
Por Gerson Nogueira
Alguém disse que o futebol é a mais importante das coisas menos importantes do mundo. A frase, lapidar e certeira, resume bem o que deveria ser o real significado desse esporte de multidões. O problema é que nos últimos tempos, incentivado pelas facilidades permitidas pelas redes sociais, há um tipo de torcedor que decidiu tomar as coisas a ferro e fogo.
Não há frase, análise, ironia ou simples brincadeira que não gere um tsunâmi de imprecações, insultos e demonstrações de puro ódio. Sob a proteção do anonimato e da falsa distância que a internet oferece, a fúria chega a contemplar ameaças de natureza física.
Acompanho essa escalada de intolerância há um bom tempo. Ela teve início lá nas arquibancadas, embora contida e sem os exageros e a truculência verbal dos dias atuais.
No Pará, a coisa torna-se particularmente patética quando envolve as apaixonadas torcidas de Paissandu e Remo. Da reclamação normal e necessária quanto a erros de informação cometidos pela imprensa esportiva, o torcedor radical tornou-se refratário a qualquer item que mesmo de longe soe como desrespeitoso à sua bandeira.
É bom observar que os talibãs têm essas mesmas características belicosas, por motivos bem conhecidos. Ocorre que não estamos tratando de guerras ou diferenças religiosas e culturais. A questão aqui muda de figura porque diz respeito a um esporte, catalizador de paixões e angústias, mas ainda assim apenas um esporte.
Onde deveria germinar o humor, a descontração e a irreverência, traços comportamentais tão brasileiros, floresce a ira despropositada, a raiva sem lógica. Dois casos recentes me parecem bem emblemáticos. Quando o Paissandu perdeu a final da Copa Verde para o Brasília, o caderno Bola saiu com um título referindo-se ao choro dos torcedores, com fotos ilustrativas do ânimo da torcida alviceleste após a traumática partida.
Para meu estupor, um grupo reduzido (mas ruidoso) de torcedores ensaiou protestar porque aquele título “ofendia a nação bicolor”, como se o pranto e a lamentação representassem fraqueza inominável.
Ontem, a obtusidade mudou de lado. Ao noticia a semifinal entre Paissandu e São Francisco, o caderno mais lido da imprensa esportiva paraense destacou o óbvio: graças à vitória bicolor, o Remo estava garantido por antecipação na Série D. Se o vencedor fosse o São Francisco, a classificação não se consumaria; no mínimo, seria adiada. Simples assim.
Mas, para quê, meu Deus?!
Uma verdadeira cornucópia de mágoas e queixas foi desatada sobre o Bola e sua equipe, acusada de parcial e anti-azulina. Além do furor grosseiro nas mensagens postadas no Facebook e no Twitter, alguns destemperados chegaram perto de defender o enforcamento sumário dos editores, como se tivessem cometido um verdadeiro sacrilégio.
Caso a cegueira do fanatismo doentio permitisse, em ambos os casos, seria fácil ver que os dois títulos foram verdadeiros e jornalísticos acima de tudo. Nem de longe se insinuou qualquer zombaria ou achincalhe, tão ao gosto de tabloides como o Olé!, cujo estilo inspirou o Bola.
Assim como o choro dos bicolores não é motivo de vergonha, a informação de que o resultado obtido pelo Paissandu assegurou ao Remo a classificação à divisão nacional jamais pode ser interpretada como um despautério.
São tempos confusos, eu sei, marcados por fascismo destemperado nas rinhas políticas e insatisfações fabricadas artificialmente nas ruas. Gesta-se em cada esquina o monstro das milícias, dos juízes de esquina. Nos estádios, as gangues ameaçam e intimidam o verdadeiro torcedor. Neste cenário, não se pode admitir que um instrumento tão democrático e plural como a internet seja também aprisionado pelos bárbaros.
Cabe aos lúcidos liderar a reação, antes que seja tarde demais.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta sexta-feira, 09)