
Por Edyr Augusto
Edyr Paiva Proença nasceu em 19 de maio de 1920 e faleceu 78 anos depois, em 5 de maio. Filho de Edgar de Campos Proença e Celina Paiva Proença, teve uma irmã, Celia. Sua primeira casa era na São Mateus, hoje mais conhecida por Padre Eutíquio. Foi moleque normal, quase perdendo a vista certa vez de tanto empinar papagaios e olhar para o sol. Magro, bem magro, fez regata, voleibol e basquete, nem todos no Clube do Remo. Sem vez no time principal azulino, foi convidado a atuar no Julio Cesar. O velho Edgar proibiu. Mesmo assim, às escondidas, jogou e foi campeão. No ano seguinte, titular no Remo. O futebol era nas peladas em quintais. Fez CPOR no Exército e tocava pandeiro ou violão no Bando da Estrela, um regional, como era chamado, com violões, cavaquinho e percussão. A “Estrela” era minha mãe, então, Celeste Camarão. Formou-se em Direito, mas já estava na área esportiva da PRC5. Tenho uma foto dele, microfone à mão, como “ponta de gol”, talvez no Estádio do Souza. Já estava também nos jornais e na Assessoria de Imprensa do Banco da Amazônia. Aprendeu com os craques da época, lembrava sempre de Santana Marques. Casou. Vieram os filhos. Ficou sério. Três empregos. Bocas para alimentar, gente para educar. Guardou o violão. “O tempo passa, a barba cresce”, era o slogan do patrocinador das jornadas esportivas Gillete Azul. Tempos duros. As equipes do Pará jogavam em Fortaleza. Transmitiam, se esgoelavam, pegavam chuva e depois o telegrama dizia que o som não havia chegado. Lembro dele narrando e eu ao lado, roubando mentas do comentarista Grimoaldo Soares. Cresci aprendendo a compreender o jogo. Ele passou a comentarista. Na volta para casa, debatia, às vezes, tolamente, com minha inexperiência. O jogo acabava, os radialistas eram os últimos a sair. Formavam uma grande roda e conversavam, riam. Meu pai contava as piadas. Ali não estava mais o comentarista equilibrado, que dosava as palavras e sim um contador de causos maravilhoso em gestos, melodia da voz, toques nos próximos e grand finales, todos gargalhando. Líamos todos os jornais que ele levava para casa, recomendando Nelson Rodrigues, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga e outros maravilhosos. Agora o acompanhava também nas peladas. Turma sensacional. Que aprendizado. Às vezes me deixava jogar uns cinco minutos finais, para aprender. Depois vinha um banho em uma queda d’água e na volta já estava dormindo. Fomos ao Rio de Janeiro. Eu para férias, ele para transmitir Santos x Milan. No dia seguinte, em uma corda, secando, até notas de dinheiro. Pegou toda chuva, mas narrou com brilhantismo.
Me ensinou a sobriedade, o respeito pela profissão. A procura incessante da isenção. A informação para poder dar opinião. O cotejo dos dados para ser equilibrado. Saía de casa para o trabalho, cem, duzentos metros, se tanto, e demorava às vezes mais de 1 hora, pois parava a cada dez passos e formava uma roda de amigos. Desgostava de ser o superintendente da Rádio Clube. Não era a dele. Mais tarde, no mesmo ofício, compreendi tudo. Nos fins de tarde, os amigos passavam para conversar e tomar cafezinho. João Braga Farias, Delival Nobre, Rui Barata, Julio Cruz, muita gente. Influenciou minha escrita completamente. Preparou a mim e aos irmãos para nunca sentir qualquer peso do sobrenome. Você vale pelo que realiza e pronto. Aposentou. Os filhos casaram, bateram asas, ele e a mãe se reinventaram. Ele e ela, nas serestas, violão e voz, como nos velhos tempos. Virou compositor. Gravou discos. Autor da melodia de um clássico paraense, “Bom Dia, Belém”. Dizia-se muito ocupado. Assisto Volei de manhã, Basquete à tarde e Futebol à noite. Conversávamos diariamente em minha sala de trabalho. Parava tudo e me dedicava a ouvi-lo. Apesar de ter desfrutado ao máximo da amizade, fomos até parceiros musicais, a falta dele é um imenso buraco de saudade em minha alma. Falo com ele todas as noites, no escuro do quarto, quando olho para dentro de mim e o encontro, sorridente, às vezes querendo mostrar uma nova composição. Às vezes pedindo-me calma e reflexão em meus arroubos. Nessa idade, meu filho, com arroubos juvenis? Ele, Rui e Delival devem fazer grandes farras no céu, com minha mãe cantando. Escutei fitas cassete gravadas em serestas e produzi um cd com vocais da grande Andréia Pinheiro e arranjos de Luiz Pardal e Jacinto Kahwage. Um luxo. Músicas inéditas. Meus irmãos participaram da escolha do repertório, feitura da capa e textos. Deixa passar essa confusão toda e nós lançamos o disco. Cem anos de Edyr Proença. E é tanta saudade, tanta gratidão pelo nome que me deu, ensinamentos, caráter e exemplos! Acho que falo pelos irmãos e pelos outros “filhos”, grandes profissionais que hoje fazem o sucesso da Rádio Clube do Pará. O tempo passa e a saudade cresce! Meu pai!
(Publicado originalmente em maio 2020)
