A força mística da Camisa 33

POR GERSON NOGUEIRA

Ao cobrar a falta e marcar o gol que garantiu a vitória de 3 a 2 sobre o Paysandu, na noite de terça-feira (14), no Mangueirão, o atacante uruguaio Diego Hernández entrou definitivamente para a galeria dos usuários da célebre camisa 33 do Remo, que foi lançada pela primeira vez há 12 anos e entregue à época ao meia Eduardo Ramos.

Pela importância da partida contra o PSC, o lance decisivo serviu para chamar atenção também para o misticismo em torno da camisa 33. Criada como um símbolo da histórica série de 33 jogos de invencibilidade sobre o rival, entre os anos de 2002 e 2019, ela já foi destinada nesta temporada a dois jogadores.

Cabe dizer que o peso do significado da camisa nem sempre é suportado por quem a recebe. O primeiro a vestir a 33 neste ano foi o atacante Felipe Vizeu, trazido com status de principal contratação. Após 17 partidas (quando marcou 3 gols) e colecionando vaias da torcida ao seu desempenho, ele desistiu da emblemática camisa e passou a usar a camisa 9.

Um dos últimos reforços a chegar ao Baenão, o uruguaio Diego Hernández aceitou a missão de vestir a 33, consciente do significado afetivo para a torcida. Deu certo. Coube a ele a honra de ser o primeiro jogador a fazer gol no rival usando a 33. A forma como ele comemorou o gol sobre o maior rival, tirando a camisa e exibindo a numeração, deixa bem claro que a conexão de fato se estabeleceu.

Hernández já havia feito isso na partida contra o CRB, que marcou a estreia do técnico Guto Ferreira. Ao marcar o primeiro gol, ele fez o mesmo gesto, valorizando a importância da camisa, desfraldada como se fosse uma bandeira ou um estandarte.  

O que se passa em relação à Camisa 33 do Remo nada mais é do que a valorização prática de uma simbologia tão cara ao futebol. Para clubes e torcidas, histórias de conquistas e grandes feitos são reverenciadas, sempre na expectativa de que ajudem a inspirar novas vitórias.

Quis o destino que o gol do dramático triunfo sobre o rival traga a marca do lendário nº 33, inserindo-se na campanha pelo acesso à Série A. Para a massa torcedora, isso é mais que uma simples coincidência – sem esquecer que o jogo contra o Athletic, no sábado, vale pela rodada 33.

Guto Ferreira e a mudança de chave no Leão

É fato que a chegada de Guto Ferreira foi determinante para a guinada que o Remo empreendeu nas últimas quatro rodadas da Série B. Sem revolucionar ou mudar radicalmente a maneira de atuar, ele deu ao time um sentido de competição que não era evidente desde os tempos de Daniel Paulista no comando.

As vitórias em sequência atestam o encaixe com o elenco, visivelmente mais motivado e disposto a ir às últimas consequências em busca do objetivo maior: a conquista do acesso. Com Antônio Oliveira, que ficou tempo demais no clube, o espírito era outro.

Um ponto importante é a motivação dos jogadores que estavam escanteados, e que passam a ser utilizados e valorizados. Marcelinho, Nathan Camargo e Diego Hernández são os principais exemplos.

Na entrevista que deu depois do clássico, Guto foi cirúrgico ao descrever a estratégia em relação aos jogadores. Ele aposta na valorização como forma de garantir competitividade na reta final do campeonato. Não quer proporcionar espetáculo, quer resultados.

Até mesmo o apagão no 2º tempo diante do PSC foi explicado como algo natural para quem queria garantir a vitória e precisava se expor. É verdade que a demora na tomada de decisão poderia ter determinado a derrota, mas o técnico entende que o risco valia a pena. Quem há de discordar?  

Forças subterrâneas atravancam a Seleção

Fabrício Bruno, zagueiro de perfil mediano até para clubes, de repente aterrissou na Seleção Brasileira como alternativa para compor a linha defensiva na Copa do Mundo. Ninguém sabe explicar essas coisas. O fato é que o futebol é muitas vezes manejado nas sombras dos bastidores.

Desde que a modalidade virou uma máquina de fazer dinheiro, interesses diversos determinam convocações e eventuais esquecimentos. Casos como o do bronco volante Amaral, eleito por Zagallo para ser o nº 1 no escrete, são raros exemplos que ganharam visibilidade.

Atualmente, o predomínio avassalador de atletas que disputam ligas europeias é revelador do poder de agentes e empresários nas decisões que envolvem a Seleção. E isso não pode ser desconsiderado nem mesmo com a presença de um técnico consagrado e teoricamente imune a pressões.

Carlo Ancelotti tem pulso firme e autonomia para repelir “indicações”, mas não pode sanear um ambiente contaminado há tempos. A maioria das convocações atuais concentra o foco em jogadores que têm sido chamados rotineiramente, sem maiores explicações, até porque ninguém é obrigado a explicar rigorosamente nada.

Apostas esdrúxulas ganham força no cenário de estiagem de talentos que se abate sobre o futebol brasileiro. Como existem poucos nomes indiscutíveis, como Vini Jr. e Raphinha, floresce o hábito de dar tiros a esmo em busca de nomes para completar a lista de convocados.

A escolha de um zagueiro errático como Fabrício Bruno, mais conhecido pelas botinadas e carrinhos, simboliza bem essa miopia. Existem uns 200 zagueiros no Brasil no mesmo nível ou melhores que ele, mas, por força de lobbies invisíveis, ele chegou ao escrete como se fosse coisa normal.

Aliás, as derrapadas no jogo contra o Japão permitem a Ancelotti perceber que pode estar sendo induzido a erros. A presença de Hugo Souza é um capítulo à parte. Goleiro atrapalhado, do mesmo naipe de um Muralha, sua convocação só se justifica pela influência fantasmagórica de forças ocultas. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta quinta-feira, 16)