Miséria do debate

Por Miriam Leitão

O Brasil não está ficando burro. Mas parece, pela indigência de certos debatedores que transformaram a ofensa e as agressões espetaculosas em argumentos. Por falta de argumentos. Esses seres surgem na suposta esquerda, muito bem patrocinada pelos anúncios de estatais, ou na direita hidrófoba que ganha cada vez mais espaço nos grandes jornais.

É tão falso achar que todo o mal está no PT quanto o pensamento que demoniza o PSDB. O PT tem defeitos que ficaram mais evidentes depois de dez anos de poder, mas adotou políticas sociais que ajudam o país a atenuar velhas perversidades. O PSDB não é neoliberal, basta entender o que a expressão significa para concluir isso.

A ele, o Brasil deve a estabilização e conquistas institucionais inegáveis. A privatização teve defeitos pontuais, mas, no geral, permitiu progressos consideráveis no país e é uma política vencedora, tanto que continuou sendo usada pelo governo petista. O PT não se resume ao mensalão, ainda que as tramas de alguns de seus dirigentes tenham que ser punidas para haver alguma chance na luta contra a corrupção. Um dos grandes ganhos do governo do Partido dos Trabalhadores foi mirar no ataque à pobreza e à pobreza extrema.

Os epítetos “petralhas” e “privataria” se igualam na estupidez reducionista. São ofensas desqualificadoras que nada acrescentam ao debate. São maniqueísmos que não veem nuances e complexidades. São emburrecedores, mas rendem aos seus inventores a notoriedade que buscam. Ou algo bem mais sonante. Tenho sido alvo dos dois lados e, em geral, eu os ignoro por dois motivos: o que dizem não é instigante o suficiente para merecer resposta e acho que jornalismo é aquilo que a gente faz para os leitores, ouvintes, telespectadores e não para o outro jornalista. Ou protojornalista. Desta vez, abrirei uma exceção, apenas para ilustrar nossa conversa.

Recentemente, Suzana Singer foi muito feliz ao definir como “rottweiller” um recém-contratado pela “Folha de S.Paulo” para escrever uma coluna semanal. A ombudsman usou essa expressão forte porque o jornalista em questão escolheu esse estilo. Ele já rosnou para mim várias vezes, depois se cansou, como fazem os que ladram atrás das caravanas.

Certa vez, escreveu uma coluna em que concluía: “Desculpe-se com o senador, Miriam”. O senador ao qual eu devia um pedido de desculpas, na opinião dele, era Demóstenes Torres. Não costumo ler indigências mentais, porque há sempre muita leitura relevante para escolher, mas outro dia uma amiga me enviou o texto de um desses articulistas que buscam a fama. Ele escreveu contra uma coluna em que eu comemorava o fato de que, um século depois de criado, o Fed terá uma mulher no comando.

Além de exibir um constrangedor desconhecimento do pensamento econômico contemporâneo, ele escreveu uma grosseria: “O que importa o que a liderança do Fed tem entre as pernas?” Mostrou que nada tem na cabeça. Não acho que sou importante a ponto de ser tema de artigos. Cito esses casos apenas para ilustrar o que me incomoda: o debate tem emburrecido no Brasil. Bom é quando os jornalistas divergem e ficam no campo das ideias: com dados, fatos e argumentos.

Isso ajuda o leitor a pensar, escolher, refutar, acrescentar, formar seu próprio pensamento, que pode ser equidistante dos dois lados. O que tem feito falta no Brasil é a contundência culta e a ironia fina. Uma boa polêmica sempre enriquece o debate. Mas pensamentos rasteiros, argumentos desqualificadores, ofensas pessoais, de nada servem. São lixo, mas muito rentável para quem o produz.

8 comentários em “Miséria do debate

  1. Bom dia Gerson Nogueira & Amigos do Blog;
    Taí, texto bom, inteligente, suave, extremamente pragmático, sem as tarjas do ranço, que tem caracterizado o debate sobre a diversidade política partidária em nosso país, apesar da autora carregar uma dessas marcas, a partir daí, dá prá colaborar e aquecer um debate realmente interessante, construtivo, acima de tudo, parabéns ao Blog, pela publicação do texto.

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  2. Esse texto é do ano passado e recebeu uma resposta do Reinaldo Azevedo o “rottweiller” da folha e da veja. Em uma coisa a Mirian Leitão tem razão, o debate politico nos jornais e principalmente na internet esta contaminado pela rivalidade da Esquerda patrocinada versus Direita ou extrema direita do ódio. Receio que durante as eleições essa realidade na mídia e na internet vai piorar.

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  3. O texto é interessante mesmo Gerson e sempre penso no que ela falou quando leio textos na internet pró governo e contra o governo. Quanto a data do texto foi só uma observação e concordo que o que importa é a qualidade e a atualidade do texto.

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  4. Eu também me surpreendi positivamente com este texto da Míriam Leitão. Sobre esse tema, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-presidente do Palmeiras, também escreveu outro belo texto, na Carta Capital.

    A BRUTALIDADE DOS HOMENS
    Luiz Gonzaga Belluzo

    A explosão de vandalismo nas ruas e nas redações dos telejornais desatou uma nova rodada de manifestações de baixo moralismo empenhadas em desfazer os padrões de convivência conquistados a duras penas ao longo do processo civilizador.
    Dividir o mundo entre bons e maus está na moda. A reinvenção dessa banalidade alcançou foros de seriedade na construção do discurso midiático e político contemporâneo.

    Não estamos sós nessa empreitada. Sugiro ao brasileiro a leitura do livro The Outrage Industry, Political Opinion Media and The New Incivility. Trata-se de um estudo acurado da degradação do debate político nos Estados Unidos entre a extrema-direita e liberais dispostos a responder no mesmo tom agressivo e violento. Nessa batalha é impossível distinguir godos de visigodos. O livro analisa os comentaristas de telejornais, celebridades dos talk shows, blogueiros e comentaristas fulminantes da internet, porta-vozes das insanidades midiáticas, sempre protegidos pelo anonimato, isto sim, em escracho ao direito à livre expressão do pensamento.

    Os ululantes atacam com as armas do preconceito, da intolerância e com as bordunas da apologia da brutalidade, sem falar nos ataques em massa à última flor do Lácio, inculta e bela. Alguém já dizia que há método na loucura, mas, em sua marcha, a desrazão capricha na metodologia. As expressões “fascistas”, “idiotas politicamente corretos”, “elite vagabunda” poucas vezes foram utilizadas com tanta liberalidade e descuido. Em alguns sítios e comentários, as generosas imprecações adjetivadas ganham a companhia de exaltadas conclamações para o retorno dos militares ou sugestões para que os black blocks sejam mais eficientes em seu “empreendedorismo” anárquico, destruidor e, não raro, mortal.

    Os estudiosos do totalitarismo sabem que a “autovitimização” da “boa sociedade” e a inculpação do “outro” foram métodos eficientes para a conquista do poder absoluto. Vejo nos blogs: os mais furiosos se apresentam como “humanos direitos”, em contraposição aos defensores dos “direitos humanos”. Fico a imaginar como seria a vida dos humanos direitos na moderna sociedade capitalista de massa, crivada de conflitos e contradições, sem as instituições que garantam os direitos civis, sociais e econômicos conquistados a duras penas. A possibilidade da realização desse pesadelo, um tropismo da anarquia de massa, tornaria o Gulag e o Holocausto um ensaio de amadores.

    O magnífico projeto iluminista-burguês da liberdade, igualdade e fraternidade, avaliado em seus próprios termos e objetivos, está fazendo água diante do desenvolvimento alucinante e alucinado da competição das mídias para buscar os esgotos.

    Fredric Jameson, no livro A Cultura do Dinheiro (Vozes, 2001), lamenta: “Os quatro pilares ideológicos, jurídicos e morais do alto capitalismo – constituições, contratos, cidadania e sociedade civil – são, hoje, vadios maltrapilhos, mas sempre lavados, barbeados e vestidos com roupas novas para esconder sua verdadeira situação de penúria”.

    A civilização ocidental, disse Gandhi, teria sido uma boa ideia. Imaginei, santa ingenuidade, que as batalhas do século XX, além do avanço dos direitos sociais e econômicos, tivessem finalmente estendido os direitos civis e políticos, conquistas das “democracias burguesas”, a todos os cidadãos. Mas talvez estejamos numa empreitada verdadeiramente subversiva, ainda que não revolucionária: a construção da República dos Mais Desiguais. Uma novidade política engendrada nos porões da inventividade contemporânea, regime em que as garantias republicanas recuam diante dos esgares da máquina movida pela “tirania das boas intenções”. Um sistema em que bons meninos exibem sua retidão moral para praticar brutalidades em nome da justiça. O direito e a eticidade do Estado desaparecem no buraco negro do moralismo particularista e exibicionista.

    Desterrar o conflito social para fora da esfera pública e colocá-lo à margem da ordem jurídica certamente fará irromper na sociedade de massa a verdadeira face da política de aniquilamento do outro. Muitos democratas sinceros e outros nem tanto são incapazes de avaliar corretamente o papel do ultraje pessoal na avacalhação do debate público. A ofensa pessoal desqualificadora usada como argumento, sobretudo se praticada sob a capa do anonimato, e a resposta no mesmo tom são instrumentos da brutalização das consciências.

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  5. Essa mulher parece que come merda!

    É doida, e muda de opinião como se tivesse trocando a calcinha!

    Minha bronca não é nem com o que ela fala, mas o que ela pensa e faz!

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