A cinebio do Rei do Pop está chegando – mas quanto sentido MJ faz em 2026?

Michael Jackson aprendeu a cantar como um anjo e dançar como um cafetão fazendo shows em puteiros aos oito anos de idade. O pai, Joseph, o surrava se não se apresentasse bem, se não ensaiasse o suficiente – qualquer razão era boa.
Todos os irmãos Jackson entravam no couro. Michael, o sétimo filho e óbvia estrela do grupo, apanhava mais. Na casa dos Jackson era deus no céu – Jeová, eram Testemunhas – e Joseph na terra. O pai tentara se dar bem como artista, sem sucesso. Acabou metalúrgico e empresário e feitor dos filhos.
Devemos a esta figura detestável o maior artista que a música jamais teve. Contra números não há argumentos. São 750 milhões de discos vendidos até agora.
O Jackson 5 estreou em 1967, mas foi em 1968 que passaram a fazer parte do elenco da mais eficiente máquina de produção de hits em série da música pop.
A Motown Records foi fundada por Berry Gordy em 59. Seu primeiro hit foi composta pelo próprio Gordy, “Money (That’s What I Want)”. Declaração de princípios ou falta deles. A Motown fazia qualquer coisa por um sucesso. Até mágica.
Os primeiros singles do Jackson 5 na Motown foram “I Want You Back”, “ABC” “The Love You Save” e “I’ll Be There”. Só por isso já mereciam os livros de história.
Os programas de TV da época não mentem. Michael era endiabrado. Requebrava como James Brown, cantava como Stevie Wonder e era fofo como um querubim.
O primeiro disco solo chegou aos 17 anos, “Got to Be There”. De 76 a 84, Jackson seria não só o frontman do Jackson 5 – depois rebatizado como The Jacksons – mas seu principal compositor.
Em 1978, já com vinte anos, Jackson encontrou uma outra figura paterna. O experiente jazzista Quincy Jones, diretor musical do filme “The Wiz” – em que Michael encarnava o Espantalho do mundo de Oz – produziria com Jackson “Off The Wall” e “Thriller”.
“Thriller” fez a ponte entre o soul dos 60, a disco dos 70 e o novo rock dos 80. Era new wave. Era pop, o melhor do pop de três décadas. E popular: vendeu 109 milhões de cópias, recorde para sempre imbatível.
Jackson tinha 37% do preço de cada disco vendido.
Os anos seguintes foram de esquisitice crescente, parte marketing, parte verdadeira. Em 1987, Michael lançaria “Bad”, uma tentativa de repetir “Thriller”. Vendeu, mas vendeu menos. Soava quase sempre histérico, equivocado e pior, velho.
Aos 29 anos, o superastro estava ultrapassado. Era uma anedota bilionária.
O que veio depois é menos importante musicalmente. Em alguns casos, constrangedor. A música piorou. Ficou impossível dissociar Michael, o artista, de Michael, o homem cada vez mais distante de sua humanidade.
Com sua morte, tudo será perdoado, como foi a seu ídolo, James Brown. Agora não é mais um slogan vazio: Michael Jackson será para sempre o Rei do Pop.
(Escrevi o texto acima no dia que Michael morreu. Lembrei porque saiu o primeiro trailer de sua cinebiografia, zilhões de views logo nos primeiros dias.
Parece chapa branquíssima. É estrelada por seu sobrinho, Jaafar Jackson, filho de Jermaine. O diretor, Antoine Fuqua, é especialista em filmes de ação apelões.
O filme tem pinta de bomba, pode virar mania; quem sabe o apresentará para quem não viveu suas impossíveis explosão e implosão. Será que esse monumento com pés de barro faz sentido pras novas gerações?
Descobriremos em abril de 2026. Abaixo republico um textinho de 2014, mais leve, mais esperançoso, sobre seu disco de “inéditas” e uma fantasia do que Michael quem sabe pudesse ser hoje…)
UM MUNDO COM MICHAEL, SEM “MICHAEL”
Michael Jackson tinha 24 anos quando gravou “Love Have Never Felt So Good”. Era 1983. Demorou três décadas para podermos ouvir essa delícia.
É um grande hit e a única música que merece ser hit no disco “Xscape”, que cobre as piores décadas da carreira de Michael, sua transformação de um artista criativo e contagiante em um vampiro vazio.
Mas lá a música tem uma produção modernosa e participação do insosso Justin Timberlake, a cópia da cópia da cópia de Michael. Vale ouvir a versão original. Feliz, solar, com o frescor de um namoro novo. E Michael achou que não era grande coisa…
“Love Have Never Felt So Good” não é obra à altura do gênio de Jackson, certo. Mas nos obriga a imaginar um mundo em que “Thriller” não fez tanto sucesso assim. Nada que pirasse de vez o garoto com décadas de palco e uma iniciante carreira solo.
Quem sabe ele superasse uma infância insana. Talvez superasse a contradição entre ser homossexual e testemunha de jeová, entre se permitir a liberdade de criar e exigir o sucesso a qualquer preço. Um mundo lindo em que Michael Jackson estaria por aí, coroa, mulato, fazendo linda música.
Era um príncipe e que bom seria se nunca virasse rei. Eu estava por aí em 1983 e lembro bem: Michael never felt so good.



