O marketing das dificuldades

POR GERSON NOGUEIRA

A semana começou sob o impacto de notícias e especulações sobre problemas enfrentados pelo Avaí, adversário de sábado em jogo fundamental para o Remo quanto à definição do acesso. Um ponto comum entre informação e boato é a confirmação de que o clube catarinense vive profunda crise interna, com salários e gratificações em atraso.

É de conhecimento público que, durante toda a Série B, o Avaí conviveu com dificuldades financeiras, problemas administrativos e ameaças de greve por parte dos jogadores. Perdeu profissionais importantes, como o técnico Jair Ventura, que optou por dirigir o Vitória. 

Isso não impediu que o time cumprisse campanha digna na competição, mantendo-se sempre no bloco intermediário e resistindo bravamente aos maus passos da gestão. É importante destacar que o elenco não deixou passar para o campo as mazelas que tumultuavam o ambiente interno.

As notícias sobre isso têm sido repercutidas no Pará com um enfoque favorável às pretensões do Remo. É natural que se avalie que um Avaí entregue a problemas será um adversário mais fácil de ser batido.

Cabe, porém, desdobrar um pouco esse cenário para chegar a dados mais realistas. Em primeiro lugar, faz parte da tradição das Séries A e B a divulgação de problemas nas rodadas derradeiras dos campeonatos como forma de atrair gratificações e estímulos extras. O velho truque de vender dificuldades para usufruir facilidades.

É uma lei não escrita, que se revela em campo na forma aguerrida com que times já sem chances na competição se comportam. Jamais alguém conseguiu provar o pagamento de bônus para times ou jogadores a fim de que tirem pontos de um adversário direto, mas ninguém tem dúvida de que a prática é exercida com aceitação e naturalidade no futebol brasileiro.

Por essa razão, torcida e dirigentes do Remo devem manter prudência em relação às notícias que vêm de Florianópolis. O Avaí não treina há dois dias e fala-se até em time misto para sábado. Tudo dentro do script do marketing de dificuldades, expondo o quanto uma gratificação de adversários do Remo pode ser bem-vinda a essa altura.

Que ninguém estranhe se, na partida válida pela 37ª rodada, o Avaí entre em campo com o time titular completo, comendo grama e disputando cada bola como se fosse uma final de Copa do Mundo. A força da grana constrói e destrói, já ensinou mestre Caetano, e o papel motivador de um bom “agrado” financeiro não pode ser subestimado.

Concentração máxima para evitar surpresas

O Remo, que foi direto de Novo Horizonte (SP) para Florianópolis, a fim de reduzir o desgaste causado pela viagem, treina na capital catarinense e mantém o foco no confronto de sábado. O time se recompõe com o retorno de Caio Vinícius ao meio-campo e de Diego Hernández ao ataque.

A partida, apesar da boataria em torno do Avaí, deve ser mais difícil e tensa do que se imagina. Por mais que o adversário venha a utilizar um time mesclado, é improvável que o Remo tenha suas ações facilitadas. Sem pressão, reservas e garotos da base costumam se superar nesses momentos.   

Caio e Hernández são reforços importantes, capazes de compensar a perda do lateral-direito Marcelinho, lesionado gravemente na partida com o Novorizontino. O departamento médico azulino trabalha para colocar o jogador em condições para o jogo, mas a dúvida permanece.

Caio Vinícius é o melhor exemplo da reconfiguração imposta ao time do Remo pelo técnico Guto Ferreira. Desde que assumiu o comando, Caio se tornou peça de equilíbrio, tanto na marcação à frente da zaga quanto na surpreendente capacidade de se tornar uma peça ofensiva.

Marcou quatro gols nesta nova fase, funcionando como motor nos avanços do Remo, superando bloqueios fortes, como o que o time terá pela frente no sábado. A ação na área adversária, surpreendendo a marcação com chegadas entre os zagueiros, é uma forte arma azulina na competição.

Hernández é outra peça-chave, pois tornou-se uma alternativa a um ataque que antes vivia exclusivamente da presença e do oportunismo de Pedro Rocha. Com Hernández avançando pela direita e arriscando chutes de média distância, o Remo tornou-se muito mais agudo. (Foto: Raul Martins/Ascom CR)

Papão faz escolha ousada para cuidar do futebol

Marcelo Sant’Ana, ex-presidente do Bahia, é o novo executivo de futebol do PSC. Uma escolha surpreendente e ousada. Especialista em marketing, graduado em jornalismo, formado em gestão de futebol e forjado na administração de um dos clubes mais importantes do país, ele pode ser um divisor de águas no processo de reconstrução que o clube desenvolve.  

Sant’Ana foi o presidente mais jovem da história do Bahia, entre 2015 e 2017, com 35 anos, conquistando títulos e acessos importantes. Traz para o Papão toda a bagagem de quem conhece as entranhas da engrenagem do futebol, incluindo as disputas e vaidades internas.

Tem todas as condições de fazer um bom trabalho no clube. Para isso, porém, vai precisar de autonomia e apoio da diretoria. Trazer um profissional preparado só vale a pena se a ele for concedido espaço para impor suas ideias e trabalhar com liberdade.  

(Coluna publicada na edição do Bola desta quinta-feira, 13)