POR MAURO CEZAR PEREIRA, na ESPN
Os famosos meses de 90, 120 dias foram incorporados ao noticiário. Clubes grandes se acostumaram a assumir compromissos com jogadores e não respeitá-los, atrasando salários por muito tempo. Assim, surgiram histórias que entraram para o folclore, como o fingir que joga porque os cartolas fingiam que pagavam.
Alguns acham engraçada tal frase, embora ela seja patética. Se o atleta não recebe, que reivindique a rescisão do contrato. Porque o torcedor que vai ao estádio paga pelo ingresso e não o faz esperando que alguém finja que está jogando pra valer. Mas em setores da mídia esportiva tal comportamento arranca até gargalhadas.
A imprensa critica, de maneira pertinente, o dirigente que não mantém as contas em dia. Discursamos em defesa da melhor estrutura do futebol, pelo fim dos pagamentos a cada trimestre, contra o acúmulo de dívidas, as contas estouradas que corroem os cofres dos clubes. Ações absurdas que os empobrecem.
Toda essa linha de raciocínio é esquecida quando um time grande precisa de reforços e admite que sai em busca de novos jogadores. A pedida do pseudo craque é sempre elevada, surreal até. Jogadores em declínio, distantes de seus melhores momentos, que ficaram para trás, propõem ordenados no padrão europeu.
Nenhum clube brasileiro administrado com seriedade pode se submeter a uma remuneração de, digamos, R$ 1 milhão mensais para um só atleta. Ele teria que ser, ainda, um jogador de primeira linha, com mercado em clubes grandes no futebol internacional, capaz de fazer muita diferença em campo. E dar retorno fora dele.
Não é o caso dos que atuam no Brasil. Mas e daí? Os clichês não saem da pauta. “O time tal não pode ter um elenco desses“. “A torcida não aceita um time tão fraco“. “Compre que a galera paga“. “O dirigente tem que contratar, está demorando demais“. Nem os empresários dos atletas fariam serviço melhor. Para eles mesmos.
Mas alas da mídia se agarram a essa argumentação fácil, rasteira, distante da realidade daqueles que têm o compromissos e desejam honrá-los. Assim, estimulam os cartolas a serem irresponsáveis. Dão aval para que o dirigente cometa loucuras econômicas fazendo média com o torcedor fanático e de visão curta.
Quanto custa um jogador desses? Não por mês, mas pelo contrato inteiro. Realizamos um cálculo há poucos dias em outro post — clique aqui e confira. Quem faz essa continha básica? Quem se preocupa em jogar as cifras da nova contratação dentro da planilha de custos do departamento de futebol para ver se elas cabem?
O ator americano Leonardo DiCaprio embolsou US$ 25 milhões pelo filme “O Lobo de Wall Street”, de Martin Scorsese. Já Sandra Bullock assegurou US$ 20 milhões para atuar em “Gravidade”. E levou mais US$ 50 milhões porque o contrato lhe garantia uma participação nos lucros. E o filme rendeu US$ 716 milhões!
Só por ter o nome “Tom Hanks” no letreiro, o pífio “Náufrago” arrecadou US$ 429 milhões. Salários não têm limites, desde que proporcionais ao retorno que o profissional gera. E no caso de Hollywood, estúdios pagam tais fortunas aos seus astros porque eles têm responsabilidade direta nos lucros, atraem a bilheteria.
Na reestréia de Robinho pelo Santos, ano passado, o time perdeu para o Corinthians (0 a 1) e a renda na Vila Belmiro foi de R$ 357.125. No jogo seguinte em casa, 2 a 0 sobre o Atlético Paranaense. Apenas 4.612 torcedores foram vê-lo em ação, deixando só R$ 129.285. Como falar em salários de milhões num futebol assim?
Já passou da hora de os clubes serem administrados de maneira responsável. E se a linha de raciocínio da imprensa for coerente, quem defende o pagamento de salários em dia e a quitação de dívidas não pode clamar por reforços a qualquer custo. Porque nessas horas, parece que é o jornalista que tenta fazer média com a torcida.
Este artigo me faz lembrar o primeiro comentário que postei aqui no Blog, lá por volta de setembro/outubro de 2009. As coisas parece que não mudaram nadinha de lá pra cá. Aliás, como símbolo de que ainda esposo a opinião exposta naquela época, me permito pinçar e reiterar uma passagem específica do que escrevi naquela ocasião: pra mim a imprensa que reclama a necessidade de reforços para os times não tem culpa das irresponsabilidades (pra dizer o menos) praticadas pelos dirigentes, a pretexto de atender a tais reclamos.
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Sem dúvida, uma aguçada autocrítica do Mauro Cezar, que vale para todos os que cobrem o futebol profissional.
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Gerson, excelente análise do Mauro Cezar, expressando a dura realidade do futebol brasileiro. O exemplo do Remo, para ficarmos só em nossas plagas,reafirma o que diz o articulista. Por oportuno esclareço que na postagem em que foi exibido o contrato do Roni, só postei comentários por “provocação” sua e do Cláudio Santos. A comissão que está apurando o caso Minowa, deveria se tornar permanente para passar o Remo a limpo.Termino reafirmando, com bloqueio de 100% de patrocínios, vamos perder patrimônio. Nunca na minha longa vida fui omisso. Você, o Cláudio e muitos participantes do blog, são testemunhas que bradei no deserto.
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É verdade, amigo Ronaldo. A situação do futebol brasileiro agrava-se cada vez mais em função dessa irresponsabilidade envolvendo gastos nos clubes. Seus comentários – motivados por “provocações” nossas – sobre o caso Minowa foram oportunos, sérios e equilibrados como sempre. Ao mesmo tempo, quero reafirmar que todos sabemos de seu esforço incansável por gestões mais sérias dentro do Remo, particularmente no que diz respeito à negligência dos dirigentes quanto a contratos e transações. As pendências na Justiça trabalhista se acumulam e a situação só não é mais desesperadora porque você evitou que o clube sofresse inúmeras perdas, enquanto esteve lutando praticamente sozinho no TRT como representante jurídico do Remo. Votos de pronto restabelecimento ao amigo e obrigado pela atenção e participação aqui no blog. Abraços
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Bela analise. Atinge um dos focos do problema. Parabéns.
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