A espiral da intolerância

POR RICARDO KOTSCHO

– O senhor é o ex-ministro da Dilma?

– Sim, sou eu.

Foi o que bastou para tivesse início, na lanchonete do Hospital Israelita Albert Einstein, junto à recepção, o ataque ao ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, um dos mais sórdidos episódios de intolerância política da nossa história recente.

Meu velho amigo Guido, de família judaica, estava acompanhando sua mulher, Eliane Berger Mantega, que vem fazendo naquele hospital de excelência longo e sofrido tratamento contra um câncer. Assim que foi identificado, como se fosse um judeu na Alemanha de Adolf Hitler ou um comunista no Brasil dos generais, começaram as agressões, com gritos histéricos.

– Vai pro SUS!

– Safado!

_ Vai pra Cuba!

– Filho da puta!

O fato aconteceu na tarde do último dia 19/2, mas só se tornou público na terça-feira (24), com a divulgação de um vídeo no Facebook mostrando o constrangimento do ex-ministro, que foi obrigado a se retirar do Einstein. O responsável pela postagem, segundo o site “Redação Pragmatismo”, ainda conclamou os internautas a perseguirem petistas e simpatizantes do partido nas ruas.

Assista ao vídeo aqui.

Não foi certamente a primeira vez que um ministro do PT se tornou alvo da espiral de intolerância que assola o país desde o segundo turno da campanha presidencial. O próprio Guido já havia sido hostilizado por frequentadores do bar Astor, na Vila Madalena, no dia 20 de dezembro, quando ainda estava no governo. Poucas semanas atrás, o ministro da Defesa, Jaques Wagner, foi obrigado a se retirar de um restaurante no bairro dos Jardins para evitar um confronto maior, após ser ofendido por finórios representantes da elite paulistana.

Está se tornando algo normal, sem despertar nenhum interesse da chamada grande mídia familiar, como se fizesse parte da paisagem, atacar adversários políticos para impedir sua presença no mesmo ambiente frequentado pelos tucanos derrotados em outubro. Nesses redutos, é perigoso até alguém declarar publicamente que votou no PT. No dia da votação do segundo turno, poucas semanas antes da sua morte, o ex-ministro Márcio Thomas Bastos foi interpelado por um ex-cliente no Clube Pinheiros:

– Que bonito, hein, doutor Márcio? O senhor apoiando o PT, votando na Dilma! Não tem vergonha?

Com sua habitual fleuma, o ex-ministro deu um chega pra lá no cidadão:

– Não, eu não tive vergonha de ser teu advogado e te defender naquele processo…

Um basta

Até o momento em que comecei a escrever, a única reação que encontrei contra essa barbaridade inimaginável num país democrático e civilizado partiu da jornalista Barbara Gancia, que enviou uma dura carta ao presidente da Sociedade Israelita Albert Einstein, Claudio Lottenberg, nos seguintes termos:

“Caro senhor doutor presidente:

1) Já foram identificados os indivíduos que hostilizaram o ex-ministro Mantega e sua mulher, que foi ao hospital na terça-feira para ser submetida a um tratamento contra o câncer?

2) Que providências os senhores estão tomando, foi registrado Boletim de Ocorrência?

3) A direção do hospital está ciente de que, caso este comportamento brutal for tolerado e nenhuma medida tiver sido tomada contra quem a praticou, isto irá significar que a Sociedade Beneficente Israelita Albert Einstein compactua com a irresponsabilidade, a escalada da violência e o desrespeito à ordem pública?

4) O senhor entende, Dr. Cláudio, que o Einstein não pode consentir, porque isso significa que ele se colocará ao lado dos inconsequentes que querem ver o circo pegar fogo sem medir as consequências para as instituições?”

Quando a estúpida agressão a Guido e à sua mulher se tornou pública, a direção do hospital se limitou a divulgar uma burocrática nota oficial em que declara que “recebe igualmente a todos, pacientes ou não, rechaça qualquer atitude de intolerância e lamenta o ocorrido em seu ambiente”. A nota não indica nenhuma providência que o hospital pretenda adotar, mas seus assessores informaram não ter identificado nenhum médico ou enfermeiro do hospital envolvido no episódio.

É intolerável conviver por mais tempo com esses atos de intolerância. Está na hora de darmos um basta.

A vida não pode seguir assim.

16 comentários em “A espiral da intolerância

  1. Concordo totalmente que é um absurdo o que aconteceu…no entanto, o respeito deve existir aos que não votaram na Dilma tambem…canso de ver piadinhas, charges e publicações achincalhando FHC, Aecio e etc e em seus eleitores…o que também considero um desrespeito a quem pensa diferente…repito: um absurdo o que fizeram com Guido Mantega, apesar de no meu entendimento, ele não ter atendido minhas expectativas, enquanto foi ministro.

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  2. Apesar de Guido ter sido um desastre para política econômica nacional, penso que não deve-se ver com naturalidade agressões gratuitas em espaços que não se configuram como campo de batalha política (no caso o hospital). Todos tem o direito de protestar e dizer palavras de ordem. Isso é democracia! O que fizeram a Guido não é uma prática democrática, pelo contrário, é uma prática da delinquência que não sabe os limites do protesto e da agressão pura e simples.

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  3. O momento em que o ex-ministro Guido Mantega é covardemente xingado, linchado publicamente, não mancha sua reputação de economista. A equipe de economistas ligada ao PT, onde se vê também Maria da Conceição Tavares, é bastante capaz e competente. São economistas que trabalham desde o primeiro dia de Lula no governo e têm participação direta no crescimento do mercado interno, ganhos reais do salário mínimo e melhorias de vários indicadores sociais. Minha opinião não adota o viés de analisar números pelo que eles não significam, esse tal ponto de vista da mídia reacionária isola a economia do Brasil da do resto do mundo globalizado, como se fosse possível tal proeza. Sofremos hoje, como sempre na história do país, os efeitos das crises externas porque somos absurdamente dependentes da Europa e EUA. É mais ou menos assim. Exportamos ferro-gusa e minério de ferro, por exemplo. Isso quer dizer que estamos presentes só nas primeiras etapas da produção de riqueza. Os compradores desses materiais os transformam em produtos acabados, de maior valor. Às vezes vejo especialistas se referindo à necessidade de agregar valor a certo produto. Isso repetido sem explicação se torna um mantra, uma superstição. Agregar valor significa processar materiais de modo que a cada etapa do processamento haja acréscimo em valor. Considere a siderurgia. A mineração é só uma primeira etapa, extrativista, e custa x. Outra etapa é transformar esse minério, uma argila, em ferro-gusa, por exemplo. Quando se obtém o ferro-gusa, temo o valor em x+y. Esse mesmo ferro-gusa pode ser laminado para obter uma chapa, que agora vale x+y+z. Em seguida, a chapa pode ser cortada, dobrada, soldada… enfim, ganha uma certa forma. Nesse ponto, o produto vale x+y+z+w. Bem, poderia enumerar várias etapas de produção até chegar ao produto acabado, como um gabinete de computador. Nós, ganhamos o x ou x+y do início da produção, e pagamos os x+y+z+w… que foram agregados pelas indústrias que adquirem os minérios dos extrativistas, nós. A crise deles é porque, mesmo com os incontáveis acréscimos sobre os x+y, vêm caindo de preço os produtos acabados. Cada lançamento de produto tecnológico é uma inovação a menos para agregar valor e recuperar o investimento. Cada super-salário de alto executivo, agora chamado de “CEO”, aumenta a necessidade de vendas desses produtos. O capitalismo, que vê preços reduzirem-se com a industrialização em massa, depende justamente da existência das novidades que geram alta demanda enquanto a oferta é baixa. No momento em que o equilíbrio demanda x oferta se estabelece, os ganhos fáceis cessam e o sistema entra numa espécie de piloto automático. O Brasil sempre esteve na função de fornecedor de matéria prima. Quando as metrópoles não demandam matéria prima, como agora, entramos em crise. Sofremos por não termos parque industrial tecnologicamente atualizado. Nossos empresários, tão espertos e visionários, deveriam já ter percebido que desenvolver tecnologia agrega valor, e não só marketing na TV.

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  4. Que mané crise externa, Lopes. A Europa e os EUA estão a pelo menos 2 anos em ascensão e o Brasil entrou em franco declínio.
    E isso não é a Veja que fala. É o The economist, o Estado de São Paulo, são notas no Le Figaro…
    Dizer que “Nega os números ” para não cair em viés é uma maneira bela de assumir que estás enviseirado. Abra os olhos, compatriota: existe notícia além da Carta Capital e do Pragmatismo Político

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  5. Caro Gerson, entenda que a recuperação das economias europeia e norte-americana dependem exatamente do mesmíssimo capital que nós. É dizer, dependemos de o investidor decidir-se por nós ou por eles. Não esqueça, o capitalismo é uma competição voraz por capital, e não uma simbiose fraterna. Não sobram recursos para apostar aqui e acolá ao mesmo tempo, mas para aqui ou acolá, para um de cada vez. Isto é que é crise para as grandes potências. Elas não estão empobrecendo, mas deixando de ganhar mais dinheiro porque houve uma redução de capital circulando no mercado globalizado. Ninguém aguenta isso de globalização por muito tempo… E esta é a nossa tragédia, estamos perdendo porque a maioria das empresas que atuam no Brasil são estrangeiras, que remetem seus lucros, bem, para EUA e Europa. Nossas empresas nacionais, sozinhas, não aguentam a barra porque não desenvolvem produtos tecnologicamente avançados, ao contrário, exportamos commodities, reles matérias primas. É desse modo que a crise externa nos afeta, não internalizamos os ganhos dessas empresas da ponta mais lucrativa da produção; os recursos não ficam aqui produzindo impostos. A economia do Brasil depende de commodities, a de EUA e Europa dependem mais de tecnologia de ponta. As razões para a crise econômica lá e cá não são diferentes e nem independentes, mesmo que o caráter da economia deles seja marcadamente diferente da nossa.

    Note, (o editorial da Veja mostra isso muito bem, não?), é muito fácil verificar que a composição societária da Vale, Petrobras e companhias de telefonia celular, por exemplo, é de esmagadora maioria estrangeira, aqui chamadas ingenuamente de investidores estrangeiros. Que queres mais para ver o quanto nossa economia ainda é dependente dos outros? Os tais fundamentos da economia são mais sólidos por lá que por aqui, percebe? Falamos de fundamentos de economias neo-liberais, o que, apesar de dar certo por lá, tende a ser desastroso para o Brasil exatamente pelas características da nossa economia frente a deles. Na seara neo-liberal estamos para Davi e, acredite, Golias levará a melhor na maioria das vezes. Atualmente, investir na Europa é relativamente mais barato que antes e o investidor prefere pôr seu dinheiro lá a depositar aqui. É certo que o especulador financeiro não gera emprego, mas, pelo menos, produz liquidez, enquanto o investidor de longo prazo terá seu capital imobilizado em algum investimento ou patrimônio. Nosso problema agora parece ser o de liquidez para pagar dívidas e isso explica os juros altos que atraem especuladores, gerando liquidez que ajuda a honrar compromissos, mas provoca algum aumento da dívida pública. Mas sem nenhum medo de estar errado (mas nem de longe) a nossa atualidade não se compara com os 45% a.a. de SELIC já praticados no passado. Isto é um resultado prático de políticas públicas que desembocaram no aumento do mercado interno, da produção e do emprego; a alta da SELIC tão demonizada pela mídia reacionária, passa por valores razoáveis se comparados aos da década de 1990 e isso realmente dá sinais de que deve ser mesmo passageiro, afinal, nossos clientes, aqueles que adquirem nossas commodities, como você bem disse, estão com a economia numa crescente. O que precisamos entender é que nenhum país será forte sem produzir e distribuir renda, talvez não como se tem feito nos últimos doze anos no Brasil, embora tenha melhorado significativamente e alcançado patamares nunca vistos antes por aqui, mas até isso tem estagnado nos últimos dois ou três anos. Enfim, minha percepção me diz que vem gradualmente melhorando e essa crise é uma prova de que o que foi realizado pelo PT em termos de fundamentos econômicos é bastante melhor que o feito pelo PSDB, só pelos resultados que vemos. Lembre que a crise da Rússia, lá pelo final dos anos de 1990 foi menor e mais rápida que a atual e sofremos muito mais os impactos dela que da de hoje.

    Caro Gerson, minha posição é crítica e independente, não a reprodução do editorial do Jornal Nacional. Não leio a Carta Capital e acho Diogo Mainardi agradavelmente engraçado quando trata de economia e política quase que supersticiosamente, desqualificando o brasileiro médio só por discordar dele. Existe algum macartismo aí. E, note, não sou assim pragmático como acho que meu comentário não sugere, mas, com certeza, sou tão marxista quanto você. The Economist, Le Figaro, têm jornalistas tão independentes quanto, bem, Veja e o Estadão. Ou você realmente acredita que o jornalismo de lá é mais livre, isento e imparcial que o daqui? Se você acha que sim, que tal uma leitura de Chomsky? Um abraço.

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  6. Estou lendo o terceiro volume de “Getúlio”, grande obra de Lira Neto.

    Não mudou nada.

    Quem perde o poder não se conforma e lança mão de todos os métodos, por mais sujos que sejam, para voltar a ele.

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  7. Os petistas sempre se passando por vítimas, principalmente agora que o parafuso está sendo apertado até o limite. Reação indevida mas natural de quem se sente enganado e prejudicado por políticas e decisões erradas ao longo do tempo e que agora fazem efeitos retroativos. Foram 12 anos de farra molhando as mãos dos pobres com intermináveis bolsas por garantias de voto. Muitos dos que assim reagem votaram até a última eleição na continuidade da ¨brincadeira¨com bem definiu Joaquim Levi. O Brasil também está em intenso tratamento de um câncer que nasceu no governo Lula.

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  8. Amigo Lopes, sobre a recessão nem oito nem oitenta. Justificar que o momento brasileiro é consequência exclusivamente das crises que ocorreram nos EUA e na Europa é querer ver apenas com um olho o mundo.

    Amigo, não se pode negar que este governo foi um desastre econômico, segurando muitos preços da gasolina e energia na base da canetada,, o que sabemos ser um enorme equívoco, ja que uma hora a bomba haveria de explodir.

    Diferentemente do primeiro governo dos trabalhadores, que suportou uma baita crise mundial fazendo o Brasil crescer quando todos estavam sendo nocauteados, este governo sucumbiu economicamente devido a cegueira de alguns.

    Ps.: Sobre os produtos que importamos e exportamos, só posso dizer que um país que não priorize todo o sistema educacional não tem como mudar. Cid veio em Belém, visitou quantas creches? Esqueci, criança não vota (isso vale para todos os políticos).

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  9. No mais, quem me garante que a tucanalha seria melhor? Duvido amigos. Se fossem governo a tucanalha, agora, estaria vendendo tudo e todos… sabemos bem como eles pensam o pobre… Veja o Pará e o problemas no IASEP.

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  10. Não digo que esteja mil maravilhas não, caro Lira. Apenas digo que havendo crise, o Brasil passa por ela melhor que antes, o que, por si só, já é um efeito da política socialista de expansão do mercado interno e de geração de emprego e renda, característica desse período de doze anos. Como disse, a crise do capitalismo tem acirrado a disputa pelo capital. Não há festa no mundo globalizado, ela ocorreu durante o processo de globalização, que já acabou, ficou nos anos de 1990 e a década de 2000 foi de consolidação do novo arranjo político e social. Quero dizer, a globalização não é um processo contínuo, já ocorreu, teve início, meio e fim. Quando chegou ao fim, veio a crise. Assim imagino que seja o que vem acontecendo no mundo porque não há mais para onde expandir, só mesmo para a Lua… Quero dizer, todo mercado é ocupado hoje em dia e a consequência disso é apenas que capitalistas definem estratégias globais de atuação, e não regionais, sem contar logística e transações bancárias online e em tempo real… Meu pai era um vendedor nato, e ele sempre me dizia que o espírito de toda empresa é o seu crescimento. Empresa que não cresce tende a desaparecer porque o mercado faz pressão sobre ela de todos os lados. Em resumo, empresa ou cresce ou desaparece. Empresas brasileiras não têm chances de crescer no mercado globalizado, onde as posições mercadológicas estão consolidadas. Por acaso a cada crise surge uma nova concorrente para a Coca-Cola?…

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