horizonte (heliponto), aeroporto Campo de Marte (SP), aeroporto de Avaré (SP), aeroporto de Porecatu (PR), área rural próxima a Pedro Juan Caballero (Paraguai), aeroporto de Porecatu (PR), área rural próxima a Santa Cruz do Rio Claro (SP), aeroporto de Avaré (SP), área rural próxima a Jarinu (SP), aeroporto Campo de Marte (SP), aeroporto de Jundiaí (SP), área rural próxima a Sabarazinho (MG), aeroporto de Divinópolis (MG) e local de apreensão, Afonso Cláudio.

Além desses pontos, as investigações na linha do celular apreendido com Rogério, a partir de informações das antenas de celular móvel (ERBS), indicaram que ele esteve às 15h42 em Cláudio, a 22 quilômetros de distância de Sabarazinho, mas o piloto negou. O município de Cláudio ficou conhecido nacionalmente depois que o jornal Folha de S.Paulo revelou que o governo de Minas construiu um aeroporto dentro de uma fazenda do tio do senador Aécio Neves (PSDB).

Apesar de o helicóptero dos Perrellas ter sido apreendido no Espírito Santo, a PF de São Paulo sabia da rota do helicóptero e, inclusive, que ele estava parado na capital paulista carregado de cocaína e seguiria para o Espírito Santo. “A Polícia Federal em São Paulo teve conhecimento de que um helicóptero com drogas, objeto da investigação, se encontrava em São Paulo. Foram realizadas diligências, mas não houve êxito em abordá-lo na cidade, por razões operacionais. Então a PF em São Paulo informou à PF no Espírito Santo (destino do helicóptero) para que realizasse a abordagem, o que foi feito”, conforme nota enviada pela PF à Pública. As informações surgiram a partir de interceptações telefônicas de pessoas investigadas na Operação Dona Bárbara, que, desde 2012, apurava a participação de brasileiros no envio de cocaína da Colômbia ao México e Estados Unidos. Durante o inquérito, a PF de São Paulo descobriu que havia uma quadrilha de tráfico de cocaína envolvendo helicópteros nos trechos Brasil-Paraguai. A droga era adquirida no Paraguai e entregue no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.

As defesas dos réus questionaram a legalidade das interceptações telefônicas feitas pela PF de São Paulo. Durante sua defesa, o advogado do piloto Rogério, Paulo Henrique da Rocha, chegou a supor que foram interesses políticos que teriam impedido a PF de prender o helicóptero em São Paulo e em Minas Gerais.

Gustavo Perrella

A primeira sentença sobre a apreensão da cocaína encontrada no helicóptero dos Perrellas, em 2013, só saiu em 19 de dezembro de 2017, treze dias após o flagrante que levou à prisão do presidente eleito da Desportiva, Elio Rodrigues, e outras três pessoas, quatro anos depois de o fato ter ocorrido e dois anos depois de concluídos os autos. O juiz federal Marcus Vinícius Figueiredo de Oliveira Costa condenou por tráfico: Alexandre José de Oliveira (copiloto), Rogério Almeida Antunes (piloto), Everaldo Lopes da Souza (estava descarregando a droga do carro), Robson Ferreira Dias (estava descarregando a droga) e Elio Rodrigues (dono do sítio onde a droga pousou). As penas vão de 8 a 10 anos e 4 meses de prisão (veja quem são e o que eles dizem). Além disso, o juiz determinou que o helicóptero usado para transportar a droga, que pertencia à empresa Limeira Agropecuária, cujo dono é o ex-deputado federal Gustavo Perrella, fosse confiscado pela Justiça e repassado à União. O advogado da família, Marcelo Turbay, afirmou, por meio de nota, que a decisão do juiz “trata-se de interpretação jurídica equivocada, já que a empresa da família Perrella foi vítima de apropriação indébita da aeronave”. “A decisão não é definitiva e está sendo questionada nos tribunais, já contando com decisão favorável anterior do Tribunal Regional Federal a respeito”, acrescentou.

Em sua decisão (veja na íntegra), Marcus Vinícius alertou sobre a ausência, nos autos do processo, da continuidade da conversa que o piloto teve com Gustavo depois que o deputado liberou o helicóptero para seu funcionário fazer um frete. “Certo é que Rogério parece ter enganado seu patrão, muito embora não tenha vindo aos autos o teor das conversas subsequentes (‘Te mantenho informado’)”, afirmou o juiz. E conclui pela culpa cível da empresa. “Gustavo Perrella sequer se preocupa em saber que produtos seriam transportados, quem era o contratante, se o fretamento tinha sido formalizado por escrito ou qual a origem dos R$ 12.000,00 que lhe seriam destinados. Todas essas questões, triviais numa relação negocial (fretamento de aeronave), se revelam ainda mais importantes quando se leva em consideração que Gustavo Perrella ocupava o cargo de deputado estadual à época”, acrescentou. O juiz ressaltou também que Gustavo levou menos de uma hora para autorizar o frete, sem consultar os demais sócios da empresa. “Não vejo como afastar a culpa cível de Limeira Agropecuária Ltda. na modalidade de culpa por ato próprio de seu sócio Gustavo Perrella, quando autorizou o fretamento da aeronave ao arrepio das normas legais e regulamentares da aviação civil”, concluiu.

Piloto público privado

O pivô do escândalo, o helicóptero da família Perrella, era dirigido por Rogério Almeida Antunes, funcionário da Assembleia Legislativa de Minas, lotado na terceira secretaria da Casa, por indicação do então deputado Gustavo Perrella. Ele foi nomeado no dia 12 de março de 2013 como agente de serviço de gabinete. O primeiro contato de Rogério e Gustavo, no entanto, ocorreu em 2012.

Na época, Rogério era um dos poucos pilotos no Brasil que tinham carteira da marca do avião adquirido pelo parlamentar, modelo Robinson R66, tirada em Los Angeles. Foi um amigo português, que ele tem em comum com o Gustavo, que lhe telefonou dizendo da vaga de emprego. O então deputado combinou com Rogério que este buscasse a aeronave em Goiânia e a levasse para Belo Horizonte. Seria um teste, “sem compromisso”, acordou com o piloto.

Foi quase um ano trabalhando para a família até ser preso com 445 quilos de cocaína no Espírito Santo. Rogério chegou a morar na casa do senador, em Belo Horizonte, uma mansão na Pampulha, até conseguir alugar um apartamento no bairro Buritis, zona oeste da capital mineira.

Os cantores Latino e Zezé di Camargo e Luciano foram algumas das celebridades que pegaram carona, para fazer shows, no helicóptero do senador até Escarpas do Lago, um balneário localizado no município de Capitólio, interior de Minas, frequentado por pessoas com alto poder aquisitivo, aonde os Perrellas vão com frequência para descansar e para festas.

Pública apurou que Rogério recebia um salário de R$ 12 mil, sendo R$ 1,7 mil oriundo do cargo que ocupava na Assembleia, como registra o Portal da Transparência. Além do salário do piloto, Gustavo e Zezé Perrella também usaram dinheiro público – uma parte da verba indenizatória do gabinete – para custear o combustível da aeronave. Entre janeiro e outubro de 2013, Gustavo gastou R$ 14.078,31 com querosene para avião. Já seu pai gastou R$ 11 mil, desembolsados do Senado. Em 2012, ano eleitoral, foram R$ 55 mil com abastecimento para Zezé Perrella.

Rogério garantiu, desde o início da apreensão até o fim do processo, que seus ex-patrões não tinham nada a ver com a droga. Segundo ele, foi o piloto de São Paulo, Alexandre José de Oliveira, que o convidou para fazer o frete, mas sem dizer do que se tratava. Rogério conhece Alexandre do aeroporto paulistano Campo de Marte, onde Alexandre tinha uma escola de formação de pilotos. Em seu depoimento, Rogério afirmou que viu que a carga era droga só na hora em que começaram a carregar o helicóptero, na fronteira do Brasil, no Mato Grosso do Sul, com o Paraguai. Para caber tudo na aeronave, tiveram de abrir as caixas. Ele disse que não fugiu por medo, porque havia pessoas armadas.

Tapera, JBS, Aécio

O helicóptero que ele pilotou carregando 445 quilos de cocaína do Paraguai ao Espírito Santo estava em nome da Limeira Agropecuária e Participações, uma das dezenas de empresas administradas pela família Perrella. O senador Zezé Perrella fundou a Limeira Agropecuária em 1999, em sociedade com o irmão Geraldo de Oliveira Costa. Um ano depois, ele se retirou da sociedade da empresa e passou suas cotas para a mulher de Geraldo. Em 2000, Zezé Perrella volta à sociedade da empresa, mas como pessoa jurídica, por meio da Tapera Participações e Empreendimentos Ltda., fundada por ele em 1994.

A Tapera, que hoje está em nome de Gustavo Perrella, foi a destinatária de parte dos R$ 2 milhões entregues pela JBS a Aécio Neves, segundo denúncia do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. O ex-assessor do senador Zezé Perrella, Mendherson de Souza Lima, foi preso em flagrante transportando o dinheiro.

A trajetória de sucesso de Zezé Perrella envolve um emaranhado de empresas e uma coincidência de nomes e sócios, alguns deles amigos e funcionários de longa data do senador, além de amigos do Cruzeiro Esporte Clube. Atualmente, no nome de Zezé Perrella está apenas a empresa Pental Participações, de consultoria empresarial, que tem como sócia a JNA Participações, que é do irmão do senador, Alvimar de Oliveira Costa, sua ex-mulher e seu assessor Cléber Martins Ferreira, que também é dono de dois frigoríficos.

De acordo com levantamento feito pela Pública com dados da Receita Federal, há 40 empresas em nome da família se levar em consideração o senador Zezé Perrella, seus irmãos – Alvimar, Gilmar e Geraldo de Oliveira Costa – e os respectivos filhos. Só os do senador possuem cinco empresas.

Empresa Sócios Ramo
Pental Participações e Empreendimentos Zezé Perrella; Jna Participações Empreendimentos e Agropecuária Ltda; Marilia Aparecida Amaral (ex-mulher de Zezé Perrella); Cleber Martins Ferreira (assessor de Zezé Perrella) Atividades de consultoria em gestão empresarial, exceto consultoria técnica específica
Tapera Participações e Empreendimentos Agropecuários Maria de Oliveira Costa; Gustavo Perrella (filho de Zezé Perrella) Atividades de apoio à pecuária não especificadas anteriormente
Limeira Agropecuária E Participações Ltda. – ME Carolina Perrella Amaral Costa; Igor Eduardo Perrella Amaral Costa; Barbara Cristina Perrella Amaral Costa; Gustavo Perrella (filhos de Zezé Perrella); André Almeida Costa (administrador e sobrinho de Zezé Perrella) Criação de suínos
Zafer Holding Group Ltda. Gustavo Perrella; Igor Eduardo Perrella Amaral Costa (filhos de Zezé Perrella) Holdings de instituições não-financeiras
Vivenza Corretora de Seguros e Previdência Ltda. Igor Eduardo Perrella Amaral Costa (filho de Zezé Perrella); William Gomes de Almeida; Athamai Emery Nascimento Cavalcanti Corretores e agentes de seguros, de planos de previdência complementar e de saúde
Jci Holding Ltda. Igor Eduardo Perrella Amaral; Barbara Cristina Perrella Amaral (filhos de Zezé Perrella) Holdings de instituições não-financeiras
Stillus Alimentacao Ltda Alvimar de Oliveira Costa (irmão de Zezé Perrella); Rafael Moreira Barbosa; José Maria Queiroz Fialho (ex-vice-presidente do Cruzeiro) Fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para empresas
Andradas Assessoria E Consultoria Empresarial Alvimar de Oliveira Costa Junior; Deborah Maria Vargas Costa Guerra; Isadora Vargas Costa (sobrinhos de Zezé Perrella); Maria de Oliveira Costa Outras atividades profissionais, científicas e técnicas não especificadas anteriormente
Total Alimentação S/A Alvimar de Oliveira Costa (diretor e irmão de Zezé Perrella); Rafael Moreira Barbosa (diretor); José Maria Queiroz Fialho (diretor e ex-vice-presidente do Cruzeiro) Fornecimento de alimentos preparados preponderantemente para empresas
Idj Empreendimentos Imobiliários Ltda. Alvimar de Oliveira Costa (irmão de Zezé Perrella); Alvimar de Oliveira Costa Junior (sobrinho de Zezé Perrella); Jna Participações Empreendimentos e Agropecuária Ltda. Compra e venda de imóveis próprios
Agropecuária Fazenda da Praia Ltda. Alvimar de Oliveira Costa; José Maria Queiroz Fialho (ex-vice-presidente do Cruzeiro) Criação de bovinos para corte
Mineração E Agroindústria Fazenda Da Praia Ltda. Isadora Vargas Costa; Alan Almeida Costa (sobrinhos de Zezé Perrella) Extração de argila e beneficiamento associado
Linhares Engenharia Ltda. Gleidson Linhares da Silva; Lucas Leonardo Moura Queiroz; Alvimar de Oliveira Costa Junior (sobrinho de Zezé Perrella) Serviços especializados para construção não especificados anteriormente
Dádiva Edificações Ltda. Lucas Leonardo Moura Queiroz; Alvimar de Oliveira Costa Junior (sobrinho de Zezé Perrella) Construção de edifícios
Construtora Donum Ltda. Gleidson Linhares da Silva; Lucas Leonardo Moura Queiroz; Alvimar de Oliveira Costa Junior (sobrinho de Zezé Perrella) Construção de edifícios
Dali Participações Ltda Alvimar de Oliveira Costa Junior; Deborah Maria Vargas Costa Guerra; Isadora Costa Vargas (sobrinhos de Zezé Perrella) Holdings de instituições não-financeiras
Gn Alimentos Ltda Gilmar de Oliveira Costa (irmão de Zezé Perrella); Nilson Aparecido de Oliveira Frigorífico – abate de bovinos
Jmg Participações Empreendimentos E Agropecuária Ltda. Gilmar de Oliveira Costa (irmão de Zezé Perrella); Judith Melasippo Curvellano de Oliveira Costa (cunhada de Zezé Perrella) Criação de bovinos para corte
Rótula Transportes Ltda. Gilmar de Oliveira Costa (irmão de Zezé Perrella); Nilson Aparecido de Oliveira; Gn Alimentos Ltda Transporte rodoviário de carga, exceto produtos perigosos e mudanças, municipal
Spgn Empreendimentos Imobiliários Spe Ltda. Pedro Lucas Dolabella Lacerda campos; Gilmar de Oliveira Costa (irmão de Zezé Perrella); Daniel Haddad Giffoni; Jmg Participações Empreendimentos e Agropecuária Ltda.; Gap Empreendimentos e Participações Ltda.; Patners Participações e Empreendimentos Imobiliários; Jaqueline Leite Prado Giffoni Incorporação de empreendimentos imobiliários
Ml Construções Ltda. Matheus Melasippo Curvellano Costa; Leonardo da Silva Ferreira; Gilmar de Oliveira Costa (irmão de Zezé Perrella) Construção de edifícios
A. G. Agro Transportes E Comércio Ltda. Geraldo de Oliveira Costa (irmão de Zezé Perrella); André Almeida Costa (sobrinho de Zezé Perrella) Transporte rodoviário de carga, exceto produtos perigosos e mudanças, intermunicipal, interestadual e internacional

Além de acumular empresas, Perrella acumula inquéritos e processos. Em 2015, a Promotoria estadual entrou com ação por improbidade administrativa contra o senador por enriquecimento ilícito e lesão ao erário de 2007 a 2010, quando era deputado estadual. No mesmo ano, a PF indiciou o senador por lavagem de dinheiro e evasão de divisas na venda do jogador Luisão, em 2003. Já em 2016, a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público abriu investigação para apurar como o cartola, que exerceu mandato de deputado estadual entre 2007 e 2011, adquiriu a fazenda Guará, em Morada Nova de Minas, produtora de grãos e gado. A propriedade valeria mais de R$ 50 milhões, apesar de Perrella ter declarado à Justiça Eleitoral, patrimônio de R$ 490 mil. No mesmo ano, a Controladoria-Geral do Estado (CGE) encaminhou ao MP o resultado de uma auditoria na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater), ambas públicas. O relatório apontou irregularidades em contratos de fornecimento de sementes que teriam provocado um prejuízo de quase R$ 19 milhões aos cofres públicos. Os contratos foram assinados pela Epamig, Emater e pela cooperada Limeira Agropecuária e Participações. Zezé Perrella responde a pelo menos dez processos na Justiça: seis na Justiça Federal em Minas e quatro na Justiça estadual.

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Atualização em 27/03/2018, às 18h56: Edney Silveira, conselheiro do Ferroviária, renunciou ao cargo em dezembro de 2017, e não em janeiro de 2018. As referências posteriores a “presidente” foram substituídas por “presidente eleito”

 

Os brasileiros que odeiam pobre

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Por Jessé de Souza

Este artigo é o resumo parcial de um fio condutor que percorre meu último livro, lançado em setembro pela editora Leya com o título A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Na publicação, busco enfrentar o desafio ambicioso de formular uma gênese histórica alternativa à narrativa hoje dominante, seja na direita, seja na esquerda do espectro político, da sociedade brasileira contemporânea.

Como já defendi em outras obras,1 minha tese é a de que o liberalismo conservador é a narrativa oficial do Brasil moderno, inclusive para a esquerda colonizada intelectualmente pela direita. Os pais fundadores dessa leitura são Sérgio Buarque e Raymundo Faoro. A partir da entronização desses autores como referência universitária para a formação de todas as elites e, como consequência dessa consagração, também de tudo que a grande imprensa diz sobre o país, passa a existir um grande consenso inarticulado e pré-reflexivo que contamina praticamente tudo que se formule sobre o país no nível mais explícito dos argumentos.

É necessário quebrar a hegemonia dessas ideias arcaicas e conservadoras para que a teoria e a prática política brasileira possam mudar de modo efetivo. A histeria acerca da corrupção política, por exemplo, identificada pela população e pela imprensa como o maior problema nacional, advém do domínio dessas ideias. A identificação de uma suposta elite todo-poderosa no Estado, e não no mercado, suprema tolice que possibilita a virtual invisibilidade da ação predatória dos oligopólios e da intermediação financeira, também é fruto dessa hegemonia. De resto, toda a cantilena da corrupção como herança cultural portuguesa, do advento de um patrimonialismo pré-moderno cujo racismo implícito já critiquei,2 serve para que supostas “heranças culturais” pensadas como “heranças de sangue” fiquem no lugar de uma análise científica dos conflitos sociais e da gênese da desigualdade social. A tese dominante do patrimonialismo, como leitura hegemônica sobre a sociedade brasileira, foi a responsável por tomar a corrupção política como aspecto central e a desigualdade social como questão secundária. É essa inversão absurda de perspectiva e de prioridade que o livro pretende corrigir.

Essa tese do patrimonialismo ocupa o lugar da centralidade da escravidão entre nós e representa uma estratégia de tornar invisível a própria herança desta. Embora no livro eu reconstrua a escravidão e seus efeitos desde o Brasil Colônia, aqui a limitação de espaço me obriga a inquirir acerca de sua feição mais moderna. Como se constrói, no século XX, uma sociedade que reproduz todas as iniquidades do ódio, humilhação e desprezo contra os mais frágeis que caracterizam a escravidão?

Minha tese é que isso foi realizado como programa político conduzido conscientemente pela elite econômica, em primeiro lugar a elite paulistana, como forma de assegurar para si a condução ideológica da sociedade e limitar a ação política dos setores populares mesmo em um contexto de sufrágio universal. A astúcia da elite foi perceber, já no início do século XX, quando uma classe média começa a despontar de modo incipiente nas grandes cidades brasileiras, que, se os pobres poderiam ser oprimidos pelo cassetete e pelo fuzil dos policiais, a classe média exigia uma estratégia alternativa. Ao contrário da violência material, aplicada indiscriminadamente contra os pobres, contra a classe média a violência teria de ser “simbólica” para produzir cooptação e “convencimento”.

A perda do poder político para Getúlio Vargas vai ser o ponto de inflexão dessa estratégia. Nesse momento, a elite econômica paulistana vai procurar se utilizar de seu “poder material” para construir as bases do seu “poder simbólico”. A ideia-guia foi construir uma hegemonia ideológica como forma tanto de reconquistar o poder político como de limitar o poder dos eventuais inimigos de classe alçados ao controle do Estado.

A classe média não é uma classe necessariamente conservadora. Também não é uma classe homogênea. O Movimento Tenentista, conhecido como o primeiro movimento político comandado pelos “setores médios” no Brasil, revela bem essas características. Ainda que tenha sido protagonizado por oficiais militares de baixa e média patente (daí o nome “tenentismo”) a partir dos anos 1920, o movimento refletia já a nova sociedade mais urbana e moderna que se criava. A parte rebelde da instituição militar era uma expressão desses novos anseios.

A oposição ao pacto conservador da República Velha, com suas eleições fraudadas e restritas, era o ponto de união entre os tenentistas. Dentro do movimento, no entanto, conviviam desde as demandas liberais por voto secreto e por maior liberdade de imprensa até o desejo de um Estado forte como meio de se contrapor ao mandonismo rural. Parte do grupo se radicalizou politicamente na Coluna Prestes, cujo líder, Carlos Prestes, seria o fundador do partido comunista brasileiro. Parte do grupo se alinhou desde a Revolução de 1930 com Getúlio Vargas, enquanto outra parte exerceu ferrenha oposição a ele todo o tempo. O nosso primeiro movimento político com claro suporte e apoio da classe média já mostra a extraordinária multiplicidade de posições políticas que essa classe pode abrigar.

Quando Sérgio Buarque elegia o “patrimonialismo” das elites que habitam o Estado como o grande problema nacional, ele não estava dando vida, portanto, a nenhum sentimento novo. A “corrupção do Estado” era uma das bandeiras centrais do tenentismo. Poder-se-ia, por exemplo, perceber a corrupção do Estado como efeito da captura deste pela própria elite econômica que o usa para defender e aprofundar seus privilégios. Isso teria levado a uma conscientização coletiva dos desmandos de uma elite apenas interessada na perpetuação de seus privilégios.

Não foi essa a interpretação que prevaleceu. A elite do dinheiro paulista, que havia perdido o poder político, ainda que mantido o econômico, agiu de modo astucioso, calculado e planejado. Percebeu claramente os sinais do novo tempo. A truculência do “voto de cabresto” estava com os dias contados. No lugar da “violência física” deveria entrar a “violência simbólica” como meio de garantir a sobrevivência e a longevidade dos proprietários e seus privilégios.

Com o Estado na mão dos inimigos, a elite do dinheiro paulistana descobre a “esfera pública” como arma. Se não se controla mais a sociedade com a farsa eleitoral acompanhada da truculência e da violência física, a nova forma de controle oligárquico tem de assumir novas vestes para se preservar. O domínio da “opinião pública” parece ser a arma adequada contra inimigos também poderosos. O que estava em jogo aqui era a captura agora intelectual e simbólica da classe média letrada pela elite do dinheiro, formando a “aliança de classe dominante” que marcaria o Brasil daí em diante.

Como se construiu esse projeto no alvorecer do século XX?

USP, a universidade do estado de São Paulo, foi criada por essa mesma elite desbancada do poder político e pensada como a base simbólica, uma espécie de think tank gigantesco do liberalismo brasileiro a partir de então, desse projeto bem urdido de contrapor a força das ideias generalizadas na sociedade contra o poder estatal, desde que este seja ocupado pelo inimigo político, à época representado por Getúlio Vargas.

Sérgio Buarque é menos o criador e mais o sistematizador mais convincente do moralismo “vira-lata” que irá valer, a partir de então, como versão oficial pseudocrítica do país acerca de si mesmo. Como o “Estado corrupto” passa a ser identificado como o mal maior da nação, a elite do dinheiro ganha uma espécie de “carta na manga” que pode ser usada sempre que a “soberania popular” ponha no governo, inadvertidamente, alguém contrário aos interesses do poder econômico.

Com base nesse eixo intelectual eivado de prestígio, essa concepção se torna dominante no país inteiro. Toda a vida intelectual e letrada vai respirar os novos ares. Isso não significa obviamente dizer que a USP não tenha produzido coisa distinta do liberalismo conservador das elites. Florestan Fernandes e sua atenção aos conflitos sociais realmente fundamentais provam o contrário. Existe uma tradição nesse sentido também por lá. Mas essa tendência é menos poderosa que a versão dominante, posto que sem a network com as editoras, as agências de financiamento, a grande imprensa e seus mecanismos de consagração; além de ela própria ter assimilado aspectos importantes da tradição conservadora elitista como a aceitação implícita ou explícita da tese do patrimonialismo.

Desde essa época o “liberalismo conservador”, baseado no falso moralismo da “higiene moral” da nação, vai ser a pedra de toque da arregimentação da classe média. Isso não significa dizer que o moralismo não tenha eco também nas outras classes. Em alguma medida esse discurso nos toca a todos. Mas na classe média ele está em “casa”. É que as classes sociais estão sempre disputando não apenas bens materiais e salários, mas também prestígio e reconhecimento, ou em uma palavra: legitimação do próprio comportamento e da própria vida.

As classes superiores, que monopolizam capital econômico e cultural, têm de justificar, portanto, seus privilégios. O capital econômico se legitima com o “empreendedorismo” de quem “dá emprego” e ergue impérios, e com o suposto bom gosto inato de seu estilo de vida, como se a posse do dinheiro fosse mero detalhe sem importância.

A legitimação dos privilégios da classe média é distinta. Como seu privilégio é invisível pela reprodução da socialização familiar que esconde seu trabalho prévio de “formar vencedores”, ela é a classe por excelência da meritocracia e da superioridade moral. Estas servem para distingui-la e para justificar seus privilégios em relação tanto aos pobres como aos ricos. É que, se os pobres são desprezados, os ricos são invejados. Existe uma ambiguidade nesse sentimento, em relação aos ricos, que vincula admiração e ressentimento.

A suposta superioridade moral da classe média dá à sua clientela tudo aquilo que ela mais deseja: o sentimento de representar o melhor da sociedade. Não só é a classe que “merece” o que tem por esforço próprio, conforto que a falsa ideia da meritocracia propicia, mas também a classe que tem algo que ninguém tem, nem os ricos, que é a certeza de sua “perfeição moral”.

Como na imensa maioria dos casos não possui os meios para se envolver nas grandes negociatas que manipulam milhões, a classe média não tem sequer, na prática, o dilema moral de se deixar ou não corromper. Como justificação e legitimação da própria vida, o esquema moralista é, portanto, perfeito. Em relação aos poderosos, a classe média pode se ver sempre como “virgem imaculada” e moralmente perfeita.

A elite do dinheiro soube muito bem aproveitar as necessidades de justificação e de autojustificação dos setores médios. “Comprou” uma inteligência para formular uma “teoria liberal moralista” feita com precisão de alfaiate para as necessidades do público que queria arregimentar e controlar. Esse tipo de “compra” da elite intelectual pela elite do dinheiro não se dá apenas nem principalmente com dinheiro. São os “mecanismos de consagração” de um autor e de uma ideia seguindo, aparentemente, todas as regras específicas do campo científico.

Mas a quem pertencem os jornais, as editoras e os bancos e empresas que financiam os prêmios científicos? Desse modo, sem parecer “compra”, o expediente é muito mais bem-sucedido. Depois, usou sua posição de proprietária dos meios de produção material para se apropriar dos meios simbólicos de produção e reprodução da sociedade. É aqui que entra a relação que existe até hoje entre imprensa, universidade, editoras e capital econômico.

Todo o discurso elitista e conservador do liberalismo brasileiro está contido em duas noções que foram desenvolvidas na USP – a universidade criada pela elite antiestatal paulistana – e depois ganharam o Brasil: as ideias de “patrimonialismo” e de “populismo”.

Se o patrimonialismo torna invisível a base real do poder social ao estigmatizar o Estado e seus ocupantes sempre que as eleições ponham alguém não palatável pela elite da rapina econômica na disputa eleitoral, o populismo estigmatiza qualquer pretensão popular.

A noção de “populismo”, atrelada a qualquer política de interesse dos mais pobres, serve para mitigar a importância da soberania popular como critério fundamental de qualquer sociedade democrática. Afinal, como os pobres, coitadinhos, não têm mesmo nenhuma consciência política, a soberania popular e sua validade podem ser sempre, em graus variados, postas em questão.

O “voto inconsciente” corromperia a validade do princípio democrático por dentro. A proliferação dessa ideia na “esfera pública” por meio da sua “respeitabilidade científica” e depois pelo aparato legitimador midiático, que o repercute todos os dias de modos variados, é impressionante. Os best-sellers da ciência política conservadora comprovam a eficácia dessa balela.3

As noções de patrimonialismo e de populismo, distribuídas em pílulas pelo veneno midiático diariamente, são as ideias-guia que permitem à elite arregimentar a classe média como sua “tropa de choque” sempre que necessário. Elas, afinal, são as guardiãs da “distância social” em relação aos pobres, que é a pedra de toque da aliança antipopular construída no Brasil para preservar o privilégio, acesso aos capitais econômico e cultural, de 20% contra os 80% de excluídos em alguma medida significativa.

O segundo ponto da justificação da classe média para baixo, em relação às classes populares, é o ponto mais interessante e que a transforma definitivamente na marionete perfeita da elite do dinheiro. A classe média brasileira possui um ódio e um desprezo pelo “povo” cevados secularmente. Essa é talvez nossa maior herança intocada da escravidão, nunca verdadeiramente compreendida e criticada entre nós. Para que se possa odiar o pobre e humilhá-lo, tem-se de construí-lo como culpado de sua própria (falta de) sorte e ainda torná-lo perigoso e ameaçador. Se possível, deve-se humilhá-lo, enganá-lo, desumanizá-lo, maltratá-lo e matá-lo cotidianamente. Era isso que se fazia com o escravo e é exatamente a mesma coisa que se faz com a “ralé de novos escravos” hoje em dia. Transformava-se o trabalho manual e produtivo em vergonha suprema, como “coisa de preto”, e depois se espantava que o negro não enfrentasse o trabalho produtivo com a mesma naturalidade que os imigrantes estrangeiros, para quem o trabalho era símbolo de dignidade. Dificultava-se de todas as formas a formação da família escrava, e nos espantamos com as famílias desestruturadas dos nossos excluídos de hoje, mera continuidade de um ativismo perverso para desumanizar os escravos de ontem e de hoje.

Os escravos foram sistematicamente enganados, compravam a alforria nas minas e eram escravizados novamente e vendidos para outras regiões, eram brutalizados, assassinados covardemente. A matança continua também agora, com os novos escravos de todas as cores. O Brasil tem mais assassinatos – de pobres – que qualquer outro país do mundo. São 60 mil pobres assassinados por ano no Brasil. Existe uma guerra de classes hoje declarada e aberta. Construiu-se toda uma percepção negativa dos escravos e dos seus descendentes como feios, fedorentos, incapazes, perigosos e preguiçosos, isso tudo de forma irônica, povoando o cotidiano com ditos e piadas preconceituosas, e hoje muitos se comprazem em ver a profecia realizada. Não se entende a miséria permanente e secular dos nossos excluídos sociais sem esse ativismo social e político covarde e perverso de nossas classes “superiores”.

O ódio secular às classes populares parece-me a mais brasileira de todas as nossas singularidades sociais. Como os preconceitos são sociais, e não individuais, como somos inclinados a pensar, todas as classes superiores no Brasil partilham desse preconceito. Ainda que, mais uma vez, ele esteja verdadeiramente “em casa” na classe média. Ainda que a classe média seja muito heterogênea, toda ela, sem exceção, inclusive o autor que aqui escreve, é portadora em maior ou menor grau desse tipo de preconceito. De alguma maneira “nascemos” com ele, o introjetamos e o incorporamos, seja de modo inconsciente e pré-reflexivo, seja de modo refletido e consciente, como ódio aberto. Mesmo quem critica os preconceitos os têm dentro de si, como qualquer outra pessoa criada no mesmo ambiente social. O que nos diferencia é a vigilância em relação a eles e a tentativa de criticá-los de modo refletido em alguns, e não em outros. Mas todos nós somos suas vítimas.

  • Jessé Souza é sociólogo e autor, entre outros livros, de “A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato” (Leya, 2017), lançado em setembro e do qual este artigo foi extraído.