Por Gerson Nogueira
A Copa está no começo ainda e muita coisa vai acontecer nas próximas semanas, revelando heróis e vilões, façanhas e fiascos. Os favoritos continuam os mesmos, mas a partir deste domingo pode-se saber se Lionel Messi, para muitos o maior super craque do futebol atual, será mesmo uma das grandes figuras da competição. Depois dos gols de Neymar, Van Persie e Robben, aumenta o peso da responsabilidade sobre o dianteiro argentino, cuja estreia será no Maracanã, ante os olhares de todo o planeta. É claro que Cristiano Ronaldo, oficialmente o melhor do mundo, também tem lá seu quinhão de pressão sobre os ombros, mas penso que La Pulga está devendo mais, até mesmo para os argentinos.

Não é de hoje que a crônica esportiva do país vizinho cobra de seu craque exibições à altura do cartaz que tem junto à torcida e das atuações que já teve no Barcelona. O começo da temporada não foi dos melhores para Messi. Castigado por lesões, não foi capaz de conduzir o Barça ao título espanhol e da Champions League. Sempre que se defrontou com defesas mais firmes, comportou-se como um atacante comum, como um super herói de repente destituído de seus superpoderes.
A Copa do Mundo pode significar a redenção ou a confirmação de uma fase ruim de Messi, como já aconteceu com tantos outros grandes jogadores. De quatro em quatro anos, o mundo se concentra em analisar os futebolistas mais importantes, avaliando com rigor seus desempenhos no maior de todos os torneios.
Em 2006, por exemplo, Ronaldinho Gaúcho foi levado ao pelourinho, depois de quatro anos exuberantes no próprio Barcelona e na Seleção Brasileira. Incensado pela torcida e endeusado pela mídia, foi um dos maiores fracassos da campanha brasileira em campos da Alemanha. Afundou ali, diante de tudo e todos. Nunca mais foi o mesmo jogador.
Que Messi consiga atravessar esse desafio que o futebol generosamente lhe oferece. É uma chance preciosa para mudar essa ingrata síndrome que acomete alguns fora-de-série. Acima de tudo, recai sobre ele a exigência de um título mundial, para que pelo menos se iguale a Diego Maradona. A Argentina, que não levanta a taça desde 1986, sonha com essa conquista em terras brazucas. Seria um feito de dimensões históricas incomparáveis, sob certo ponto de vista até mais importante do que a eleição do Papa Francisco para o orgulho argentino. Acontece que, sem o brilho do talento de Messi, isto é quase impossível.
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Fred e a pureza da alma
Depois das singelas declarações de Fred, jurando que sofreu falta no lance polêmico da partida contra a Croácia, começo a achar que ele merece o troféu de anjo querubim da Copa. Todas as imagens mostram que ele foi tocado pelo zagueiro, mas não com a força suficiente para que tivesse aquela queda teatral. Foi a interpretação que convenceu Nishimura a apontar a marca fatal. O esbarrão é comum dentro e fora da grande área, afinal o futebol é um esporte de contato físico. Se todo choque dentro da grande área for interpretado como ilegal, o jogo se transformará num desfile de penalidades máximas.
É verdade que a Fifa recomendou aos árbitros punir os agarrões na área, mas desde que configurem impedimento ao prosseguimento da jogada. O simples choque ou toque nos ombros não pode ser demonizado, sob pena de acabar com a carreira de todos os zagueiros do mundo.
Por outro lado, o erro cometido pelo árbitro japonês não pode virar cavalo de batalha para a imprensa internacional botar pilha nos demais apitadores. Tabloides ingleses foram ácidos como sempre. O Olé! não deixou barato: “Começaram roubando”, sentenciou na manchete, afirmação corajosa para o jornal de um país que já ganhou Copa do Mundo graças à “mão de Deus”.
Felipão foi na ferida ao lembrar que essa gritaria tem o objetivo de botar pressão nas arbitragens, principalmente contra o Brasil.
Velho recurso de técnicos matreiros, a crítica aos árbitros costuma ter efeitos devastadores em competições de tiro curto. Duvido que no próximo jogo, contra o México, o árbitro não entre com a orientação de evitar marcar pênalti favorável ao Brasil. Normal. A Fifa foge de situações polêmicas como o diabo da cruz, embora viva se envolvendo em rolos.
De mais a mais, a considerar os desaforos proferidos pelo técnico croata após a derrota de quinta-feira, a intenção dele era brigar pelo título. Parecia estar convencido de que a Copa seria ganha com um pé nas costas, tamanha a revolta com um erro que é lamentável, mas acontece frequentemente, inclusive nas decisões da Champions League.
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As diferentes faces da Copa
A caminho de Fortaleza para acompanhar Brasil x México, ocorreu-me a lembrança das andanças pela Alemanha e África do Sul nas Copas passadas. Muita coisa mudou, afinal estamos em solo pátrio, onde tudo é familiar e mais cômodo. A começar pela questão da língua. Nesses dois países, porém, tive a oportunidade de observar as reações em relação à conquista do título mundial. Nos alemães, foi fácil perceber que o ar contido apenas disfarçava a confiança num desfecho favorável, apesar do time ser muito verde e inspirar pouco entusiasmo. Aliás, de certa forma, o atual Brasil é muito parecido – até na juventude – com aquele time em formação que Klinsmann comandou em 2006.
Na África do Sul de Mandela, a situação era inteiramente diferente. Os moradores, de perfil que lembra muito o dos brasileiros, não estavam pensando em conquistar nada. Queriam apenas confraternizar e receber bem os visitantes. Não levaram a Copa, como já se sabia, mas foram vitoriosos no objetivo grandioso de abrir seu país ao mundo. De certa maneira, foram mais felizes que os alemães – também extremamente receptivos com os forasteiros – nessa missão.
Ainda fico a imaginar que os verdadeiros objetivos dos grandes eventos populares é fazer com que as pessoas, dos mais diversos lugares e origens, se conheçam. Hoje eu sei que a Copa será ganha pelos que entenderem o real sentido desse compromisso.
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Kaiser na mira da Fifa
Para espanto de muitos, inclusive deste escriba, a Comissão de Ética da Fifa divulgou que Franz Beckenbauer está suspenso por 90 dias de qualquer atividade relacionada com o futebol. Ele teria se recusado a colaborar com investigações movidas pela comissão. Negou-se a contribuir para elucidar determinadas denúncias. Soou estranho que um dos grandes personagens do futebol em todos os tempos esteja sob a mira da Fifa e, evidentemente, sob suspeita.
Lembro do Kaiser disputando um jogo quase inteiro com uma tipóia no braço. Não era um jogo qualquer, era a semifinal da Copa de 70, contra a forte Itália. Mesmo combalido, Beckenbauer atuou até o fim, corajosa e estoicamente. A Alemanha foi eliminada depois de um embate duríssimo, um dos mais renhidos de todas as Copas, mas aquele volante de passe primoroso entrou para a história. Nos anos seguintes, ganhou a Copa e o respeito de todos pelo comportamento sempre exemplar. O novo capítulo destoa por completo da biografia imaculada do craque.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO deste domingo, 15)