A ofensiva contra Alexandre de Moraes não se deve aos seus defeitos, mas ao seu papel de âncora da democracia contra o golpismo

Por Luis Nassif, no Jornal GGN
Está na hora dos veículos de imprensa se debruçarem sobre um código de ética mínimo. Tem-se um modelo de jornalismo que está sendo destruído pelas redes sociais, pelas informações desestruturadas, pelas fake news, pela irresponsabilidade no uso do off e dos assassinatos de reputação.
Mas insiste-se em combater esse desgaste recorrendo ao mesmo estilo irresponsável das redes sociais, sem nenhum compromisso com dados, com fontes, com fatos, apenas atrás de likes. E a falta de compromissos com a lógica e com os fatos é meio caminho andado para o exercício do lobby.
É o que faz Malu Gaspar, com o seu Watergate que acabou no Irajá, agora sacrificando a reputação de um funcionário de carreira do Banco Central com base em deduções superficiais, que comprometem até a medula a reputação do jornalismo.
Aqui, sua última versão. Não mais a de que a convocação do Diretor de Fiscalização do Banco Central para uma acareação com um diretor do BRB, visava intimidá-lo. Na última versão, o diretor de fiscalização passa a ser cúmplice do Banco Master em uma jogada articulada pelos advogados do Master.
Vamos aplicar o método Malu Gaspar para interpretar o jornalismo de Malu Gaspar.
- A tese que se espalhou pelas redes é que a ofensiva contra Alexandre de Moraes é comandada por coronéis da Faria Lima, justamente para reduzir a ofensiva da PF sobre os crimes cometidos por instituições de lá.
- Pela legislação (Lei 4.595, Lei 13.506/2017 e normas do CMN), o BC tem o dever legal de comunicar o Ministério Público quando surgem indícios de crime, compartilhar informações com PF e MPF mediante requisição ou cooperação formal.
- Portanto, foi o trabalho da Diretoria de Fiscalização que permitiu a Operação Colossus – a primeira ofensiva séria da Polícia Federal sobre a máquina de lavar dinheiro da Faria Lima.
- Estender os ataques à Difis (Diretoria de Fiscalização do BC) se encaixa bem nessa estratégia.
Uma cobertura jornalística é interessante pelas informações que traz, e também pelas intenções que sugere. Uma denúncia é furo. Sua repetição por uma ou duas vezes, é repercussão. A insistência em esquentar a denúncia inicial, com base em fontes discutíveis, e espalhar a campanha por todos os veículos da organização, é conspiração.
Não há a menor dúvida de uma ação articulada para derrubar Alexandre de Moraes, na qual a Globo colocou seu batalhão conhecido: Malu (Globo e Globonews), Carlos Alberto Sardenberg (na CBN), inclusive acenando com a possibilidade de um impeachment – em cima de uma notícia sem fontes e sem provas. Montar uma campanha dessa amplitude, sem checar as informações, demonstra uma intenção política explícita.

A INACREDITÁVEL EQUIPARAÇÃO AO CASO WATERGATE
O caso Malu Gaspar deflagrou uma discussão curiosa sobre princípios do jornalismo e da reportagem. Até a, em geral, prudente ombudsman da Folha embarcou na retórica das falsas analogias.
Diz ela, citando um colega:
- Jornalista não precisa apresentar provas, isto é papel da Justiça. Está correta.
- Watergate começou com uma denúncia sem provas e, com o tempo, resultou na queda de Nixon.
Qual a lógica dela? Como tanto Watergate quanto o caso Malu Gaspar têm em comum a não apresentação (inicial) de provas, logo, as denúncias de Malu têm tanto peso quanto às de Watergate. Tenha a santa paciência!
Poderia ter recorrido a uma comparação mais caseira: a Lava Jato, da qual Malu Gaspar foi uma das principais porta-vozes. A maioria das denúncias da Lava Jato não vinha acompanhada de provas ou, no máximo, vinha com provas plantadas. Grande parte se revelou falsa e, mesmo assim, foi endossada pela mídia. Logo…
Malu trouxe uma informação concreta: o contrato do escritório da família de Alexandre de Moraes com o Banco Master. Não bastou. Trouxe, então, um reforço: a suposta interferência de Moraes no BC, na forma de 4 telefonemas e uma reunião presencial com o presidente do BC, Gabriel Galípolo, para supostamente tentar reverter a decisão do BC, de liquidar o Master.
O contrato advocatício atenta contra a ética. A suposta interferência direta do ministro pode ser enquadrada em crime. Justamente por isso exigiria um conjunto de evidências que fortalecesse a versão apresentada.
Qual a evidência? A informação vaga de que se baseara em 5 fontes do mercado e uma do Banco Central. Logo em seguida duas colegas, de outros jornais, soltaram a mesma denúncia, baseada nas mesmas fontes.
Na era do WhatsApp, basta uma pessoa chegar em um grupo e dar uma informação sensível. Imediatamente todas as pessoas do grupo passam a deter a tal informação. Apenas uma supostamente teve acesso à fonte original. Mas todas as 6, agora, têm a informação.
Ainda mais sabendo que um dos recursos de impacto da jornalista, em suas notas, sempre foi a de usar fontes individuais de forma genérica, um estilo que acaba permitindo que uma mera nota irrelevante, de repente, ganhe peso jornalístico aos olhos do leigo . Ficou famosa a série de “tal medida provocou mal-estar nos militares”, como se o sentimento fosse de todos os militares.
Por exemplo, há uma divisão no STF entre dois grupos, cisão conhecida. O título da nota será : “Decisão de Moraes causa mal estar no Supremo”. E, aí, ingressa-se em um estilo peculiar de caça-likes, que consiste em esquentar informações secundárias.
Não apenas isso.
Outro indicador da parcialidade da mídia – e de repórteres – é a seletividade das denúncias.
Vamos a dois casos emblemáticos:
- O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Jhonatan de Jesus, indicado pelo PL, questionou diretamente o Banco Central, pediu informações detalhadas em 72 horas, para comprovar se o Master não poderia ter sido salvo via mercado. Intenção óbvia de tentar uma reversão da liquidação. Repercussão mínima na imprensa.
- O ministro Dias Toffoli convoca o diretor de fiscalização do BC e um diretor do BRB para esclarecer a demora do BC em impedir as aventuras do Master. Nenhum indício de que tentaria reverter a liquidação do banco. Mas soltam balões de ensaio, dizendo que Toffoli pretenderia ressuscitar o Master, gerando um sem-número de protestos em cima do nada.
O ponto central a ser esclarecido não são as circunstâncias da liquidação do Master, mas a razão do BC ter demorado tanto tempo para liquidar a instituição – e aí se remete ao período de Roberto Campos Neto. Gabriel Galípolo cumpriu seu papel, enviando os inquéritos para o Ministério Público Federal.
Mas desde 2019 havia sinais de que o Master era uma pirâmide. E os golpes não se limitaram aos fundos municipais de previdência, ou à constituição de ativos falsos para rechear seus fundos. O mercado sabia que era um golpe, mas grandes instituições lucraram muito colocando os papéis do Master no mercado. Colocavam as cotas dos fundos, recebiam suas taxas de corretagem e os clientes que explodissem mais à frente.
E aí se volta às denúncias seletivas. Nada se fala sobre os volumes expressivos de títulos do Master vendidos pela XP e pelo BTG. Nada se fala sobre a paralisação dos processos do Master no Banco Central.
Pouquíssimo se falou sobre o envolvimento de Campos Neto com operações de lavagem de dinheiro, quando presidia a Tesouraria do Santander e, depois, como presidente do BC, sobre as normas que adotou para flexibilizar o mercado, abrindo espaço para a enorme zorra posterior.
A ofensiva contra Alexandre de Moraes não se deve aos seus defeitos, mas ao seu papel de âncora da democracia contra o golpismo, e um dos aríetes do STF para deslindar a mais ampla teia de corrupção já instalada no país: o sistema de lavagem de dinheiro incrustado na Faria Lima. E as reações não vêm só do sistema lavajatista.
Pelo visto, André Esteves, um dos donos do país, aprendeu bem com seu antecessor, Daniel Dantas: não basta cooptar a mídia mainstream.