Já fomos mais felizes

POR GERSON NOGUEIRA

Quando cheguei no começo da década de 70 eu quase não compreendi a paixão arrebatada, os exageros nas ruas e o clima absolutamente enlouquecido que cercava um Re-Pa em Belém. Era sempre um acontecimento. Sei que essas memórias têm pinta de saudosismo arraigado e romântico, que nem sempre faz bem. Aquela visão de que tudo que havia antes era mais bacana. No entanto, é preciso contar às novas gerações como tudo se passava, mesmo correndo o risco de ser chato.

O choque foi grande. Antes, lá em Baião, acompanhava tudo pelo rádio, sorvendo a riqueza de detalhes que os craques da comunicação conseguiam repassar em jornadas tão vibrantes quanto o entusiasmo da galera.

Privilegiado, ficava de ouvido ligado em tudo que Edyr Proença, Grimoaldo Soares e os jovens Cláudio Guimarães e Carlos Castilho informavam. Por mais que fossem excepcionais cronistas daqueles jogos épicos, só aqui pude dimensionar o gigantismo da rivalidade.

À época, Leão e Papão tinham times tecnicamente superiores aos de hoje. O futebol era mais lento, embora mais caprichado que o atual. Não havia cabeça-de-área ou volante de contenção. Tínhamos pontas. Sim, éramos felizes sem saber.

Antes do jogo, a cidade mergulhava de cabeça nas arengas, curiosidades e superstições do clássico. Apesar disso, as torcidas encaravam a isso tudo com o fair-play que só tempos depois a Fifa iria instituir. Não se via arruaça gratuita. O sarro era livre e sadio.

Os tempos se passaram e chegamos à situação atual. Uma cidade apavorada com tanto tiro e assalto, sem transporte suficiente e adoecendo ainda mais nos corredores de hospitais, não encontra tempo para pensar no Re-Pa.

A mística do clássico se mantém viva pela paixão desmesurada das duas grandes torcidas, mas é visível que nas ruas o apelo de antigamente já não é o mesmo. É preciso entender também que a crescente brutalidade das gangues uniformizadas foi diminuindo o ânimo dos verdadeiros fanáticos.

O fanatismo de hoje vem tisnado com a nódoa da maldade e da intolerância. O que antes era diferença, hoje virou inimizade declarada.

Não por acaso, as forças de segurança queriam tanto que o jogo deste domingo fosse transferido para as 10h. Era a solução ideal para os planos do policiamento. Aliás, se pudessem, até pediriam para nem ter jogo ou que o estádio ficasse de portões fechados, tal é o pavor que sentem de ficar no fogo cruzado das hordas de baderneiros no entorno do Mangueirão.

É normalíssimo que militares sintam medo também. Não é desonroso; é humano. Ninguém quer sair de casa para enfrentar pedradas, pauladas, tiros ou facadas. Desgraçadamente, o tal pacote do futebol hoje inclui todos esses detalhes funestos – para soldados e também para o resto da torcida. E o horário é apenas um detalhe em meio aos muitos problemas geradores das explosões de violência dentro e fora do Mangueirão.

Por força desse medo real, muita gente vai preferir olhar de longe, atenta à TV e ouvindo a Rádio Clube. Conheço pais que não permitirão a seus filhos se arrisquem pelo corredor polonês que leva ao estádio ou pela faixa de Gaza existente do lado da avenida Augusto Montenegro. Uma pena.

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E, apesar de todos esses temores, o clássico tem ingredientes para ser realmente grandioso, à altura da longa espera – o Re-Pa não acontece há quase um ano. Os times vivem momentos parecidos e individualmente se equivalem, embora o Papão tenha um banco mais respeitável.

Como acontece desde os idos de 1914, o clássico não tem favorito. É um embate que transcende as métricas normais do esporte, quase uma epifania em meio à desgraceira que ronda a urbe sitiada pela incompetência. No fim das contas, é bom saber que a decisão de hoje trará alegria e encantamento a muita gente – metade da população do Estado. E é isso que dá sentido ao futebol.

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Mistérios, dúvidas e truques de última hora

Os técnicos têm times definidos, embora fazendo algum mistério, só para manter a tradição. No Papão, algumas interrogações rondam o meio-de-campo. Marcelo Costa deve ser o substituto de Celsinho, mas Dado Cavalcanti pode surpreender com outro desenho no setor, utilizando três volantes, por exemplo.

O ataque terá Fabinho Alves correndo pelos lados, mas o homem de centro ainda é dúvida: Betinho ou Leandro Cearense. Penso que a tendência é pelo aproveitamento de Cearense, que é acostumado ao clássico e era o titular no começo do Parazão.

Do lado azulino, a surpresa pode estar na proteção à zaga. Recuperado, Chicão foi incluído na relação de convocados para a partida. Em situação normal, o experiente volante é titular absoluto, provavelmente no lugar de Michel, cujo rendimento tem sido aquém do esperado.

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Outra possibilidade é a estreia de Potita como parceiro de ataque do artilheiro Ciro, grande nome do time na competição. Até segunda ordem, porém, Léo Paraíba deve ser mantido como atacante no lado esquerdo, a fim de dar suporte ao lateral Levy, improvisado ali. O problema é que o time perde força ofensiva, deixando Ciro isolado entre os zagueiros.

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Bola na Torre

Guilherme Guerreiro comanda os trabalhos. Na bancada, Giuseppe Tommaso, Valmir Rodrigues e este escriba de Baião.

Começa logo depois do Pânico, na RBATV, por volta de 00h20.

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Apito papa-chibé sai mais em conta

Por razões financeiras, o trio de arbitragem será todo paraense, encabeçado por Joelson Cardoso. Depois de gastar cerca de R$ 29 mil com a vinda de um trio importado (de Goiás) na semifinal com o Águia, o Papão preferiu desfazer as desconfianças em relação a apitadores nativos. O cachê do árbitro e auxiliares será comparável ao de profissionais de fora, mas a economia com passagens e estadia ainda é considerável.

Que Joelson e seus assistentes façam com que a escolha seja apreciada também por motivos técnicos.

(Coluna publicada no Bola deste domingo, 06)

11 comentários em “Já fomos mais felizes

  1. É verdade, Gerson e amigos, esse clima do RexPa, não muda, desde quando me entendo desse clássico, sempre foi assim..A cidade para pra ver o clássico Rei da Amazônia. A rivalidade e a boa imprensa que temos, conseguem manter sempre esse clima.

    Quanto a arbitragem ser local e mais barata, só espero que esse barato não saia muito caro. Torceremos para que eles se saiam muito bem, no jogo de hoje

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  2. Vou deixar uma indagação que me fez matutar bastante durante a semana após as semi finais; será que o preparo físico influenciará no desempenho das duas equipes?

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  3. Estas reminicências sobre o Clássico são muito importantes. Além de saudosismo sadio pela contribuição que dá a consolidação do prestígio histórico e da tradição do Clássico, ainda serve para ajuda a evitar a ocorrência de perplexidades como a ocorrida recentemente onde o Alcino não foi reconhecida na Enquete como o maior ídolo azulino, e o Quarenta, que até estátua tem lá no listrado, não ter sido contemplado pela E6nquete como o maior ídolo do clube.
    Noutro giro, é dizer que nestes tempos de intolerância, de involução à barbárie que se verifica no relacionamento das torcidas, há um aspecto excepcional, o qual merece louvor a ser lembrado, qual seja, a participação das mulheres nos estádios, principalmente, no clássico Rei. Na época referida na postagem as mulheres constituíam raridade no estádio. Era perigoso para elas, pois estavam sujeitas a uma modalidade específica de assédio que havia na época, que somada à birita na cara de alguns marmanjos, tornava muito arriscada a presença delas nos estádios. E, para evitar o assédio e as brigas, normalmente os pais, irmãos, namorados, maridos e amigos, não costumavam levar as respectivas para o “campo” como era comum designar na época. Aliás, por aqui, naquela época, parecia haver um consenso mais ou menos formado, no sentido de que as arquibancadas, não era pra mulheres. Hoje o quadro se reverteu, e até sozinhas, ou em grupo só de mulheres, já se verifica que elas comparecem ao estádio.

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  4. Gérson,

    Excelente texto. Uma pena que as famílias não possam ir mais aos estádios devido à falta de segurança. Os famigerados arrastões continuam acontecer, trazendo experiências traumáticas para todos. Uma prova concreta da deterioração da nossa sociedade.

    Sobre o jogo: que vença o melhor, mesmo com estadio vazio!

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  5. Gerson, você não passou nem perto de ser chato. O RExPA é mais que centenário, então é claro que o clássico tem história e isso o valoriza; é necessário conhecer essa história. Evidentemente, seu relato contextualiza o futebol como evento social, como expressão do bom humor e civilidade naturais do paraense, pelo que a torcida soma ao espetáculo dentro e fora do estádio, coisas que vêm sendo esquecidas dando lugar a um comportamento mais brutalizado e inconsequente não só no futebol, mas em toda atividade. É mesmo de se perguntar sobre o que sucede e de lamentar que tal situação social hoje prevaleça. Espero por dias melhores, o que acho que só acontecerá com o resgate da nossa identidade cultural que hoje em dia é inexplicavelmente esquecida até pelos mais velhos e ignorada, consequentemente, pelos mais jovens.

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  6. É sempre bom voltar ao passado amigo Gerson, ainda mais quando o assunto é o clássico rei. E dessas lembrancas me vem a mente o meu saudoso e remista fanático, o meu pai. Me levava ao estádio toda vez que ia, saímos de castanhal em pau de arara, transporte desconfortável mas nada disso importava, assistir o clássico era tudo. Agora, o que tinha de mais engraçado era quando ouvíamos pelo rádio, a clube como sempre. Quando o Remo estava perdendo ele tirava as maos do rádio e passava pra mim, ele se afastava,ficava sem ouvir, algumas vezes levei sorte e o Remo virava o jogo. E assim foi essa relação com o meu amado Pai. Lendo o teu texto amigo Gerson, voltei gostosamente ao passado, e não é chato não amigo. Bom domingo a todos e torcamos pra que o clássico seja de muita paz.

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  7. Lembro das vezes em que Remo e Paysandú jogavam no mesmo horário em seus respectivos estádios. A competição era para saber quem levava mais público.
    Velhos tempos que não voltam mais.

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