POR CARLOS LIRA
Qual é o Brasil que desejamos para as próximas gerações?
Penso que esta poderia ser a pergunta mor do excelente longa-metragem “Que horas ela volta?”, dirigido habilmente por Anna Muylaert, com duração de aproximadamente 114 minutos.
O filme retrata uma parte da vida de Val – Regina Casé em excelente atuação –, nordestina que deixou tudo para trás, inclusive sua filha, para buscar melhores condições de vida para si e sua família, em São Paulo.
Como muitos que migraram do Nordeste, Val termina assumindo o papel de empregada doméstica em uma casa no bairro do Morumbi, morando no quartinho dos fundos da casa dos patrões (Bárbara e Carlos).
Passado mais de dez anos, Val, que é extremamente submissa, torna-se quase um “membro” da família, tendo o respeito de todos, de modo especial do filho (Fabinho) que ela criou para a patroa.
Tudo estava no seu devido lugar (patrão e empregada), até que a vinda de Jéssica, filha de Val, para São Paulo, com a finalidade de prestar vestibular para arquitetura, muda a rotina de Val e dos patrões.
A chegada de Jéssica é o ponto de virada que nos interessa na película, pois é a chegada dela que provoca a ruptura e por que não dizer a ruína da estrutura sagrada estabelecida socialmente por aqueles que se habituaram ter o pobre sempre em posições inferiores e sem o direito de sonhar com coisas maiores.
Não por acaso, em determinada passagem do filme, os patrões espantam-se com o fato da menina – filha de uma doméstica extremamente subserviente e com dificuldade na leitura – ser confiante, inteligente e ambicionar estudar na melhor faculdade de arquitetura de São Paulo.
Ao movimentar e não se curvar a estrutura social secular – Val refere-se aos patrões como Dona Bárbara e Doutor Carlos, já Jéssica os chama pelo primeiro nome –, Jéssica começa a deslocar lentamente a mãe e causar extremo desconforto nos patrões. Isto nos é apresentado inteligentemente pelo filme em passagens como Val entrando na piscina pela primeira vez, depois de mais de dez anos de trabalho, e na tentativa frustrada dos patrões de controlar os espaços (da casa) que deveriam ser frequentados por Jéssica.
Anna Muylaert realiza um excelente trabalho de direção e se mostra extremamente astuta ao optar por utilizar uma câmera objetiva que muitas vezes não adentra os espaços dos patrões, mostrando para o espectador com firmeza qual é a posição da empregada doméstica em seu trabalho.
A diretora destaca-se ainda pela sutileza com que lida com o Brasil do futuro que briga para afastar o Brasil do passado, ainda que este insista em querer manter as antigas estruturas – Casa Grande e Senzala.
Sendo este um cinema superior a média nacional, “Que horas ela volta?” é um filme para aqueles que desejam um Brasil para todos.