Por Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira
“Numa cena famosa do Rei Lear, de Shakespeare, o Conde de Kent, sob disfarce, afirma que há qualquer coisa no porte do Rei que o faz desejar servi-lo. Lear pergunta o que é, e a resposta de Kent vem numa palavra: autoridade.
Nada mais distante da realeza, no sentido estrito do termo, do que Ulysses Guimarães. Sua vida foi servir ao povo e à sociedade, nunca o oposto.
A fala de Shakespeare se aplica ao Dr. Ulysses quando se leva em conta a nobreza do político e a estatura do homem. Quem o conheceu sabe que alguém com sua trajetória e seus princípios merecia uma palavra definidora: autoridade. Não a autoridade dos déspotas, que ele tanto combateu, mas a autoridade moral que vem à mente ao rever as imagens de Ulysses ou reler seus discursos
Sua liderança foi o grande alento da política brasileira por toda a década de 70 e por quase toda a década de 80. O inverno de nosso descontentamento chegou ao fim em grande parte por obra daquele filho de Itaqueri da Serra.
Ulysses Guimarães, o anticandidato, que formou com Barbosa Lima Sobrinho uma chapa de envergadura moral que enobreceu a política brasileira, afirmou há pouco mais de 40 anos: “A grandeza do homem é mais importante do que a grandeza do Estado, porque a felicidade do homem é a obra-prima do Estado”.
A afirmação consta do discurso em que se lançou anticandidato, o mesmo em que comenta que “a Nação é a língua, a tradição, a família, a religião, os costumes, a memória dos que morreram, a luta dos que vivem, a esperança dos que nascerão.
A memória de Ulysses Guimarães é a esperança dos que nascerão e dos que hoje vivem neste país que procura todos os dias se provar uma Nação. Esta era a grande obra de Ulysses. Por isso ele nunca representou um grupo, facção ou corrente. Ulysses era e sempre foi o representante por excelência da sociedade civil ao longo de mais de quatro décadas de vida pública.
Homens assim se tornam a consciência da Nação e estão sempre prontos a oferecer a palavra que servirá de bússola em tempos de turbulência. Homens assim se tornam símbolos, e símbolos precisam ser lembrados e reverenciados.
No famoso discurso de proclamação da Constituição de 1988, Ulysses colocou em palavras o que hoje está no subconsciente de todos os brasileiros. Ele disse, há pouco mais de um quarto de século: “A moral é o cerne da Pátria. A corrupção é o cupim da República”.
E concluiu seu pronunciamento com a repetição das palavras que, um ano antes, abriam o discurso de posse como presidente da Assembleia Nacional Constituinte: “A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar.”
A atualidade de Ulysses é o elo entre o presente e o passado que permite olhar com esperança para o futuro.
Um dos poemas mais célebres de T.S. Eliot lembra: “O tempo presente e o tempo passado estão talvez presentes, ambos, no tempo futuro. E o tempo futuro contido no tempo passado”.
Homenagear Ulysses Guimarães é, sob qualquer ponto de vista, mergulhar não no passado, mas no futuro. Vislumbrar um futuro de justiça social e retidão no trato da coisa pública é o grande legado de um homem que se definia como caçador de nuvens e caçado por tempestades. Como tal, ele ajudou a redesenhar o céu da pátria que tanto amou.
Se a política é mesmo como nuvem, Ulysses tinha o poder de soprar a tempestade para longe e dissipar os dias sombrios.
Um dia ele afirmou que é caminhando que se abrem os caminhos.
O dia de hoje não se pretende apenas de homenagem a um homem. A homenagem é sobretudo aos valores e princípios que este homem defendeu e propagou. No ano em que se completam 50 anos do início de uma longa noite, o dia é de celebrar a atualidade de Ulysses e de sua vida pública. Assim se celebra um Brasil ético, inclusivo e democrático. Este é o Brasil que a indústria deseja e que é hoje homenageado pela memória de um de seus mais nobres cidadãos…”…
(*) Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira é presidente da Firjan.