É de espantar como o assunto ainda provoca rebuliço às vésperas de um confronto decisivo. De vez em quando, aparece por aqui um treinador dado a estratégias, que estabelece o mistério como trunfo para ludibriar o adversário, como se fosse a última novidade do esporte bretão e sob um manto de seriedade capaz de convencer almas incautas.
Claro que os treinamentos devem ser reservados, a fim de garantir a necessária tranqüilidade ao processo de ajustes táticos e definição dos titulares. Enfim, coisas absolutamente normais e corriqueiras da preparação para jogos importantes.
O problema é acreditar que treinos secretos têm o condão de assegurar vitórias consagradoras. Há quatro ou cinco décadas, talvez desse certo, pois os veículos de comunicação tinham precário alcance e a ferramenta mais eficaz era o rádio.
Nos dias de hoje, sob as asas da revolução digital, qualquer pretensão no sentido do sigilo absoluto soa ridícula. Aglomerações – seja uma passeata ou um treino de futebol – atraem hordas de curiosos munidos de celulares que captam imagens com excelente resolução e micro-câmeras que permitem espionar praticamente tudo que se mova sob o sol. Deixemos de ilusões: todo mundo hoje é um repórter fotográfico em potencial.
Sempre que alguém chega anunciando que haverá um treino secreto, minha reação é de decepção com quem acredita nesse tipo de lorota. Elba de Pádua Lima (Tim), Gradim, Gentil Cardoso, Carlos Froner, Oswaldo Brandão e outros ilustres treinadores da velha guarda falavam, de vez em quando, em armar arapucas para os oponentes com táticas ensaiadas durante a semana. E até funcionava, afinal eram tempos românticos, pré-internet e twitter. Hoje, sinceramente, não há como dar certo. A não ser que o tal treino seja realizado num abrigo anti-nuclear.
Por outro lado, desde 1974 não se tem notícias de revoluções no futebol. Naquele ano, Rinus Michels e Johan Cruyff inauguraram o conceito do “carrossel holandês” na célebre Laranja Mecânica. Não conquistaram o título mundial, mas legaram ao jogo noções absolutamente novas de marcação e posicionamento em campo. Dali por diante, o futebol mergulhou nas trevas da retranca e do anti-jogo. O exuberante estilo do Barcelona é a exceção que confirma a regra.
O Paissandu, que tem se metido a fazer alguns coletivos e exercícios táticos longe dos olhos da torcida, tem tudo para ganhar o tricampeonato. Está descansado, tem elenco tecnicamente mais qualificado, nenhum desfalque e faz o segundo jogo em casa.
Por tudo isso, espero que, no fim das contas, a possível conquista não seja creditada aos efeitos miraculosos dos tais treinos secretos. Seria desdenhar da inteligência do torcedor.
(Coluna publicada na edição do Bola/DIÁRIO desta sexta-feira, 17)