
POR GERSON NOGUEIRA
Há sempre um lugar no mundo que mexe com a gente, que deixa raízes, que faz com que a breve passagem se eternize em nossos corações e mentes. Deve ser predestinação, algo assim. Nos últimos dez anos, estive numa porção de recantos e três deles são particularmente vivos em minha memória. (Como se sabe, a lembrança é seletiva, priorizando o que agradou aos nossos sentidos). Durante os 50 dias perambulando pela Alemanha, no trabalho assaz agradável de cobrir a Copa do Mundo, conheci cidades e lugarejos dos mais diferentes tamanhos e características.
Apesar da brutal distância imposta pela língua e pela cultura, fiquei bastante tocado pelo que vivenciei em Leverkusen, Munique e Colonia. Modernas e sedutoras cidades – limpas, arejadas, luminosas e verdes, muito verdes. Já me referi a elas em outros momentos aqui no blog, que pretende ser uma espécie de diário de bordo de minhas experiências profissionais e viagens pelo mundo.

Em Leverkusen (foto acima), cidade aprazível e de pequeno porte (161 mil habitantes), ao lado de nosso hotelzinho de perfil familiar, onde até os vigias eram parentes do proprietário, havia um restaurante croata de cozinha impecável. Sabores, aromas, ambiência, serviço, astral. Enfim, tudo conspirando no sentido de fazer do lugar um espaço aconchegante, que exigia novas visitas.
Talvez por isso íamos lá todas as noites. Reinaldo Furlan, da Rádio Paiquerê (PR), Tommaso e eu. O prato, invariavelmente, era o mesmo: Cordon Bleu. Um filé suíno sem gordura e acumpliciado de um molho branco, com ervas e talharim. Manjar dos deuses. Se pudesse, embalava para trazer na viagem quando voltamos ao Brasil. Jurei que um dia volto lá só para matar a saudade do Cordon Bleu.
Bosques, sacadas, hortas, jardins e praças tornam a Alemanha absolutamente verde. É claro que o Partido Verde só podia ter nascido lá. Até as agências bancárias contam com áreas inteiras de descanso repletas de plantas e flores. Cenário inimaginável para um caboclo do Pará que julgava ser o Primeiro Mundo um lugar deserto, poluído e inóspito.

De Colônia guardo a recordação de ter levado um susto em frente à Catedral gótica, símbolo da cidade e referência visual para quem chega. No portão principal há uma placa informando que a segunda reforma da igreja foi concluída em 1200 e lá vai poeira. Por instantes fiquei a matutar sobre a insustentável leveza do ser e outras filosofices, lembrando que o nosso Brasil ainda nem sonhava em ser descoberto quando os alemães já reformavam sua imponente igreja.
Além do perfume – a célebre Água de Colônia 4711, criada há dois séculos – que faz sua fama mundo afora, Colônia é a maior cidade do estado de Renânia do Norte-Vestfália, no oeste da Alemanha. Com 157 metros de altura, a catedral tem torres que podem ser avistadas. A área interna tem 6.900 metros quadrados abrigando cinco naves e sete capelas, adornadas por 10 mil metros de vitrais deslumbrantes. Banhada pelo rio Reno, a cidade é grande, tem mais de 1 milhão de habitantes, ruas festivamente arborizadas e recebe visitantes do mundo todo.
Enquanto os jogos se desenrolavam e o Brasil ia enganando com aquele falso time dos sonhos (Ronaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos, Cacá e Adriano), mal ajambrado pelo Parreira, a gente aproveitava para conhecer alguns dos segredos da terra de Beethoven. Procurei valorizar a parte não badalada pelos folhetos turísticos e guardei distância dos museus dos campos de concentração, conservados como história a não ser repetida.

Nessas andanças, quase ao final da Copa, com o Brasil já nocauteado pela França de Zidane, fomos visitar uma das maiores cervejarias de Munique, a Hofbräuhaus, ou simplesmente HB, que é a mais popular e conhecida da cidade. Abre todos os dias e está sempre apinhada de gente. Em 1920, aconteceu na HB o primeiro evento da patota do futuro ditador, que fez então seu discurso de apresentação do “programa de 25 pontos”, com as diretrizes do partido nazi. Na II Guerra, ela foi totalmente destruída, sendo reconstruída em 1958.

Após o impacto causado pelo suntuoso salão interno da cervejaria, com seus lustres e arabescos, os garçons apresentam a carta de cervejas. Tem de tudo, desde a tradicional clara (chamada Original ou Helles, a de trigo (Weißbier) e até a escura (de malte, Dunkel). Há também cerveja sem álcool e cerveja light (a Weiße leicht). Para jantar, joelho de porco, salsichas diversas e saladas de batata. Aliás, através deste link, pode-se ver o menu em inglês com os preços e, neste outro link, o cardápio em alemão.
Ainda sobre a história da HB, os quadros na parede contam que ela foi fundada em 1589 pelo duque William V da Baviera, para usufruto apenas da realeza. Apenas em 1828 a cervejaria foi aberta à plebe, por ordem do rei Luís I (o Ludwig I, cujo casamento originou a hoje famosa Oktoberfest). Generoso, ele mandou reduzir os preços a fim de que todos tivessem acesso à HB. Sábia providência.

Guerreiro, Castilho, Cláudio Guimarães, Carlos Estácio e eu nos esbaldamos no chope alemão servido em canecas de um litro. Sempre meticuloso, o bragantino Cláudio deu um jeito de comprar uma das canecas e trazer na mala para o Brasil. O programa teve como trilha sonora música alemã e a algazarra da babel de torcedores (ingleses, argentinos e franceses, principalmente). Tudo sob a consultoria permanente de um garçom português, que havia morado no Rio de Janeiro, que nos atendeu com fidalguia, informando pacientemente os segredos do inexpugnável cardápio da cervejaria.
Tudo isso aconteceu há dez anos, mas parece ainda que foi ontem. Não posso deixar de registrar o comentário de Ivo Amaral, que também estava hospedado em Munique e de vez em quando saía com a gente. Segundo o nosso Camisa 10, a Copa do Mundo é sempre um evento maravilhoso, o que atrapalha são os jogos. Quanto àquele mundial, especificamente, tenho que concordar com ele.