A vida é pra rir, chorar, lamber os beiços

Por André Forastieri

Durante muitos anos, na nossa Sexta-feira Santa era religioso comer bacalhau. Meu pai montava a bacalhoada. Eu ajudava.

Aprendi com ele. Tem que comprar lombo do bom. Dessalgar direito. Fazer um refogado antes, pra misturar com os ingredientes. A piscina de azeite causava revolta na minha mãe, mas é obrigatória.

Uma das últimas coisas legais que fizemos juntos, semanas antes do meu pai morrer, foi montar uma bacalhoada. Tenho as fotos. Nunca mais eu montei uma. Sozinho, não tem graça.

João Carlos gostava tanto de bacalhau, que uma vez inventou de emagrecer fazendo uma dieta de bacalhau. Comia bacalhoada toda noite. Dizia que era um prato leve, porque ele fazia com pouco bacalhau, e muitos legumes. Não emagreceu nada, mas se divertiu pra caramba. 

Também aprendi a fazer esse tipo de bobagem com ele. 

A VIDA É DOCE

Se você é criança, a coisa mais legal da Páscoa é procurar aqueles ovinhos de chocolate embrulhados em papel colorido brilhante, escondidos em lugares estrambóticos.
Se você é adulto, é esconder esses ovinhos pra molecada procurar, e assistir eles se esfalfando pra encontrar todos, e depois se lambuzarem até.

Em várias Páscoas que passei viajando, longe dos meus pais – quase todas as últimas em que eles viviam – meu pai sempre me dava antes uma caixona de isopôr, cheia de ovinhos de chocolate. Para eu esconder onde quer que a gente fosse passar a Páscoa, e meu filho e seus amigos procurarem.
Agora não tenho mais pais, e meu filho tá muito grande pra procurar ovinho de chocolate.

Fica o quê? O sabor doce de momentos felizes que jamais voltarão.

A VIDA É SACRIFÍCIO
Depois de sexo, chocolate é a melhor coisa do mundo, dizia meu velho. Graças à serotonina e à feniletilamina, o hormônio da paixão. 

Meu pai aprendeu com um professor na faculdade, lá nos anos 50-60: a Medicina é uma área da Bioquímica. Quanto mais trabalhou como médico, mais concordava com seu velho professor.

Tinha uma visão de médico da vida. Sangue, hormônios, tripas, fluidos variados. Sexo!

Pesach é a festa em que os judeus celebram a libertação do jugo egípcio. É uma festa de renascimento, que é o que vem depois da morte. Pra quem acredita nessas coisas, não eu.
A Páscoa é a versão cristã. Jesus é o cordeiro que se sacrifica pelos pecados da humanidade. Morre e renasce.
A turma antigamente gostava desse negócio de sacrifício. Era um tal de matar cordeiro, boi, porco, até gente, pros deuses de antão. Até o filho de deus!
Então era assim. Na sexta, bacalhau, mas pro almoço de domingo a tradição é assar e comer um leitãozinho. Com salada, arroz, coradas e vinho. E, de sobremesa, mais chocolate. Que, claro, o neto já estava devorando desde manhã cedo.
Era assim que a gente fazia. A la mediterrânea: trágico, cômico, santo, profano. Tudo, todas as emoções na mesa.

Essa vida acabou. Mas…

A VIDA É MUDANÇA

A Páscoa, o Pesach não é só dos judeus e dos cristãos. Era e é celebrada por um monte de povos que não têm nada a ver com o Oriente Médio, claro.
Estas festas são determinadas a partir do Equinócio da Primavera. Era quando todo o povo do hemisfério Norte respirava aliviado.
Ufa, atravessamos razoavelmente ilesos mais um inverno! Tudo morreu. Mas a gente tá vivo! Ou pelo menos, a maioria de nós. E então a natureza renasce, o verde volta, as flores brotam. Um dia quero passar essa virada no Japão, para ver o florescer das cerejeiras.

Escrevi anos atrás: “Para nós que não temos fé, o sentido da morte é a vida. É minha convicção profunda de que o fim será definitivo que torna a vida tão preciosa, sua fruição premente, seu significado sagrado.”
Aqui no Brasil, no Sul, é o contrário. Em março começa o outono. Aqui, a primavera começa em setembro.
Vamos combinar que agora é primavera também aqui, hora de dar adeus à morte, e dar um oi bem simpático à vida que vem. O ciclo reinicia. Sabendo que a nova vida vem, inevitavelmente com mudanças.
E uma parte crucial de lidar com estas mudanças é olhar para trás. Sem rancor. Para poder olhar para frente – com humor e amor.

(Escrevi a primeira versão deste texto em 2019, embalado pela morte dos meus pais. Sempre que chega a Páscoa a saudade deles aperta. Que a sua seja doce. E se os seus estiverem por aqui, lembre de dar uma passada, ou uma ligadinha…)

Rock na madrugada – Willie Nelson, “On The Road Again”

POR GERSON NOGUEIRA

Willie Nelson é um monstro sagrado do country rock norte-americano, fugindo ao perfil cafona que molda os músicos do gênero. Texano de nascimento, adotou desde o começo da carreira uma atitude rebelde, quase fora da lei. O estilo despojado de compor abarca desde paisagens de beira de estrada, como neste clássico “On The Road Again” (Na estrada novamente), de 1980, até temas mais intimistas e sacanas (“Blue Eyes Crying in the Rain”). Parceiro de pesos pesados como Johnny Cash e Kris Kristofferson, Willie estrelou vários filmes na longeva carreira.

O espírito indomável de Willie Nelson segue quebrando barreiras com posicionamentos firmes tanto na política quanto nos costumes. Tornou-se, já coroa, o ativista pró-maconha mais visível e destemido da América, com direito a um surpreendente dueto musical com o rapper Snoop Dogg, um dos maconheiros mais famosos dos EUA.

Poeta, compositor, ativista, escritor e guitarrista, Willie tem 90 anos e vive hoje excursionando com a Family Nelson, banda formada por cinco de seus filhos.

Morínigo (de novo) faz a diferença

POR GERSON NOGUEIRA

Foi praticamente o mesmo cenário visto no jogo com o Amazonas, quando o Remo saiu de um 1º tempo pavoroso para um resultado consagrador na segunda etapa. Ontem à noite, no estádio Jornalista Edgar Proença, na semifinal contra a Tuna, o time azulino foi dispersivo na parte inicial. Sofreu um gol e só foi reverter depois do intervalo por interferência direta do técnico Gustavo Morínigo.

Logo nos primeiros minutos, a Lusa surpreendeu com uma postura mais ofensiva. Chegou a rondar a área remista e levou perigo em tentativas contra o arco defendido por Marcelo Rangel. O Remo trocava passes improdutivos no seu próprio campo, deixando o torcedor irritado e abrindo espaço para as investidas do adversário.

Aos 16 minutos, no primeiro ataque mais organizado e agudo, a Águia Guerreira chegou ao gol. Em contra-ataque rápido, o meia Germano recebeu a bola na esquerda e cruzou rasteiro para a finalização de Jayme, que apareceu entre os zagueiros do Remo.

Em vantagem, a Tuna passou a tocar a bola com rapidez, não permitindo ao Remo se recompor. Atenta à desarrumação defensiva do adversário, o ataque tunante seguiu buscando o segundo gol. Gabriel Furtado aparecia constantemente junto à área azulina tentando finalizar. Um dos momentos de maior perigo foi quando cruzou recuado para Chula. O centroavante pegou de primeira, mas Marcelo Rangel defendeu bem.

Echaporã mandou um chute forte, que gerou um rebote do goleiro Iago Hass, mas Sillas não conseguiu aproveitar. Aos 34’, Matheus Anjos cobrou escanteio e Ligger cabeceou com muito perigo. Na reta final, Sillas entrou driblando na área cruzmaltina e foi parado com falta pelo zagueiro Dedé. Pênalti não assinalado pelo árbitro.

No intervalo, Gustavo Morínigo alterou a configuração do meio, com a entrada de Pavani no lugar de Henrique e de Kelvin na vaga de Echaporã, que teve atuação discreta. A mudança surtiu efeito imediato, o Remo passou a marcar no campo de defesa tunante e a adotar uma postura mais agressiva nos avanços pelas laterais.

Aos 6 minutos, em arrancada pela direita do ataque, Kelvin se livrou da marcação e cruzou da risca da linha de fundo para Ytalo cabecear e empatar a partida. Aos 12’, o atacante entrou de novo na área e desviou cruzamento de cabeça, mas Iago Hass defendeu.

A partir daí, o Remo passou a controlar a partida, sempre ocupando a intermediária cruzmaltina. Aos 21, Kelvin disputou bola com a zaga e caiu na área. O árbitro entendeu como simulação e recebeu cartão amarelo. Aos 33 minutos, Sillas foi até a linha de fundo e cruzou em direção à área. A bola resvalou no braço do volante Renan e o pênalti foi marcado. O próprio Sillas cobrou e virou o placar: Remo 2 a 1.

O Leão continuou melhor, principalmente com Marco Antonio e Paulinho Curuá em campo, dando mais segurança ao setor de meio-campo. Em busca do empate, a Tuna tentou pressionar, mas o desgaste físico falou mais alto. A defesa do Remo, já com Bruno Bispo substituindo Ligger (lesionado), resistiu bem, não dando nenhuma chance.

O confronto de volta será no próximo domingo, às 17h, no Mangueirão. O Remo joga por um empate para se garantir na final do Parazão.

Mbappé, um astro sob fogo cruzado na França

A nova geração de astros da bola não atravessa um bom momento. No Brasil, Neymar é quase uma unanimidade negativa, pelo comportamento dentro e fora de campo. Vinha atuando tão mal que sua ausência, causada por lesão, significou até um reforço para o time.

Na França, o problema envolve Kylian Mbappé, craque da seleção e um dos melhores jogadores da atualidade. Desde que ganhou a braçadeira de capitão, passou a sofrer críticas pelas atitudes em campo em relação às arbitragens e aos próprios colegas de equipe.

Um campeão de 1998, Christophe Dugarry, considerou “deplorável” o comportamento de Mbappé como capitão. Na opinião dele, o camisa 10 parece não ter entendido o real significado da função.

Dugarry também atacou o jovem astro por supostamente “andar em campo” em certas partidas, procurando escolher alguns grandes jogos para mostrar seu talento.

“Mostrar uma atitude tão deplorável em duas partidas, acho anormal. Não tira em nada suas imensas qualidades, mas quando você é capitão, você tem que ser irrepreensível”, afirma Dugarry.

No plano tático, Dugarry questiona o posicionamento do craque. “Estamos habituados a um Mbappé que anda, que não quer voltar, que não se preocupa com a parte defensiva. Aqui temos absolutamente um Mbappé que não liga. Obviamente ele escolhe seus jogos”.

Na opinião dele, capitães não podem se dar ao luxo de relaxar, precisam dar exemplo de comprometimento. Apontou os dois amistosos recentes da França como exemplo da postura de Mbappé. Foi mal contra a Alemanha, que venceu por 2 a 0, e passou em branco na vitória por 3 a 2 sobre o Chile.

Apesar de compreensível o desapontamento de Dugarry, entendo que Mbappé é um dos melhores jogadores de todos os tempos na França. Não vejo também a braçadeira de capitão como uma imposição para jogar sempre bem. Astros como ele podem, de vez em quando, relaxar. É saudável e humano.

Da cobertura da Copa do Qatar, guardo como recordação mais forte a estupenda participação de Mbappé em quase todos os jogos e, acima de tudo, na brilhante atuação diante da Argentina na decisão. Fez três gols e faria o quarto – e do título – caso o árbitro não tivesse impedido o ataque fulminante no minuto final da prorrogação. 

Mbappé, campeão em 2018 na Copa da Rússia, é um jovem craque. Tem muito a amadurecer, mas é valioso demais para ser cornetado, até mesmo por um outro campeão.

(Coluna publicada na edição do Bola desta sexta-feira, 29)