Paissandu x ASA-AL (comentários on-line)

Campeonato Brasileiro da Série C

Paissandu x ASA-AL – estádio Maximino Porpino, em Castanhal, às 19h.

Rádio Clube _ IBOPE _  Sábado e Domingo _ Tablóide

Na Rádio Clube, Jones Tavares narra; Gerson Nogueira comenta. Reportagem – Carlos Gaia, Dinho Menezes, Rosivaldo Souza. Banco de Informações – Fábio Scerni.

O tempo das utopias mínimas viáveis

Por Leonardo Boff

Não é verdade que vivemos tempos pós-utópicos. Aceitar esta afirmação é mostrar uma representação reducionista do ser humano. Ele não é apenas um dado que está ai fechado, vivo e consciente, ao lado de outros seres. Ele é também um ser virtual. Esconde dentro de si virtualidades ilimitadas que podem irromper e concretizar-se. Ele é um ser de desejo, portador do princípio esperança (Bloch), permanentemente insatisfeito e sempre buscando novas coisas. No fundo, ele é um projeto infinito, à procura de um obscuro objeto que lhe seja adequado.

É desse transfundo virtual que nascem os sonhos, os pequenos e grandes projetos e as utopias mínimas e máximas. Sem elas o ser humano não veria sentido em sua vida e tudo seria cinzento. Uma sociedade sem uma utopia deixaria de ser sociedade, lhe faltaria um fator de coesão interna, um rumo definido pois afundaria no pântano dos interesses individuais ou corporativos. O que entrou em crise não são as utopias, mas certo tipo de utopia, as utopias maximalistas vindas do passado.

Os últimos séculos foram dominados por utopias maximalistas. A utopia iluminista que universalizaria o império da razão contra todos os tradicionalismos e autoritarismos. A utopia industrialista de transformar as sociedades com produtos tirados da natureza e da invenções técnicas. A utopia capitalista de levar progresso e riqueza para todo mundo. A utopia socialista de gerar sociedades igualitárias e sem classes. As utopias nacionalistas sob a forma do nazifascismo que, a partir de uma nação poderosa, de “raça pura”, redesenharia a humanidade, impondo-se a todo mundo. Atualmente a utopia da saúde total, gestando as condições higiênicas e medicinais que visam a imortalidade biológica ou o prolongamento da vida até a idade das céculas (cerca de 130 anos). A utopia de um único mundo globalizado sob a égide da economia de mercado e da democracia liberal. A utopia de ambientalistas radicais que sonham com uma Terra virgem e o ser humano totalmente integrado nela.

Essas são as utopias máximalistas. Propunham o máximo. Muitas deles foram impostas com violência ou geraram violência contra seus opositores. Temos hoje distância temporal suficiente para nos confirmar que estas utopias maximalistas frustraram o ser humano. Entraram em crise e perderam seu fascínio. Dai falarmos de tempos pós-utópicos. Mas o pós se refere a este tipo de utopia maximalista. Elas deixaram um rastro de decepção e de depressão, especialmente, a utopia da revolução absoluta dos anos 60-70 do século passado como a cultura hippy e seus derivados.

Mas a utopia permanece porque pertence ao ânimo humano. Hoje a busca se orienta pelas utopias minimalistas, aquelas que, no dizer de Paulo Freire, realizam o “possível viável” e fazem a sociedade “menos malvada e tornam menos difícil o amor”. Nota-se por todas as partes a urgência latente de utopias do simples melhoramento do mundo. Tudo o que nos entra pela muitas janelas de informação nos levam a sentir: assim como o mundo está não pode continuar. Mudar e se não der, ao menos melhorar.

Não pode continuar a absurda acumulação de riqueza como jamais houve na história (85 mais ricos possuem rendas correspondentes a 3,57 bilhões de pessoas, como denunciava a ONG Oxfam intermón em janeiro deste ano em Davos). Para esses, o sistema econômico-financeiro não está em crise; ao contrário, oferece chances de acumulação como nunca antes na história devastadora do capitalismo. Há que se pôr um freio à verocidade produtivista que assalta os bens e serviços da natureza em vista da acumulação, produz gases de efeito estufa que alimenta o aquecimento global. Se não for detido, poderá produzir um armagedon ecológico.

As utopias minimalistas, a bem da verdade, são aquelas que vêm sendo implementadas pelo governo atual do PT e seus aliados com base popular: garantir que o povo coma duas ou três vezes ao dia, pois o primeiro dever de um Estado é garantir a vida dos cidadãos; isso não é assistencialismo mas humanitarismo em grau zero. São os projeto “minha casa-minha vida”, “luz para todos”, o aumento significativo do salário mínimo, o “Prouni” que permite o acesso aos estudos superiores a estudantes socialmente menos favorecidos, os “pontos de cultura” e outros projetos populares que não cabe aqui elencar.

Na perspectiva das grandes maiorias, são verdadeiras utopias mínimas viáveis: receber um salário que atenda as necessidades da família, ter acesso à saúde, mandar os filhos à escola, conseguir um transporte coletivo que não lhe tire tanto tempo de vida, contar com serviços sanitários básicos, dispor de lugares de lazer e de cultura e com uma aposentadoria digna para enfrentar os achaques da velhice.

A consecução destas utopias mínimas cria a base para utopias mais altas: que tenhamos uma verdadeira democracia participativa de base popular, aspirar que os povos se abracem na fraternidade, que não se guerreiem, se unam todos para preservar este pequeno e belo planeta Terra, sem o qual nenhuma utopia máxima ou mínima pode ser projetada. O primeiro ofício do ser humano é viver livre de necessidades e gozar um pouco do reino da liberdade. E por fim poder dizer: “valeu a pena”.

Leonardo Boff escreveu: Virtudes para um outro mundo possivel, 3 vol. Vozes 2005.

Vedder faz show solo em São Paulo e Rio

Eddie Vedder em SP 2014

Por Cauê Muraro, do G1 

Um banquinho, um violão – e um skate e uma meia dúzia de piadas. Em sua estreia solo no país, Eddie Vedder, vocalista do Pearl Jam, não se limitou à proposta alegadamente intimista de sua turnê sem a banda que o consagrou. No show da noite desta terça-feira (6) em São Paulo, usou a voz potente para cantar bem e também para zombar das próprias dificuldades com a língua portuguesa. E não teve vergonha de assumir o lado quase “tiozão do pavê”.

eddie_vedder_g1_005Primeiro, fez graça com uma fã que gritou “casa comigo!” (mesmo tendo entendido, insinuou ter escutado “dorme comigo!”). Depois, brincou com um outro ao dizer que o reconhecia de um filme pornô. Louvou ainda o cheiro da maconha (em termos gerais, não no Citibank Hall). Segundo a organização, todos os ingressos foram vendidos. Durante 2 horas e 17 minutos, Vedder tocou cerca de 30 músicas, incluindo material de seus dois álbuns: “Into the wild” (2007) e “Ukelele songs” (2011). Mas ganhou o público sobretudo com aquelas que fazem parte do repertório do Pearl Jam – as versões aqui não superam as originais, mas servem para pôr em destaque a força do conservado cantor de 49 anos de idade. Excluído o instrumental denso da banda, resta o essencial: o timbre grave e intenso, sempre muito característico, e belas letras que comovem.
Entre as mais aplaudidas e acompanhadas em coro, estiveram “Better man” (com levada desnecessariamente modificada), “Porch” e “Elderly woman behind the counter in a small town”. Sintomaticamente, são todas do começo dos anos 1990, auge do grunge, movimento do qual o Pearl Jam e Vedder são expoentes.
Ao entrar em cena, sozinho, o músico acena para os fãs, que se levantam mas logo voltam às cadeiras. Ele pega um ukelele, instrumento que é parente havaiano do cavaquinho, e com ele fica por cinco músicas, até trocar por uma guitarra. O número de abertura é a cover “The moon song”, escrita por Karen O, do Yeah Yeah Yeahs. Ao longo da apresentação, virão outras versões, como “The needle and the damage done” (Neil Young), “Good woman” (Cat Power) e “I believe in miracles” (Ramones).

Em português
A decoração “retrô” impõe um clima supostamente sério e de reverência ao ídolo: o palco tem gravador de rolo, umas malas antigas e fogueirinha cenográfica; o telão de fundo exibe ora edifícios antigos, ora um céu estrelado. Mas, depois da sétima música, quando já tinha tocado algumas de “Ukelele” e três do Pearl Jam (“Can’t keep”, “Sometimes” e “Immortality”, nenhuma muito ovacionada), o músico resolve que é hora de fazer o primeiro de seus discursos na língua nativa.
Lendo um papel, confessa com modéstia: “Como vocês podem ver, meu português é uma merda. Então, vou falar muito pouco hoje. Na próxima vez, vou para escola aprender seu bonito idioma”.
O populismo misturado à autoironia rendeu os aplausos mais intensos da noite até ali. E assim o Eddie Vedder arredio e de postura quase messiânica de duas décadas atrás cedeu lugar ao Eddie Vedder relaxado e disposto a rir de si próprio.

eddie_vedder-300x400Meio atrapalhado, se enroscou num cabo da guitarra ao tirar a jaqueta. Depois, tentou agarrar uma camisa do Brasil que lhe jogaram, mas acabou deixando o presente cair. Também errou algumas introduções. E ninguém pareceu ligar. Numa passagem, apontou para a falsa fogueira e citou fumaça e maconha. Usando o termo “ganja”, afirmou: “Eu, pessoalmente, não fumo, mas aprecio as propriedades aromáticas”. Mais risos.
A descontração incentiva o público a fazer pedidos, que Vedder finge não entender. Ignora descaradamente (o efeito cômico é, de novo, positivo) a solicitação por alguns hits do Pearl Jam. Ouve gente clamar por “Black”, “Last kiss” e “Do the evolution” – faz que não é com ele. Mas aceita tocar “Crazy Mary”.
Uma hora depois de entrar em cena, vem “Porch”, e o cantor é, enfim, aplaudido de pé. Deixa o palco e volta rapidamente – com o skate. Faz um passeio sem muito conhecimento de causa, mas não chega a cair.

No bis, antes de “Sleepless nights” (uma antiga dos Everly Brothers), Vedder convoca o irlandês Glen Hansard, que tinha feito o bom show de abertura e agora irá participar de quatro números. A atração principal fala que o parceiro adora filmes de sexo explícito. Alguém do público berra: “Eu também!”. É a deixa para Vedder brincar que estava reconhecendo o fã por tê-lo visto em alguma produção do tipo.
E disto é feito o show: tiradas meio “apresentador engraçado de programa de entrevistas” aparecem de tempos em tempos, em meio a momentos típicos de rodinha sob as estrelas e em volta da fogueira. Entre uma coisa e outra, um Eddie Vedder menos tenso e mais acessível que o do passado. Disposto inclusive a tolerar que, na última música (“Hard sun”), boa parte da plateia fique de pé e filme tudo com celulares, desobedecendo a ordem da produção.
No Rio, Vedder se apresenta no domingo (11) e na segunda-feira (12).

O passado é uma parada…

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Os craques da seleção da Bola de Prata de 1972, da revista Placar. Em pé: Aranha (Remo), Marinho Chagas (Botafogo), Figueiroa (Inter), Beto Bacamarte (Grêmio), Leão (Palmeiras) e Piazza (Cruzeiro); Agachados: Osni (Vitória), Alberi (ABC), Zé Roberto (Coritiba), Ademir da Guia (Palmeiras) e Paulo César Caju (Flamengo) | Crédito: Arquivo Placar. 

A taça do mundo é nossa

Boa oportunidade para quem ama o futebol e sua história ficar frente com a Taça da Copa do Mundo Fifa. O Tour da Copa passará por todas as 27 capitais brasileiras antes da Copa e chegará a Belém no dia 20 de maio. O local de exposição ao público é o Espaço São José Liberto (antigo presídio São José), na praça Amazonas, no Jurunas. Belém será a 21ª cidade brasileira a receber a taça. O horário de visitação será das 8h às 17h.

O Rubicão da reeleição de Dilma

Por Fernando Brito

Embora a oposição se apresse em dizer o contrário e possa, a alguns, parecer paradoxal, o dia de hoje marca trecho final, em condições bastante razoáveis para Dilma Rousseff, do período eleitoral pré-Copa, o mais difícil para a candidatura da atual presidente à reeleição.
Os principais elementos negativos para ela já foram para a mesa: a inércia política de seu Governo, as dificuldades com a base parlamentar, a ”ofensiva moralista” encarnada na exploração da Petrobras e, muito mais importante, o quadrimestre bastante complicado em matéria de inflação, mais aguda por conta da seca e do represamento das tarifas de transporte no ano passado, que começou a retroceder, com a divulgação do IPCA (0,67%, contra uma “aposta” do mercado de 0,8%) e a primeira prévia do IGP-M marcando 0,06% (o índice cheio para o mês é previsto pelos bancos em 0,4%).
Por mais que o terrorismo inflacionário vá seguir, não há como esconder que para a parcela mais pobre da população, onde o INPC reflete melhor a pressão dos preços, o acumulado em 12 meses é, com seus 5,82%, muito menos aterrorizante que o de abril de 2013, quando somava 7,16%.
Não é o melhor dos mundos, mas também não é um cenário desesperador, como apostava – e não perdeu ainda as esperanças – a turma do “quanto pior, melhor”.
O último fator – a Copa – embora ninguém deva ter a ilusão de que aí não virão manifestações – não dá também sinais de que vá adquirir as proporções de um ano atrás, com a adesão de parcelas significativas da classe média.
Ao contrário, a tendência é a de que o clima da competição e a conclusão de muitas obras a ela ligadas aponte para uma dissolução das reservas que artificialmente se criaram sobre os “danos” que ela traria ao país.
Empolgação à parte, o conservadorismo brasileiro tem, é certo, algo como 35% dos votos assegurados e, com Aécio consolidado como seu candidato, inclusive com um movimento de pesquisas que definem sua supremacia sobre um Eduardo Campos que começa a ser empurrado para o nada, como já fica claro nas pesquisas.
Contra ele, à medida em que a campanha avance, há o peso de um Lula que se conserva, intocado, com a maioria absoluta de intenções de voto.
Quanto ao jogo das pesquisas, apenas reproduzo o texto da revista Veja sobre uma pesquisa Ibope, menos de um ano antes da eleição que reelegeu Lula em 2006:

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“O Ibope divulgou pesquisa que, pela primeira vez, aponta para uma derrota do presidente Lula nas eleições de 2006. Segundo o levantamento, Lula perderia para o tucano José Serra, prefeito de São Paulo, já no primeiro turno das eleições de 2006, com um placar de 37% a 31%. As pesquisas mostram ainda a ascensão rápida do também tucano Geraldo Alckmin, governador de São Paulo. Quando o nome dele aparece como o escolhido pelo PSDB para enfrentar o presidente, Alckmin, que nunca fez campanha nacionalmente nem ocupou cargos federais, perde por apenas quatro pontos – quase dentro da margem de erro estatístico. Os números da pesquisa mostram Lula em uma rampa descendente íngreme na preferência popular – enquanto na rampa oposta, ascendente, estão vindo seus potenciais contendores na campanha do ano que vem. 

Com base nos dados da pesquisa do Ibope e com a ajuda de técnicos do instituto, VEJA transformou as porcentagens em números absolutos e comparou-os aos resultados obtidos nas últimas eleições presidenciais pelos então candidatos Serra e Lula. O resultado é impressionante. Consagrado nas urnas em 2002 com 52 milhões de votos, Lula, três anos depois do pleito, perdeu 20 milhões de eleitores. Isso significa que quase 40% das pessoas que o queriam na Presidência hoje não querem mais. Só na Região Sudeste (que reúne 45% do eleitorado brasileiro), o presidente viu desertarem 10,6 milhões de eleitores desde que assumiu o cargo. O cálculo foi realizado com base nos porcentuais de intenção de voto atribuídos a Lula e Serra em um hipotético segundo turno – ponderados os índices de abstenção registrados nas eleições de 2002 em cada região do país e descontados os votos brancos e nulos. Por essas mesmas contas, Serra ganhou 11 milhões de eleitores em relação à última eleição presidencial. No dia seguinte à divulgação da pesquisa do Ibope, o Datafolha anunciou a sua, com números praticamente idênticos. “
Não é preciso mais do que as pesquisas para que você julgue as pesquisas, não é?

Shinkansen

Por Arthur Dapieve, em O Globo

Dentro do trem, a velocidade não existe. Nem a paisagem na janela parece se atropelar

Reportagem de Márcio Gomes no “Jornal Nacional” me transporta de volta ao Japão. Lá, eles estão testando o protótipo de um novo modelo de shinkansen — nome local do trem-bala — que deverá entrar em operação em 2027. Trata-se de um comboio que levita por magnetismo e que, em testes, alcançou a velocidade de 581 km/h.
Cada parte do Japão fala pelo todo em termos de eficiência, civilidade e beleza. Não seria diferente com os icônicos trens-bala, que entraram em operação por ocasião das Olimpíadas de Tóquio, em 1964. Andei quatro vezes neles, em 2011 e 2012, indo e voltando da capital para Kyoto. Se pudesse, teria retornado ao Brasil num shinkansen.
O horário de partida dos trens desperta aquele misto de assombro e descrença que toma os brasileiros pela sua presunção de pontualidade: 9h01m, 9h07m, 9h09m… Como composições de linhas distintas usam as mesmas plataformas, é bom que o passageiro não seja — como eu sou — membro platinum dos Ansiosos Anônimos.
Se sua passagem for para o trem das 9h07m, e um deles parar na sua frente às 9h05m, não entre. Ainda não é o seu trem. Na dúvida, verifique o número do “voo” exibido nos painéis bilíngues na estação e na lateral do próprio veículo. Pode soar exótico para um brasileiro, mas no Japão as coisas são feitas para não saírem errado.
Quando der 9h07m, aí sim, o seu trem estará parado e já de portas abertas na plataforma onde ficará por um minuto, não mais, minuto no qual os passageiros subirão e descerão em ordem, em silêncio, sem afobação, seguindo os diagramas desenhados no chão, a indicar exatamente onde cada vagão estará e cada porta de cada vagão abrirá.
Sim, a primeira coisa a me assombrar num shinkansen não foi a velocidade, mas a capacidade de parar suavemente, bem no local pré-determinado. A correspondente do GLOBO em Tóquio, Claudia Sarmento, meio a sério, meio à brinca, diz que gostaria de fazer uma reportagem sobre os freios do trem-bala, eles sim o verdadeiro prodígio.
Dentro do vagão, o conforto é o da primeira classe das companhias aéreas. Quer dizer, imagino que seja, passei por algumas ao deixar o avião. O interior do shinkansen é espaçoso, limpo, claro. Não me parece haver a menor possibilidade de um passageiro esbarrar no braço do outro. Talvez, apenas, se um dos dois for lutador de sumô.
A chegada do fiscal de bilhetes a cada vagão é um espetáculo à parte. Ele faz a reverência japonesa aos passageiros na entrada e na saída, mesmo que nenhum dos salarymen engravatados esteja prestando a menor atenção. Entre uma porta e outra, ele também faz uma suave reverência a cada bilhete verificado. Pode soar exótico para um brasileiro, mas no Japão as pessoas que prestam serviços agradecem aos consumidores.
Caso não tenha sido possível fazer uma boquinha na estação antes da partida do trem, o que é difícil dada a oferta de comida no Japão, há um carrinho de refeições circulando ininterruptamente entre os vagões. Oferece todo tido de bebidas, sanduíches, biscoitos e pequenas refeições naquelas caixinhas de bentô, além de jornais e revistas.
A viagem em si é quase anticlimática. Dentro do trem, a velocidade não existe. Nem a paisagem na janela parece se atropelar. Plantações, cemitérios, fábricas, templos, prédios, estradas, com sorte o Monte Fuji. Tudo tem seu tempo. Nada trepida, nada faz barulho, ninguém berra. O silêncio é uma característica das sociedades mais avançadas, ele “fala” do respeito ao próximo. Pode soar exótico etc. etc.
Aqui, fez-se o tradicional estardalhaço lulo-petista com o projeto de um trem-bala entre Rio, São Paulo e Campinas. Durante certo tempo, ele foi o menino dos olhos da ministra da Casa Civil/presidente Dilma Rousseff, outrora conhecida como “a mãe do PAC”. A ideia original era que estivesse em operação para a Copa. Esta Copa.
Atualmente, o governo diz que o transporte de passageiros deve começar em junho de 2020. Daria para pegar a Copa do Catar, se não se soubesse que projetos dessa dimensão tomam ao menos cinco anos de trabalho duro. No Japão foi assim. No Japão. O consórcio entre o Estado brasileiro e as grandes empreiteiras para obrar burocracia, incompetência e corrupção não nos permite sonhar sequer com dez anos.
A bem da verdade, o país já estaria bem servido — para Copa, Olimpíadas e, sobretudo, dia a dia do cidadão — se contasse com uma malha ferroviária convencional em condições de uso. Esta opção, porém, foi descartada bem lá atrás, quando Juscelino Kubitschek ungiu a indústria automobilística como matriz do nosso desenvolvimento e, sem querer querendo, deu à sociedade brasileira uma feição egoísta, individualista.
Tornamo-nos, então, este povo abobalhado pelo carro particular, que privatiza a via pública, engarrafa, buzina, polui, gasta tempo e dinheiro, mata. E quando se pensa em transporte público, ora, bolas, se pensa em ônibus, sempre ônibus, sempre as empresas de ônibus… “Apaixonados por carros como todo brasileiro”, apregoa o slogan de uma rede de postos de gasolina. Definitivamente, eu sou meio japa.