O enigma Kiros

POR GERSON NOGUEIRA

O Remo se prepara para outro mata-mata na temporada. Foi relativamente bem nos anteriores, embora a memória mais recente seja ingrata. O fracasso em Cuiabá, com direito a surra de 5 a 1 na final da Copa Verde, ofuscou feitos importantes em rodadas eliminatórias, como as semifinais da própria Copa e do Campeonato Paraense contra o Papão e a decisão do certame estadual diante do Independente Tucuruí.

A derrota na Copa Verde deixou traumas na torcida e principalmente no técnico Cacaio, que custou a se recompor do impacto. Ao longo da Série D, mesmo com boa campanha, o time oscilou muito e pareceu sempre extremamente inseguro quando pressionado. Era como se receasse levar nova goleada desmoralizante como a de Cuiabá.

É fundamental que essas sequelas tenham sido curadas e deixadas pelo caminho, pelo bem do próprio Remo. Só nas quatro últimas rodadas da competição nacional, depois de surpreendente derrota frente ao Náutico em Roraima, o esquema de meia-cancha com dois volantes e dois armadores voltou a ser utilizado.

A mudança foi providencial, pois afastou a cautela excessiva, que levava o time a levar sufoco até de equipes limitadas como o próprio Náutico e o Vilhena. Com Eduardo Ramos e Edcléber na meia-cancha, tendo Chicão e Ilaílson como volantes, o Remo voltou a ter a ofensividade que garantiu a conquista do Parazão e o vice-campeonato da Copa Verde.

Para que essa alteração frutifique será preciso, porém, que Eduardo Ramos tenha de fato liberdade e espaço para jogar junto aos atacantes no jogo de sábado em Palmas. Na partida contra o Vilhena, no Mangueirão, o camisa 10 ainda ficou muito preso às ações no meio, embora sua participação tenha sido decisiva para a construção da vitória.

Nas batalhas com o Palmas, o Remo terá que contar com jogadas pelos lados e alternativas pelo meio, principalmente se o atacante Kiros (foto) entrar como titular. Acostumado a jogar fixo na área, dependerá da produção e da aproximação dos demais atacantes e armadores. Juninho, provável substituto de Edcléber, deve ser o responsável pela organização de jogadas, mas Ramos só funcionará como atacante se jogar junto à grande área.

Este desenho ofensivo incluindo Kiros, que não foi testado com Eduardo Ramos em campo, é a principal incerteza para o jogo de sábado. Ao mesmo tempo em que dependerá da criatividade de seus armadores, o Remo terá que contar com os laterais Levy e Alex Ruan mais ativos e presentes no ataque, pois Kiros só terá utilidade se receber bons cruzamentos.

Pelo porte físico, que leva a comparações apressadas com Alcino, Kiros é visto como solução para quase todos os problemas do ataque remista. Pode vir a ser, caso bem aproveitado no jogo aéreo, mas o time não pode abrir mão de outras opções, como a movimentação de Léo Paraíba e a presença de área de Rafael Paty, principal goleador remista na temporada.

Por ora, o rendimento de Kiros ainda é um enigma. Estava sem jogar há meses, treinou três vezes com o elenco e estreou no amistoso com o Castanhal sem maior destaque. A lógica diz que talvez fosse mais produtivo usado como arma para mudar o jogo no segundo tempo.

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A incrível proeza do polonês goleador

Em incríveis nove minutos, dos 6 aos 15 minutos do segundo tempo de Bayern de Munique x Wolfsburg, Robert Lewandowski cravou seu nome na história do futebol moderno. Cinco gols em tão curto espaço de tempo constituem façanha incomum em tempos de dura marcação, vigilância defensiva e poucos craques em campo. Mesmo pertencendo ao timaço do Bayern, o atacante polonês esbanjou categoria e oportunismo para fulminar a zaga adversária.

O Wolfsburg vencia por 1 a 0 no primeiro tempo e parecia pronto a aprontar uma zebra em Munique. No intervalo, o técnico Pep Guardiola lançou Lewandowski no comando do ataque, deslocando Douglas Costa para a esquerda e Thomas Müller para o lado direito.

Foi o suficiente para confundir o sistema defensivo do Wolfsburg, entregue aos brasileiros Naldo e Dante. Quatro dos cinco gols saíram em cima de Dante, o espalhafatoso beque que parece realmente predestinado a protagonizar goleadas infames, como no histórico 7 a 1 em Belo Horizonte na última Copa, no qual teve papel destacado, falhando em pelo menos cinco gols.

E Lewandowski esteve perto de fazer mais dois gols, mas a zaga interceptou seus arremates. Uma atuação estupenda, valorizada por ter acontecido num campeonato de alto nível, como o Alemão.

Não se pode dizer que foi apenas um espetacular golpe de sorte. Pelo Borussia Dortmund, ele marcou quatro vezes contra o poderoso Real Madri na semifinal da Champions 2013-2014. Óbvio que o fator sorte está sempre presente em goleadas, mas é preciso fazer por onde ele se manifeste. Lewandowski fez e aconteceu.

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Lateral troca Brasil pela Alemanha

No fim do dia, a Alemanha produziu outra notícia surpreendente. O lateral brasileiro Rafinha anunciou publicamente sua desistência da Seleção Brasileira, abrindo mão de convocações futuras e confirmando o processo de naturalização para defender a seleção germânica. Nos tempos de Zagallo e seu discurso “ame-o ou deixe-o”, Rafinha seria execrado por esnobar a camisa canarinho pentacampeã do mundo.

Seu gesto só não causa mais espanto porque a fase da Seleção Brasileira não é mesmo das mais atraentes. O time se transformou num fantasma, com lampejos em alguns amistosos furrecas, mas sem jamais comover ou tocar o coração da torcida depois do desastre de 2014.

Além do mais, Rafinha toma um caminho que Diego Costa já havia seguido há três anos, quando decidiu pela cidadania espanhola e virou as costas para o escrete então dirigido por Felipão. Teve peito e veio jogar a Copa pela Espanha de Vicente Del Bosque.

Longe de embarcar naquele discurso xiita de amor à pátria e outras baboseiras do gênero, entendo que um atleta precisa ter responsabilidade. No último dia 17, ao ser convocado para as Eliminatórias, Rafinha postou mensagens nas redes sociais exultando com a chance de representar o país e “feliz com a oportunidade”.

Pelo visto, mudou de ideia em apenas uma semana.

(Coluna publicada no Bola desta quarta-feira, 23)

O passado é uma parada…

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Manifestação antinazista no centro de Berlim. Em 1932.

“Que Horas Ela volta?” O Brasil que caminha para ser outro Brasil

POR CARLOS LIRA
Qual é o Brasil que desejamos para as próximas gerações?
Penso que esta poderia ser a pergunta mor do excelente longa-metragem “Que horas ela volta?”, dirigido habilmente por Anna Muylaert, com duração de aproximadamente 114 minutos.
O filme retrata uma parte da vida de Val – Regina Casé em excelente atuação –, nordestina que deixou tudo para trás, inclusive sua filha, para buscar melhores condições de vida para si e sua família, em São Paulo.
Como muitos que migraram do Nordeste, Val termina assumindo o papel de empregada doméstica em uma casa no bairro do Morumbi, morando no quartinho dos fundos da casa dos patrões (Bárbara e Carlos).
Passado mais de dez anos, Val, que é extremamente submissa, torna-se quase um “membro” da família, tendo o respeito de todos, de modo especial do filho (Fabinho) que ela criou para a patroa.
Tudo estava no seu devido lugar (patrão e empregada), até que a vinda de Jéssica, filha de Val, para São Paulo, com a finalidade de prestar vestibular para arquitetura, muda a rotina de Val e dos patrões.
A chegada de Jéssica é o ponto de virada que nos interessa na película, pois é a chegada dela que provoca a ruptura e por que não dizer a ruína da estrutura sagrada estabelecida socialmente por aqueles que se habituaram ter o pobre sempre em posições inferiores e sem o direito de sonhar com coisas maiores.
Não por acaso, em determinada passagem do filme, os patrões espantam-se com o fato da menina – filha de uma doméstica extremamente subserviente e com dificuldade na leitura – ser confiante, inteligente e ambicionar estudar na melhor faculdade de arquitetura de São Paulo.
Ao movimentar e não se curvar a estrutura social secular – Val refere-se aos patrões como Dona Bárbara e Doutor Carlos, já Jéssica os chama pelo primeiro nome –, Jéssica começa a deslocar lentamente a mãe e causar extremo desconforto nos patrões. Isto nos é apresentado inteligentemente pelo filme em passagens como Val entrando na piscina pela primeira vez, depois de mais de dez anos de trabalho, e na tentativa frustrada dos patrões de controlar os espaços (da casa) que deveriam ser frequentados por Jéssica.
Anna Muylaert realiza um excelente trabalho de direção e se mostra extremamente astuta ao optar por utilizar uma câmera objetiva que muitas vezes não adentra os espaços dos patrões, mostrando para o espectador com firmeza qual é a posição da empregada doméstica em seu trabalho.
A diretora destaca-se ainda pela sutileza com que lida com o Brasil do futuro que briga para afastar o Brasil do passado, ainda que este insista em querer manter as antigas estruturas – Casa Grande e Senzala.
Sendo este um cinema superior a média nacional, “Que horas ela volta?” é um filme para aqueles que desejam um Brasil para todos.

A frase do dia

“Antes do golpe (de 1964) o país tinha que escolher dois caminhos: se ele seria uma sociedade de massas mais inclusiva, ou uma sociedade pra 20% – e a escolha feita com o golpe foi a escolha por essa minoria. A sociedade deve perceber o que ela tem a perder e o preço que isso envolve”.

Jessé Souza, presidente do Ipea

Rock na madrugada – Paralamas do Sucesso, Aonde Quer Que Eu Vá