O que mudou no Brasil 5 anos após o afastamento de Dilma

A matéria é de 5 de dezembro de 2021, mas traça um retrato perfeito sobre o país impactado pelo golpe de 2016. Em plena pandemia, sob o jugo de Bolsonaro, a desigualdade e a pobreza batiam à porta

Por Bruno Lupion, na DW

Em 12 de maio de 2016, o Senado Federal afastou a então presidente Dilma Rousseff do cargo para dar continuidade ao seu processo de impeachment, concluído mais de três meses depois.

A petista caiu por liberar créditos suplementares sem o aval do Congresso e atrasar o repasse de verbas a bancos que executam políticas públicas, com o objetivo de melhorar artificialmente as contas do governo, as chamadas pedaladas fiscais. O impeachment, porém, teve como pano de fundo outros motivos: recessão econômica intensa, enorme escândalo de corrupção envolvendo a Petrobras, protestos de rua embalados pela Operação Lava Jato e falta de apoio político no Congresso.

Dilma recebeu uma notificação da decisão do Senado pela manhã, fez um discurso com ministros e aliados no Palácio do Planalto, recebeu flores e mensagens de últimos apoiadores e silêncio para a residência oficial. Apesar da insistência do petista em dizer que reverteria a decisão, havia entre seus correligionários um ar de derrota e melancolia.

Algumas horas depois, sem cruzar com Dilma, Michel Temer entrou no palácio e assumiu o cargo de presidente. No mesmo salão, agora repleto de políticos que não frequentavam o local desde o governo Fernando Henrique Cardoso, como líderes do DEM e do PSDB, e de outros que mudaram de lado, Temer deu posse ao seu novo ministério em clima de triunfo e força .

Nesses cinco anos, que abrangem a eleição de um presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro, e a eclosão de uma pandemia mundial, o Brasil ainda não retomou o nível econômico que tinha no início da década passada, viu a pobreza e a desigualdade aumentarem e seus fundamentos democráticos se erodirem. 

A seguir, alguns números e explicações sobre o que aconteceu no país nesse período:

Um dos motivos da queda antecipada de Dilma foi a recessão iniciada em 2015, no primeiro ano de seu segundo mandato, quando o PIB encolheu 3,8% em relação ao ano anterior. Em 2016, houve nova retração na economia, de 3,6%.

Foi a pior recessão da história do Brasil , provocada, entre outros motivos, por diminuição de investimentos, erosão dos fundamentos econômicos , crise de confiança, instabilidade política, escândalo da corrupção na Petrobras e fim do ciclo das commodities .

De 2017 a 2019, houve leve recuperação, com crescimento anual próximo de 1%, insuficiente para recuperar o terreno perdido e não sustentada no longo prazo. No início de 2020, no governo Bolsonaro e antes da pandemia, o país já entrou em recessão novamente.

O pânico global provocado pela covid-19 e as restrições à movimentação de pessoas acentuaram a recessão em 2020, quando o PIB caiu 4,1%. O resultado só não foi devido pior a generosos gastos públicos com o auxílio emergencial e apoio às empresas e aos estados.

O desempenho do PIB dos últimos anos fica mais evidente quando ele é dividido pelo número de habitantes do Brasil e atualizado pela inflação. O PIB per capita, atualizado para valores de 2020, foi de R$ 35,2 mil no ano passado, 11% menor do que o de 2012, quando era de R$ 39,6 mil.

O economista Claudio Considera, pesquisador associado da FGV-IBRE e ex-secretário de acompanhamento econômico do Ministério da Fazenda (1999-2002), vê nesse dado uma “nova década perdida” no país. “A economia vinha crescendo em torno de 1%, e em 2019 ainda não havia se recuperada da recessão. Ainda estávamos desenvolvendo, e quando veio a pandemia acabou de vez”, diz.

Ele avalia que a recessão de 2015-2016 se deveu majoritariamente a decisões econômicas erradas tomadas durante o governo Dilma, e que o governo Temer perdeu forças rapidamente para reverter o quadro após a divulgação de uma conversa do então presidente com o empresário Joesley Batista.

A vitória de Bolsonaro, assessorado na área econômica por Paulo Guedes, pró-mercado e entusiasta de reformas, fez alguns analistas apostarem que o país seria beneficiado por um grande fluxo de investimentos, o que logo mostrou uma ilusão. “As pessoas acham que as reformas virão e que o crescimento ocorrerá naturalmente, mas isso não acontecerá, ainda mais com confusão política todo dia, com um presidente ameaçando o Supremo”, diz Considera.

Ele afirma que o Brasil só conseguiria retomar um crescimento significativo e sustentável se houvesse maior intervenção do governo na economia, “não no estilo Dilma, criando empresas”, mas com investimentos em obras de infraestrutura, que geram empregos, renda e criam um círculo virtuoso . Esse plano, porém, só seria viável quando para superada a “política de balbúrdia” que ele identifica na gestão atual.

MAIS DESIGUALDADEE E POBREZA

A trajetória da desigualdade, medida pelo índice de Gini, também tem piorado nos últimos anos. Quanto mais próximo de 1 estiver o índice, mais desigual é a distribuição da renda.

O Gini atingiu seu mínimo da série história em 2015, com 0,525. Em 2016, ano do afastamento e posterior impeachment de Dilma, e sob efeito da recessão econômica, acelerou para 0,538 e cresceu até 2018, quando atingiu 0,545. Em 2019, oscilava para 0,543. O dado para 2020 ainda não está disponível.

Bruno Lazzarotti, pesquisador da Fundação João Pinheiro e coordenador do Observatório das Desigualdades, afirma que o Gini caiu até 2015 por uma combinação de fatores, entre eles os aumentos de reais do salário mínimo, que funciona também como referência para outras rendas como aposentadoria e Benefício de Prestação Continuada, e a expansão do mercado de trabalho em setores intensivos em mão de obra, como construção civil.

“Isso não transferiu renda do topo, mas aumentou a renda relativa da base da distribuição. Você eleva a renda dos mais pobres, ainda que não tenha retirado renda dos mais ricos”, diz. A trajetória também foi favorecida por políticas de proteção do mercado de trabalho, como a PEC das Domésticas, que entrou em vigor em 2013.

A tendência de queda do Gini se inverte na recessão de 2015-2016, que é regressiva. “Os setores mais ricos têm melhores meios de sua proteção de renda”, afirma. A piora foi acentuada pela alta da inflação no início do segundo mandato Dilma, que afeta com mais severidade os mais pobres.

A desigualdade piorou em alta nos anos seguintes, como resultado de crescimento fraco, redução dos investimentos públicos, flexibilização do mercado de trabalho, redução dos gastos com o Bolsa Família e outras políticas sociais e turbulência política, diz Lazzarotti. A queda do nível de Gini em 2019, segundo ele, pode ser consequência de um breve reativamento do mercado de trabalho ou apenas uma estabilização nesse patamar mais alto de desigualdade.

A projeção do Gini para 2020, antes que os dados sejam divulgados, é uma tarefa difícil. Se por um lado a pandemia derrubou a economia e a renda das famílias, o auxílio emergencial prejudicou a pobreza e a desigualdade. “Será um ano ruim para avaliar a média”, afirma. A ausência do auxílio emergencial nos três primeiros meses de 2021 e sua retomada com um valor bem inferior apontam para uma alta da desigualdade neste ano, diz Lazzarotti.

Por motivos semelhantes, a pobreza também apresenta trajetória de alta a partir de 2015, e cai de forma abrupta durante a pandemia por causa do auxílio emergencial. Mas a redução à metade do valor do benefício nos últimos quatro meses de 2020, seguida pela sua interrupção por três meses em 2021 e a retomada com um valor ainda mais baixo, em um momento em que o mercado de trabalho e a economia ainda estão frágeis, deve levar a uma alta específica da pobreza  neste ano, segundo o pesquisador. “É um choque terrível, e de uma hora para outra a realidade mais cruel se impõe”, diz.

DEMOCRACIA DETERIORADA

Outro aspecto no qual o Brasil experimentou muitas mudanças nesses últimos cinco anos foi a qualidade de sua democracia, que já vinha se deteriorando desde 2015 e piorou com a eleição de Bolsonaro, segundo índices elaborados por pesquisadores.

O instituto V-Dem, sediado na Suécia, produz indicadores relacionados à qualidade da democracia e da liberdade para cada país. Um deles é o índice de democracia liberal, que combina aspectos como qualidade das eleições, direitos individuais, liberdade de imprensa e de associação, capacidade de instituições controlarem o governo, respeito à lei e independência do Judiciário. Quanto mais próximo de 1, melhor a condição da democracia no país.

O Brasil teve uma pontuação de 0,789 em 2012, começou a cair em 2013, para 0,795, desceu para 0,626 em 2017 e em 2020 pontuou 0,511. No seu relatório do ano passado, o V-Dem destacou que o Brasil estava entre os dez países com a maior piora nesse índice, acompanhado pela Índia e pela Turquia.

O padrão é semelhante nessas nações, segundo o instituto: “O governante no poder primeiro ataca a mídia e a sociedade civil, polariza as sociedades desrespeitando oponentes e espalhando informações falsas, e aí então passa a enfraquecer as instituições formais.”

O índice de liberdade acadêmica , que mede a liberdade para professores e pesquisadores desenvolverem seu trabalho sem ameaças ou restrições, também caiu drasticamente nesse período no Brasil: de 0,929 em 2013, para 0,442 em 2020.

O professor José Álvaro Moisés, coordenador do Grupo de Pesquisa Qualidade da Democracia do IEA-USP, afirma que a crise na democracia brasileira relaciona-se a problemas estruturais de representatividade no seu sistema político. Para piorar, o impeachment de Dilma, apesar de “baseado em decisões legais e do Congresso”, “dividiu completamente o país”. Essa polarização foi explorada nas eleições de 2018, vencidas por um presidente de extrema direita “que é uma ameaça permanente à democracia” e vem aberta para tentar coibir a liberdade de expressão, segundo ele.

“É um governo autoritário, distante da ciência e do pensamento crítico”, afirma Moisés, com reflexos também no ambiente acadêmico, como redução da autonomia das universidades federais na escolha de reitores e pressão contra pesquisadores e professores críticos ao governo.

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