Histórias do mundo da bola

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Cristiano Ronaldo (centro), ainda no período de vacas magras, ao lado de dois companheiros de time no Andorinha, em Portugal. Idos de 1994.

O passado é uma parada…

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O grande Cartola nos tempos em que Mangueira ainda era um lugar tranquilo de viver.

Rock na madrugada – Beatles, Sexy Sadie

Versão alternativa (e mais lenta) de uma das mais inspiradas canções de John Lennon, incluída no lendário White Album, dos Beatles. Faz referência direta e corrosiva ao guru indiano Maharishi.

Celso Amorim: “Há uma obsessão na mídia local por denegrir o Brasil”

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DO EL PAÍS

Primeiro, ele confiava na memória. Depois, até espaços em branco em cardápios de restaurantes foram sendo preenchidos em centenas de viagens. Foi só um ano e meio depois de estrear como chanceler do governo Lula que Celso Amorim ganhou um presente: “Quem me deu um caderninho foi a Dilma. No Equador. Ela era ministra de Minas e Energia e ela me disse: ‘Olha aqui, para você escrever’.” Desse caderninho e dos que se seguiram, Amorim retirou as anotações para refletir, anos depois, sobre três momentos de sua passagem pelo Itamaraty entre 2003 e 2010. O resultado está em “Teerã, Ramalá e Doha – Memórias da política externa ativa e altiva” (Benvirá), a ser lançado no mês que vem.

No livro, Amorim revisita a tentativa do Brasil e da Turquia de mediar a negociação do programa nuclear iraniano, em 2010, um momento de protagonismo global mas controverso de sua gestão, os movimentos da diplomacia local no mundo árabe e o papel brasileiro nas negociações da OMC (Organização Mundial do Comércio).

Na entrevista abaixo e no livro, o ex-ministro de 72 anos sublinha o que julga ter sido um papel ambíguo da então colega Hillary Clinton na questão. Ele relata que a secretária de Estado tentou, sem sucesso, dissuadi-lo da tarefa de conseguir o acordo com Teerã, que previa o enriquecimento de urânio para pesquisa médica tendo o Brasil e Turquia como fiadores — Istambul seria ainda intermediária e guardiã do material. O acordo foi, depois, rejeitado pelos EUA, apesar de cumprir os requisitos pedidos inicialmente, em carta, por Barack Obama. Para o ex-chanceler, um fator para o recuo americano em relação à proposta turco-brasileira foi a agenda política própria da democrata.

Amorim queixa-se, como no livro, da cobertura da imprensa brasileira deste caso e de outros. Para ele, é excessivamente negativa, uma “obsessão” local, o tratamento depreciativo do Brasil na grande mídia ­ (e não só sob Lula).

Já desvencilhado das funções de ministro da Defesa de Dilma desde dezembro, o ex-chanceler explica por que resolveu falar publicamente da crise de recursos do Itamaraty. Mostrou-se frustrado porque as diretrizes de expansão do corpo diplomático brasileiro e certas iniciativas globais lançadas por ele não tiveram seguimento no governo da sucessora de Lula.

Pergunta. Por que o sr. quis escrever sobre a iniciativa do Brasil e Turquia na questão iraniana? Foi para evidenciar a troca de posição de Hillary Clinton especialmente?

Resposta. Achei que era importante reunir de uma maneira mais ou menos sistemática as minhas anotações e as minhas lembranças. Comecei a fazer isso na época em que tinha saído o acordo provisório do P5+1 com o Irã (sobre o programa nuclear iraniano, em 2013). Recebi dois pesquisadores americanos que estavam escrevendo sobre ‘oportunidades perdidas’. Eles tinham escrito sobre (Jimmy) Carter e Cuba nos anos 70 e vieram falar comigo sobre Irã, por isso tive a ideia do título (do capítulo: ‘Declaração de Teerã: oportunidade perdida?’). É evidente que no curso da narrativa eu tive a preocupação de esclarecer como eu vi tudo se passar. Foram criados muitos equívocos. Como é que o presidente escreve uma coisa e quinze dias depois um ministro diz uma coisa diferente? Eu dou duas explicações possíveis, e eu confesso que a primeira a que eu me inclinei foi achar que Hillary não conhecia em detalhe (a carta de Obama que propunha os termos de um possível acordo com o Irã). Não é impossível, mas não é comum, porque lá eles são muito coordenados. Depois, pensei que poderia ter sido uma coisa diferente, como quem diz: ‘Obama escreveu mesmo, mas não tem importância. Estou aqui eu. Eu sou secretária de Estado e estou dizendo’.

P. Em retrospectiva, o que o sr. e o Brasil poderiam ter feito diferente?

R. Nós fomos até onde podíamos com a nossa capacidade diplomática, nossa capacidade de persuasão. Não acho que teríamos outra coisa a fazer. Até porque não era uma agenda nossa, e no livro eu deixo isso claro. O Obama é quem pediu. Eu me interessava, tinha participado daqueles episódios do Iraque. Eu achava que o Brasil tinha, sim, capacidade para ajudar a resolver o problema, desde que houvesse disposição das partes. Quando o Obama pediu, pareceu que era uma oportunidade. Nós temos uma vocação universalista na política externa e o Irã é um país importante. Dados os preconceitos e as atitudes muito tímidas que a opinião pública brasileira, e sobretudo a mídia brasileira, estimula, o Irã era, não digo essencial, mas útil para que o Brasil estivesse envolvido positivamente em uma questão universal. O que houve foi uma mudança de comportamento político, mas nós produzimos o que ninguém acreditava que nós fôssemos produzir, que o P5 + 1 não tinha produzido, que a Rússia não tinha produzido. Enfim, seria um gol. O fato de não ter sido gol não quer dizer que você não tem que chutar. Se não chutar, não vai fazer gol nunca.

P. O sr. falou da mídia e a crítica à imprensa brasileira é muito presente no livro. O que se escreve aqui tem tanto peso assim?

R. A mídia tem uma influência na opinião pública. Você pode dizer que hoje em dia, talvez, é menos importante do que foi no passado, que há outras fontes de informação, redes sociais, etc., mas obviamente tem um peso. As pessoas às vezes fazem perguntas estapafúrdias de quem nunca entendeu nada porque só leu a mídia brasileira. Não estou falando uma coisa da minha cabeça. Conversando com embaixador estrangeiro aqui, depois até de sair da Defesa, ele fez um comentário: ‘Nunca estive num país em que a mídia fosse tão unanimemente contra o governo quanto é no Brasil.’ Vou até complementar isso, embora, você sabe, eu tenha trabalhado com Lula, Dilma, seja ligado ao PT: Eu acho que é pior com o PT, mas mesmo sem o PT era assim. Eu dizia isso e meus amigos do PT não gostavam muito, não, mas é a verdade.

Cito um exemplo: uma vez eu estava na OMC, quando aconteceu aquele episódio da Vaca Louca no Canadá logo depois da questão da Bombardier e a Embraer. Claro que eles negaram até à morte que houvesse ligação entre as duas coisas, mas, para mim, tinha, e eles não tinham fundamento na questão da Vaca Louca. Eu convoquei uma reunião de um dos comitês fitossanitários que tem lá na OMC e era uma coisa fora do comum que um embaixador fosse a esse tipo de reunião mais técnica. Cinco ou seis países apoiaram o Brasil e o Canadá, exclusivamente, criticou o Brasil. Manchete no outro dia num dos grandes jornais: ‘Brasil é criticado na OMC’. Isso era na época do Fernando Henrique. Não posso nem dizer (que era coisa contra o PT). Há uma obsessão pelo autodenegrimento, deve ser uma coisa da psicologia coletiva, que eu acho que se acentuou com um governo popular, que não é de elite, mas não é só com ele, não.

P. Mas o sr. não acha que é melhor isso que uma coisa à americana, de imprensa patriótica, o que pode acabar em desvios?

R. Não acho que deve ser fechada. Acho que deve ser objetiva. Dou esse exemplo porque ele é emblemático. Nunca fizemos o que a mídia queria, mas temos de lidar com a opinião pública. Tudo foi pintado de uma maneira totalmente diferente do que era, que o Brasil queria ser amiguinho do Irã, voluntarismo, Chávez. Uma misturada na cabeça.