Trump: o medo venceu a esperança

POR PEDRO VERÍSSIMO, no site UmaCascaDeNoz

A política é regida por afetos. Primeiro foi Hobbes que com o Leviatã nos falou do medo como uma espécie de “cola social”. Esse estado hobbesiano estaria em latência, o que justificaria o poder absoluto do Estado soberano, que tinha o monopólio da violência, operando no medo de que, se ele sair, a guerra de todos contra todos voltaria. Depois pensou Spinoza que, se o medo é “uma tristeza instável, surgida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cuja realização temos alguma dúvida” (2013, p.144), ele não poderia aparecer sozinho. A esperança, uma alegria surgida de uma ideia futura, surge como sua dupla. Medo e esperança, dois afetos que por um bom tempo foram suficientes para explicar as relações políticas entre povo e soberano. Mas foi Freud quem melhor compreendeu – penso eu – essa relação. Ele inseriu na conta, claro que sem excluir os demais, o “amparo”.

proxy-1

Pensando sempre em relações verticais, os vínculos políticos e sociais sempre partem da identificação e não da pura submissão. O mecanismo consiste na lembrança constante de que o desamparo é uma possibilidade. Uma conhecida piada – li num desses livros do Žižek – conta que a República Tcheca era o paraíso por três motivos: 1º – sempre faltava algo (carne, leite etc). Assim era possível dizer: “Hoje falta isso, se não fosse seria perfeito”. 2º – Sempre tinha alguém para culpar: “esses burocratas do partido!”. 3º – Sempre tinha um lugar melhor: “O ocidente é diferente…”. Ou seja, a esperança e a possibilidade de um amparo pleno cumpriam um importante papel social.

Trump conseguiu muito bem articular esses afetos e ser o escolhido para “amparar” a população dos EUA. Mais uma vez, Freud nos dá elementos para entender um pouco melhor essa relação que se construiu com a maioria do eleitorado estadunidense:

Como a massa não tem dúvidas quanto ao que é verdadeiro ou falso, e tem consciência da sua enorme força, ela é, ao mesmo tempo, intolerante e crente na autoridade. Ela respeita a força, e deixa-se influenciar apenas moderadamente pela bondade, que para ela é uma espécie de fraqueza. O que ela exige de seus heróis é fortaleza, até mesmo violência. Quer ser dominada e oprimida, quer temer os seus senhores. No fundo inteiramente conservadora, tem profunda aversão a todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição. (FREUD, 2011, p.27)

As necessidades da massa a tornam receptiva ao líder, mas esse precisa corresponder a ela com suas características pessoais. Ele próprio tem que estar fascinado por uma forte crença (numa ideia), para despertar crença na massa. (Idem, p.30)

Explicado o “teatro”, o que mais importa é entender porque isso acontece. Primeiro é necessário admitir que o governo Obama avançou pouco e que Hillary já não era opção em 2008, quando perdeu as prévias para Obama, e que tampouco seria agora. Mas é bem verdade que o pensamento conservador vem ganhando espaço no mundo. Pierre Dardot e Christian Laval em “A nova razão do mundo” (2016) nos dão um indicador importante para entender esse fenômeno, que é o apelo ao “sucesso” do sujeito “empresa de si” no neoliberalismo, que além de criar sujeitos cada vez mais individuais sob a lógica da concorrência do todos contra todos (impossível não lembrar do estado de natureza que fala Hobbes), supervaloriza os cases de superação, do sucesso pelo mérito. O neoliberalismo criou uma nova racionalidade. Também por isso encontramos sem grandes dificuldades os tais “políticos não políticos”. Soma-se a isso as crises econômicas, cíclicas no capitalismo, que reforçam o medo, cada vez mais constante, e as ideias mais conservadoras, de preservação do status quo, criando uma barreira, muitas vezes física como propõe Trump, aos imigrantes, às alternativas políticas libertárias etc. E Trump é a garantia do não “Evento”, da preservação mais cruel do “estilo de vida americano” com base no medo, no ódio e, como não poderia deixar de ser, na incerteza do desamparo.

Deixe uma resposta