“Democracia e soberania são inegociáveis”

Por Luiz Inácio Lula da Silva

“Decidi escrever este artigo para estabelecer um diálogo aberto e franco com o presidente dos Estados Unidos. Ao longo de décadas de negociações, primeiro como líder sindical e depois como presidente, aprendi a ouvir todos os lados e a levar em consideração todos os interesses em jogo. Foi por isso que examinei cuidadosamente os argumentos apresentados pelo governo Trump para impor uma tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros. 

Trazer de volta os empregos americanos e a reindustrialização são motivações legítimas. Quando, no passado, os Estados Unidos levantaram a bandeira do neoliberalismo, o Brasil alertou sobre seus efeitos prejudiciais. Ver a Casa Branca finalmente reconhecer os limites do chamado Consenso de Washington — uma receita política de proteção social mínima, liberalização comercial irrestrita e desregulamentação geral dominante desde a década de 1990 — justificou a posição brasileira. 

Mas recorrer a ações unilaterais contra Estados individuais é prescrever o remédio errado. O multilateralismo oferece soluções mais justas e equilibradas. O aumento da tarifa imposto ao Brasil neste verão não é apenas equivocado, mas também ilógico. Os Estados Unidos não têm déficit comercial com nosso país, nem estão sujeitos a altas tarifas. 

Nos últimos 15 anos, acumulou um superávit de US$ 410 bilhões no comércio bilateral de bens e serviços. Quase 75% das exportações dos EUA para o Brasil entram isentas de impostos. Segundo nossos cálculos, a tarifa média efetiva sobre os produtos americanos é de apenas 2,7%. Oito dos dez principais itens têm tarifa zero, incluindo petróleo, aeronaves, gás natural e carvão. 

A falta de justificativa econômica por trás dessas medidas deixa claro que a motivação da Casa Branca é política. O vice-secretário de Estado, Christopher Landau, teria dito isso no início deste mês a um grupo de líderes empresariais brasileiros que estavam trabalhando para abrir canais de negociação. O governo dos Estados Unidos está usando tarifas e a Lei Magnitsky para buscar impunidade para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que orquestrou uma tentativa fracassada de golpe em 8 de janeiro de 2023, em um esforço para subverter a vontade popular expressa nas urnas. 

Tenho orgulho da decisão histórica tomada na quinta-feira pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, que protege nossas instituições e o Estado de Direito democrático. Não se tratou de uma “caça às bruxas”. A decisão foi resultado de um processo conduzido de acordo com a Constituição brasileira de 1988, promulgada após duas décadas de luta contra uma ditadura militar. Ela veio após meses de investigações que revelaram planos para assassinar a mim, ao vice-presidente e a um ministro do Supremo Tribunal Federal. As autoridades também descobriram um projeto de decreto que teria efetivamente anulado os resultados das eleições de 2022. 

O governo Trump acusou ainda o sistema judiciário brasileiro de perseguir e censurar empresas de tecnologia americanas. Essas alegações são falsas. Todas as plataformas digitais, sejam elas nacionais ou estrangeiras, estão sujeitas às mesmas leis no Brasil. É desonesto chamar regulamentação de censura, especialmente quando o que está em jogo é a proteção de nossas famílias contra fraudes, desinformação e discurso de ódio. A internet não pode ser um terreno sem lei, onde pedófilos e abusadores têm liberdade para atacar nossas crianças e adolescentes. 

Igualmente infundadas são as alegações do governo sobre práticas desleais do Brasil no comércio digital e nos serviços de pagamento eletrônico e sua suposta falha em fazer cumprir as leis ambientais. Ao contrário de ser injusto com os operadores financeiros dos Estados Unidos, o sistema de pagamentos digitais do Brasil, conhecido como Pix, possibilitou a inclusão financeira de milhões de cidadãos e empresas. Não podemos ser penalizados por criar um mecanismo rápido, gratuito e seguro que facilita as transações e estimula a economia. 

Nos últimos dois anos, reduzimos pela metade a taxa de desmatamento na Amazônia. Somente em 2024, a polícia brasileira apreendeu centenas de milhões de dólares em bens usados em crimes ambientais. Mas a Amazônia ainda estará em perigo se outros países não fizerem sua parte na redução das emissões de gases de efeito estufa.

O aumento da temperatura global pode transformar a floresta tropical em uma savana, alterando os padrões de precipitação em todo o hemisfério, incluindo o meio-oeste americano.

Quando os Estados Unidos abandonam uma relação de mais de 200 anos, como a que mantêm com o Brasil, todos perdem. Não há diferenças ideológicas que devam impedir dois governos de trabalhar juntos em áreas onde têm objetivos comuns. 

Presidente Trump, continuamos abertos a negociar qualquer coisa que possa trazer benefícios mútuos. Mas a democracia e a soberania do Brasil não estão em discussão. Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2017, o senhor disse que ‘nações soberanas fortes permitem que países diversos, com valores, culturas e sonhos diferentes, não apenas coexistam, mas trabalhem lado a lado com base no respeito mútuo’. É assim que vejo a relação entre o Brasil e os Estados Unidos: duas grandes nações capazes de se respeitar e cooperar para o bem dos brasileiros e dos americanos.”

Acerto de contas com o passado

Por Guto Lobato, no Facebook

Lembro perfeitamente do dia da prisão do Lula. Meio mundo declarando os vícios do processo, gente na própria direita incrédula com a ordem de confinamento sem qualquer prova cabal dos crimes dos quais o ex-presidente era acusado.

Na Saúde, bairro de classe média de São Paulo, onde a gente morou por 12 anos, uma horda de gente batia panelas e ofendia Lula e sua família, dizia que a petistada ia toda morrer de fome. Como no impeachment da Dilma, outro momento sombrio que nossa geração teve de aturar, a gente estava em casa, numa fossa surreal, em um anoitecer nublado, feioso.

Mesmo sem nunca haver votado no Lula até ali (somente na Dilma), senti uma vontade insana de dar soco na parede ao ver aquele homem, que tinha tirado o Brasil do mapa da fome, que nada tinha de prova contra si, ser escorraçado para a cadeia e carregado com afeto por seus eleitores e militância, no ABC. Uma cena sem qualquer violência, com uma entrega voluntária que seguiria respeitosa em sua permanência no cárcere por mais de 500 dias. Na televisão, cobertura em tempo real das viaturas da PF entre o ABC e o aeroporto, direto para Curitiba. Comentaristas, quase todos conservadores, mal disfarçando a empolgação juvenil. Aquele PPT; ah, aquele PPT. Claramente tinha algo muito errado naquele circo. 

E tinha. O processo foi – descobriu-se via um belo trabalho investigativo e de denúncia do jornalismo, este mesmo que o bolsonarismo e seus defensores detestam – absolutamente viciado, contaminado e embebedado pela sanha da extrema-direita, na sua vontade infinita de eliminar o outro e reinar absoluta na teocracia da arminha que Bolsonaro tentaria implantar.

Não deu certo. Ele perdeu as eleições de 2022 após assassinar 700 mil brasileiros, botar pessoas pobres para comer sopa de osso e, com isso, fazer gente sensata da direita tapar os olhos e até apertar o 13 que sempre detestou. Perdeu, não aceitou, tentou dar um golpe, mas perdeu. Lula assumiu e voltamos a ter alguma paz.

Corta para 2025.

Estou eu aqui, ainda morando aqui no Brasil, ainda acreditando em tudo isso aqui. Um pouco mais velho, um pouco menos paciente com gente maluca, mas também menos brigão. Agora, com dois filhos que Mayara e eu decidimos colocar no mundo, acreditando (tendo esperança) que isso ainda é lugar justo e bom de se viver. Afinal, para que faríamos filhos, se achássemos que não tem salvação? Hoje, estamos sem Bolsonaro no governo; em troca, temos um Bolsonaro encurralado, de tornozeleira e prisão domiciliar, combalido e corroído por seu próprio ódio, réu junto com seus asseclas.

Assisti ontem e hoje ao julgamento do processo que, no Supremo Tribunal Federal, confirmou a existência de uma organização criminosa mobilizada, entre 2021 e 8/1/2023, para assassinar Lula, eleito, seu vice, Alckmin, e um ministro do STF, entre outras coisinhas mais – tipo dar um golpe de estado, abolir o TSE, invalidar as eleições etc. Coisa miúda. Essa organização faz parte do mesmo grupo que assassinou centenas de milhares na pandemia, que desdenhou do sofrimento alheio, que atrasou a compra de vacinas. Que matou de Covid-19 pais de amigos meus, queridos, que nunca fizeram mal a uma mosca. Mas que está sendo julgada por motivos mais mundanos, por ora – por ora! -, e que teve na Primeira Turma sua sentença confirmada por uma somatória de crimes.

Mal consigo expressar a chuva de coisas que passaram pela cabeça quando vi os ministros descreverem seu voto e suas ideias. Juro que só conseguia pensar no Vinicius e na Athena. Nunca na vida senti com tanta segurança que o que se faz aqui, se paga aqui. Mesmo na hora do voto de Fux, o homem que se contradiz sem que ninguém o peça, esse julgamento foi uma experiência prazerosa. Distensão, catarse, vontade de ver alguém que tanto mal fez (e que já está pagando em vida pelo que fez, diga-se de passagem – uma vida horrenda, em uma família horrenda) ser responsabilizado, considerado criminoso em uma votação colegiada.

Lembro, ainda hoje, dos depoimentos e dos passos jurídicos do Brasil surtado do lavajatismo. Via Lula ali, sabendo que seria preso hora ou outra, sempre calmo, sem gritaria, reiterando que era um processo (e não um julgamento) injusto. Saiu da cadeia respeitando a Suprema Corte – a mesma que por fim teve a responsabilidade de anular seus processos viciados. Agora, vê-se Bolsonaro, sem cargo e sem poder, desesperado, fazendo drama nas redes e na mídia, ressaltando seu apodrecimento físico e psíquico. Diz-se, condenado antes mesmo do julgamento – não porque os juízes necessariamente queriam, mas porque a montanha de provas berrava na cara de qualquer um. Um decadente, rumo à decadência.

Há dois anos, mais ou menos, não escrevia nada aqui. Sigo sem paciência, sem saco, mas hoje é um dia muito especial. Um dia em que a gente vê que vale a pena ficar nesse país, abraçar o lado correto da História (que, sim, existe) e ter paciência e serenidade. Justiça existe. Os autos da ação penal da trama golpista não são sobre isso, as penas idem – mas tudo faz remeter à confusão iniciada há exatos dez anos, quando Dilma começou a ser expulsa a conta-gotas do cargo para o qual foi eleita. Dali em diante, a esquerda (qualquer esquerda, qualquer coisa que não a mais burra direita) foi ridicularizada, tomada como bandida, pisoteada, substituída por cristãos adoradores de armas. 

Hoje a coisa é diferente. Nossos filhos dormem tranquilos, e a gente vai dormir mais tranquilo ainda. A gente vai comemorar. Afinal, depois de tudo que qualquer pessoa sensata viu de errado e teve que engolir nos últimos dez anos, podemos finalmente dizer que o jogo virou. Valeu a pena acreditar que nosso país é decente, que sabemos punir e reprimir quem atenta contra nossa estrutura institucional, que respeitamos eleições. Que temos um Judiciário capaz de entender o senso de urgência dessa ação.

Em resumo, valeu e vale a pena insistir, viver, fazer família e planejar um futuro aqui. Esse país finalmente começou, hoje, a acertar suas contas com um passado horroroso e expurgar seus demônios. Acordamos de um pesadelo. Que seja só o começo – sem anistia, sem perdão, sem dó ou piedade.

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Nota do blogueiro – Identifico-me com o amigo Guto Lobato quanto a ter perdido por um bom tempo o tesão pra ficar protestando e manifestando indignação com as perversidades extremistas da direita no Brasil. Mas, aos poucos, os fatos estão permitindo que a velha fúria por Justiça reapareça viva e confiante.

Um país sabia o que fazer quando seu presidente tentou roubar uma eleição

Por Filipe Campante – The New York Times

Na quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal brasileiro fez o que o Senado dos EUA e os tribunais federais tragicamente não conseguiram fazer: levar um ex-presidente que atacou a democracia à justiça. Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal votou por 4 a 1 para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro por conspirar contra a democracia e tentar um golpe após sua derrota nas eleições de 2022. Ele foi condenado a 27 anos de prisão. Salvo um recurso bem-sucedido, o que é improvável, Bolsonaro se tornará o primeiro líder golpista da história do Brasil a cumprir pena na prisão.

Esses desenvolvimentos contrastam fortemente com os Estados Unidos, onde o presidente Trump, que também tentou anular uma eleição, foi enviado não para a prisão, mas de volta à Casa Branca. Trump, talvez reconhecendo o poder desse contraste, chamou a acusação de Bolsonaro de “caça às bruxas” e descreveu sua condenação como “uma coisa terrível. Muito terrível.”

Mas Trump não apenas criticou o esforço do Brasil para defender sua democracia: ele também o puniu. Citando o processo legal contra Bolsonaro antes mesmo de ser decidido, o governo Trump
impôs uma tarifa colossal de 50% sobre a maioria das exportações brasileiras e impôs sanções a vários funcionários do governo e juízes do Supremo Tribunal Federal. O juiz Alexandre de Moraes, que supervisionou o caso, foi apontado por sanções especialmente duras sob a Lei Global Magnitsky.

Este foi um passo sem precedentes. O governo atacou um juiz da Suprema Corte em um país democrático com sanções que antes eram reservadas para notórios violadores de direitos humanos, como Abdulaziz al-Hawsawi, que estava implicado no assassinato em 2018 de um colaborador do Washington Post, Jamal Khashoggi, e Chen Quanguo, um arquiteto da perseguição do governo chinês à sua minoria uigur. Após o veredicto de Bolsonaro na quinta-feira, o secretário de Estado, Marco Rubio, dobrou a política de Trump (e sua analogia), declarando que os Estados Unidos “responderiam de acordo com essa caça às bruxas”.

Em suma, o governo Trump procurou usar tarifas e sanções para intimidar os brasileiros a subverter seu sistema legal – e sua democracia junto com ele. Com efeito, o governo dos EUA está
punindo os brasileiros por fazerem algo que os americanos deveriam ter feito, mas não conseguiram: responsabilizar um ex-presidente por tentar anular uma eleição.

As democracias contemporâneas enfrentam desafios crescentes de políticos e movimentos iliberais que conquistam o poder nas eleições e depois subvertem a ordem constitucional. Líderes eleitos como Hugo Chávez na Venezuela, Recep Tayyip Erdogan na Turquia, Viktor Orban na Hungria, Nayib Bukele em El Salvador e Kais Saied na Tunísia politizaram as agências governamentais e as implantaram para enfraquecer os oponentes e se entrincheirar no poder.

Uma lição das décadas de 1920 e 1930 – a última vez que as democracias ocidentais enfrentaram tais ameaças internas – é que as forças iliberais nem sempre jogam limpo nas eleições. Eles estão
mais dispostos do que os liberais a usar demagogia, desinformação e violência para ganhar e manter o poder. Como os liberais europeus aprenderam durante esse período, a passividade diante de tais ameaças pode custar caro. As democracias não podem se defender. Eles devem ser defendidos. Mesmo os controles constitucionais mais bem projetados são meros pedaços de papel, a menos que os líderes os exerçam.

Na última década, os Estados Unidos e o Brasil enfrentaram ameaças iliberais. Os paralelos são impressionantes. Ambos os países elegeram presidentes com instintos autoritários que, depois
de perder a reeleição, foram atrás das instituições democráticas.

Trump violou a regra fundamental da democracia quando se recusou a aceitar a derrota nas eleições de 2020 e tentou anular os resultados em uma campanha que culminou na insurreição de 6 de janeiro de 2021.

Bolsonaro, um político de extrema-direita eleito em 2018, pegou emprestado muito do manual de Trump. Atrás nas pesquisas à medida que a eleição de 2022 se aproximava, Bolsonaro começou
a questionar a integridade do processo eleitoral. Ele denunciou repetidamente as autoridades eleitorais e atacou – e tentou eliminar – o sistema de votação eletrônica do Brasil. Ele alegou que a única maneira de perder era por meio de fraude, o que implica que uma vitória da oposição seria ilegítima.

Depois de perder por pouco para Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro, previsivelmente, recusou-se a ceder e, em 8 de janeiro de 2023, milhares de seus apoiadores invadiram o Congresso, o
Supremo Tribunal Federal e o palácio presidencial do Brasil. Embora o levante tenha sido paralelo aos eventos de 6 de janeiro, o ataque de Bolsonaro à democracia foi além do de Trump. Com base no histórico de envolvimento militar do Brasil na política, Bolsonaro, um ex-capitão do exército, cultivou uma aliança com elementos das forças armadas. Na falta de um partido forte ou base legislativa, ele se apoiou nos militares para obter apoio.

Volumosas evidências descobertas pela Polícia Federal indicaram que Bolsonaro e alguns de seus aliados militares conspiraram para derrubar a eleição e bloquear a posse de Lula. A conspiração
parece ter incluído planos para assassinar Lula, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e o ministro Moraes. Felizmente, o comando do exército, sob pressão do governo Biden, recusou-se a concordar com a tentativa de golpe.

Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, então, os presidentes eleitos atacaram as instituições democráticas, buscando se manter no poder após perderem a reeleição. Ambas as tomadas de poder falharam – inicialmente.

Mas é aí que as duas histórias divergem. Os americanos fizeram muito pouco para proteger sua democracia do líder que a atacou. Os alardeados controles constitucionais do país não conseguiram responsabilizar Trump por sua tentativa de anular a eleição de 2020.

Embora a Câmara dos Deputados tenha votado pelo impeachment de Trump em janeiro de 2021, o Senado, que poderia tê-lo condenado e impedido de concorrer à presidência novamente, votou por absolvê-lo. O Departamento de Justiça demorou a processar Trump por seu papel no fomento da insurreição de 6 de janeiro, esperando quase dois anos antes de nomear um procurador especial. Trump foi indiciado em agosto de 2023, mas a Suprema Corte, agindo sem senso de urgência, permitiu que o caso fosse adiado. Em julho de 2024, o tribunal decidiu que os presidentes gozam de ampla imunidade, inviabilizando o caso do governo contra Trump. O Partido Republicano indicou Trump para concorrer à reeleição em 2024, apesar de seu comportamento abertamente autoritário. Quando ele ganhou a eleição, os casos federais contra ele foram arquivados.

Essas falhas institucionais custaram caro. O segundo governo Trump tem sido abertamente autoritário, armando agências governamentais e implantando-as para punir críticos, ameaçar rivais e intimidar o setor privado, a mídia, escritórios de advocacia, universidades e grupos da sociedade civil. Rotineiramente contornou a lei e às vezes desafiou a Constituição. Menos de nove
meses após o início da segunda presidência de Trump, os Estados Unidos já cruzaram a linha do autoritarismo competitivo.

O Brasil seguiu um caminho diferente. Tendo vivido sob ditadura militar, os funcionários públicos brasileiros perceberam uma ameaça à democracia desde o início da presidência de Bolsonaro.
Muitos juízes e líderes do Congresso viram a necessidade de defender energicamente as instituições democráticas de seu país. Como o juiz Moraes disse a um de nós: “Percebemos que
poderíamos ser Churchill ou Chamberlain. Eu não queria ser Chamberlain”.

Vendo-se como um baluarte contra o autoritarismo de Bolsonaro, os juízes brasileiros reagiram com força. Quando surgiram evidências de que a campanha de Bolsonaro havia feito uso generalizado de desinformação durante a eleição de 2018, o tribunal lançou o que ficou conhecido como Inquérito de Notícias Falsas, no qual procurou agressivamente reprimir o que os juízes consideravam uma desinformação perigosa. Moraes, que se tornou presidente do Tribunal Superior Eleitoral (que é administrado pelo Supremo Tribunal Federal) em 2022, liderou o inquérito. Sob Moraes, o tribunal suspendeu as contas de mídia social de ativistas que descobriu terem se envolvido em atividades on-line antidemocráticas, ordenou a remoção de alguns conteúdos online que considerou ameaçadores à democracia, revistou as casas de empresários pró-Bolsonaro que supostamente apoiaram um golpe e até prendeu um congressista pró-Bolsonaro que pediu ditadura e a dissolução do tribunal. (Ele foi libertado depois de nove meses.)
Essas medidas foram controversas no Brasil e certamente estão em desacordo com a tradição libertária dos Estados Unidos, mas foram amplamente consistentes com a forma como a Alemanha e outras democracias europeias regulam o discurso antidemocrático.

No dia da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral tomou várias medidas para garantir a integridade da votação, incluindo ordenar o desmantelamento de postos de controle ilegais estabelecidos pela
polícia pró-Bolsonaro e anunciar os resultados imediatamente após a conclusão da contagem dos votos, para que Bolsonaro não tivesse tempo de contestá-los. Crucialmente, em outro afastamento
marcante do que aconteceu nos Estados Unidos, proeminentes políticos pró-Bolsonaro, incluindo os principais líderes legislativos e governadores de direita, reconheceram prontamente a vitória de Lula.

Depois que os eventos de 8 de janeiro de 2023 deixaram claro que Bolsonaro representava uma ameaça à democracia, os tribunais brasileiros agiram agressivamente para responsabilizá-lo – e
impedir seu retorno ao poder. Em junho de 2023, o Tribunal Superior Eleitoral proibiu Bolsonaro de ocupar cargos públicos por oito anos, fechando a porta para uma candidatura presidencial em 2026.

Em fevereiro de 2025, Bolsonaro foi indiciado por conspiração golpista, dando início ao julgamento que levou à condenação de quinta-feira.

Embora os apoiadores de Bolsonaro tenham saído às ruas para protestar contra sua acusação, a maioria dos políticos conservadores do Brasil aceitou amplamente esse processo. Embora muitos políticos conservadores tenham criticado o que consideram um exagero judicial e alguns deles tenham endossado propostas de impeachment de juízes do Supremo Tribunal Federal ou anistia a Bolsonaro e aos manifestantes presos em 8 de janeiro, o Congresso dominado pelos conservadores visivelmente falhou em seguir essas medidas. De fato, a maioria dos políticos de direita parece satisfeita em ver Bolsonaro afastado em 2026. Isso permitiria que eles se unissem a um porta-estandarte mais convencional (provavelmente um governador de direita) que, por
mais conservador que fosse, provavelmente seguiria as regras do jogo democrático.

Ao contrário dos Estados Unidos, então, as instituições do Brasil agiram vigorosamente e, até agora, com eficácia, para responsabilizar um ex-presidente por tentar derrubar uma eleição. É
precisamente a eficácia das instituições brasileiras que colocou o país na mira do governo Trump. Tendo ficado sem opções no Brasil, Bolsonaro recorreu a Trump. O filho de Bolsonaro, Eduardo,
fez lobby na Casa Branca por meses, buscando a intervenção dos EUA em nome de seu pai. Trump, que disse que o caso de Bolsonaro se parecia “muito” com o que “eles tentaram fazer
comigo”, foi persuadido.

Na tentativa de intimidar as autoridades brasileiras para que deixem Bolsonaro escapar da justiça, o governo Trump está abandonando quase quatro décadas de política dos EUA em relação à América Latina. Após o fim da Guerra Fria, os governos dos EUA foram bastante consistentes em sua defesa da democracia na América Latina. Os esforços do governo Biden para bloquear a tentativa de golpe de Bolsonaro foram uma manifestação clara dessa política. Agora, em um movimento que evoca algumas das intervenções mais antidemocráticas da Guerra Fria nos Estados Unidos, os Estados Unidos estão tentando subverter uma das democracias mais importantes da América Latina.

Com todas as suas falhas, a democracia brasileira é hoje mais saudável do que a dos Estados Unidos. Profundamente conscientes do passado autoritário de seu país, as autoridades judiciais e políticas do Brasil não consideravam a democracia garantida. Seus colegas americanos, por outro lado, falharam no trabalho. Em vez de minar o esforço do Brasil para defender sua democracia, os americanos deveriam aprender com isso.

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Filipe Campante é professor de economia na Johns Hopkins;
Steven Levitsky é professor de governo em Harvard e autor, com
Daniel Ziblatt, de “Tirania da Minoria”

Tendo a sorte como aliada

POR GERSON NOGUEIRA

A invencibilidade do Remo como visitante esteve por um fio no jogo deste sábado, em Goiânia, diante do Vila Nova. Sufocado desde os primeiros minutos, o time encontrou dificuldades para se defender e quase não ameaçou o gol adversário. Tomou o gol e conseguiu, num lance inusitado, chegar ao empate, escapando da derrota que parecia certa.

O técnico Antônio Oliveira admitiu que o Remo foi dominado fisicamente e teve mais sorte que juízo. Não deixou, porém, de observar que em várias partidas a equipe foi superior e acabou duramente castigada em lances parecidos com o que garantiu o empate em Goiânia.

Oliveira citou o jogo contra o Criciúma, uma das melhores atuações do Remo em Belém, que terminou em derrota nos minutos finais após um pênalti muito questionado. O fato é que, pelas características da Série B, lances acidentais se incorporam à caminhada dos clubes na competição.

Apesar disso, não há como negar que a atuação errática do Remo contra o Vila Nova repetiu um padrão de comportamento visto em outros jogos. Cede espaço e bola, aparentemente para explorar os erros do adversário. Ocorre que isso não se traduz em realidade.

No sábado à noite, o Vila Nova ficou com a bola e pressionou o tempo todo, criando várias oportunidades desde o 1º tempo. Chegou ao gol no início da etapa final e quase conseguiu ampliar, contando com as facilidades que a marcação do Remo propiciava.

Escalado com Luan Martins no lugar de Caio Vinícius, suspenso, a barreira de proteção à frente da zaga não funcionou. Jaderson, que normalmente ajudaria no embate com os atacantes adversários, teve que se deslocar para o lado esquerdo e cobrir as falhas do lateral Sávio, em noite irreconhecível.

Oliveira substituiu Luan por Nathan Camargo. Tanto Luan quanto Nathan são jogadores que ficaram várias semanas entregues ao departamento médico tratando lesões sérias. Por infeliz coincidência, ambos voltaram a jogar justamente no sábado. As consequências eram previsíveis.  

Diego Hernández, insistentemente escalado como meia, voltou a ser peça improdutiva, pois nem arma e nem participa da dinâmica do meio-campo. Mal conseguiu tocar na bola. Foi trocado por Nathan Pescador, que não teve muito tempo para mostrar serviço.

Por fim, Régis entrou e o Remo desfrutou de alguns minutos de lucidez técnica e chegou a frequentar a intermediária do Vila Nova. Foi quando, em cobrança de falta, Pedro Rocha botou a bola na área, Junior Todinho desviou e a bola caprichosamente entrou no canto esquerdo.

Um empate com sabor de vitória, garantindo temporariamente a 5ª colocação. Um prêmio que caiu do céu. (Foto: Raul Martins/Ascom CR)

Sem inspiração, Papão tropeça em casa de novo

Márcio Fernandes estreou no PSC e, ao contrário do esperado, o time não mostrou a esperada motivação para se recuperar no campeonato. Mostrou-se inofensivo no ataque, confuso na armação de jogadas e até distraído na defesa, correndo alguns riscos desnecessários diante do sonolento ataque do América-MG.

O pífio desempenho reforçou a opinião de boa parte da torcida quanto à natureza do problema do Papão nesta Série B. Mais do que os técnicos, o problema está no elenco – isto é, na falta de opções qualificadas.

Não há sequer um meia de ofício entre os mais de 30 jogadores do plantel. Márcio Fernandes assumiu o comando técnico e se dedicou a tentar achar agulha no palheiro: descobrir alguém para exercer o papel de meia de articulação. Testou até o garoto Pedro Henrique, do sub-20.

Diante disso, vai continuar insistindo com Marlon ou Edinho, que se saiu muito bem no 2º tempo. Conduziu as poucas iniciativas ofensivas da equipe, não fugiu à responsabilidade de buscar jogo e foi um dos raros jogadores que se destacaram na tarde de mau futebol.

Para agravar ainda mais o quadro, Rossi voltou a atuar mal, com pouca participação durante o 1º tempo. A dupla Garcez/Diogo Oliveira, principal arma ofensiva do time, não consegue repetir as boas atuações iniciais. Diogo perdeu boa chance em lance aéreo e chutou de fora da área, com perigo, mas nas mãos do goleiro do América.

Os problemas e angústias se avolumam à medida que as rodadas diminuem. Restam agora 12 partidas para que o PSC conquiste pelo menos 22 pontos – sete vitórias e um empate. É um desafio gigantesco, que faz com que muitos já não acreditem na chance de salvação.

O próximo confronto é com o vice-líder Goiás, em Goiânia. Depois, o PSC recebe em Belém o Novorizontino, outro candidato ao acesso. Sem alternativas criativas para fazer o time crescer e sem coelhos na cartola, Márcio Fernandes deu a única receita que lhe ocorre neste momento: voltar a jogar na Curuzu, apostando na pressão da torcida sobre os adversários. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta segunda-feira, 15)

Rock na madrugada – Oasis, “Cigarettes and Alcohol / Acquiesce”

Grande hit do Oasis desde os primeiros anos de estrada, “Cigarettes and Alcohol” virou uma das sensações da turnê de retorno da banda, que começou triunfalmente no Reino Unido e agora chega à América Central, com shows na Cidade do México neste fim de semana.

O registro aqui é do show no Heaton Park, em Manchester, berço dos irmãos Gallagher, logo na abertura da excursão, no dia 11 de julho. O clima é de apoteose desde os acordes iniciais deste rockão puro, que abre com marcação forte de bateria e explode em acordes de guitarra dando tecido sonoro ao vocal gritado de Liam.

Mais de 90 mil fãs ensandecidos dançam, pulam e cantam junto com o grupo. Sensacional combinação de entusiasmo e genuína emoção roqueira, algo que andava meio adormecido há tempos, desde a separação do Oasis há quase 20 anos.

De certa forma, a letra traduz o clima reinante, de total descompromisso, bem ao estilo do Oasis: “É minha imaginação ou finalmente encontrei algo pelo qual vale a pena viver? Estava procurando por alguma ação e tudo que achei foram cigarros e álcool”.

“Cigarettes and Alcohol” é a oitava faixa e o último single de trabalho do aclamado álbum de estreia do Oasis, Definitely Maybe, de 1994. Quando lançaram a canção, Noel disse que percebeu ali o quão grande eles estavam se tornando: “Esse foi o momento em que percebemos que devíamos apertar os cintos, que as coisas ficariam um pouco loucas dali em diante”. Na mosca.

O segundo vídeo, não menos vibrante, é de “Acquiesce”, do show em Wembley (Londres), em agosto. A turnê chega ao fim no Brasil, com dois shows marcados para S. Paulo em novembro.

(Este Rock na Madrugada é dedicado à querida Marta Barriga, advogada, militante de esquerda, gente fina, ativista das boas causas e fã de rock {e do Oasis}, que partiu ontem, repentinamente. Marta, presente!)

Remo leva sufoco, mas empata no final e se mantém na disputa pelo G4

A invencibilidade do técnico Antônio Oliveira foi mantida em jogos fora de casa, mas o Remo sofreu muito para arrancar um empate em 1 a 1 diante do Vila Nova, em Goiânia, na noite deste sábado (13). Dominado no 1º tempo, o time paraense só deu um chute a gol, com João Pedro, mas errou muitos passes e não acertou a marcação.

Na etapa final, a pressão do Vila Nova se intensificou e o gol saiu logo aos 12 minutos. Em bola aérea, o rebote ficou com Gabriel Poveda, que finalizou para as redes após dar um giro em cima de Nathan Camargo, que havia substituído Luan Martins. O gol empolgou os goianos, que perderam mais uma chance em chute de Nathan Melo para grande defesa de Marcelo Rangel.

Aos 37′, depois do único bom ataque azulino na etapa final, Pedro Rocha cobrou falta e mandou a bola na área. Tentando interceptar o chute, Júnior Todinho desviou de cabeça contra as próprias redes, para desespero da torcida do Tigre e delírio dos azulinos presentes ao estádio Onésio Brasileiro Alvarenga (OBA). Aos 49′, o Vila chegou a marcar o segundo gol, mas o lance foi anulado por impedimento.

Foi o 12º empate do Remo na competição. Com o resultado, soma agora 39 pontos e permanece na quinta posição, podendo ainda ser superado por outras equipes. No sábado, recebe o Atlético-GO no estádio Baenão pela 27ª rodada. O Vila Nova foi a 36 pontos, ocupando a 9ª colocação.

Papão fica no zero diante do América e se complica ainda mais no campeonato

Com atuações fracas e sem inspiração, Paysandu e América ficaram no empate em 0 a 0, na tarde deste sábado (13), no Mangueirão, pela 26ª rodada da Série B. O resultado foi ruim para ambos, mas pior ainda para o Papão, que permanece na lanterna, com 22 pontos. O América ocupa a 17ª posição, com 27 pontos, ainda na zona de rebaixamento. O PSC completou 10 jogos sem vitória na estreia do técnico Márcio Fernandes no PSC.

Apesar de levar ligeira vantagem na posse de bola ao longo do 1º tempo, o América não conseguia criar situações perigosas no ataque. Apenas Stênio apareceu em lances rápidos pelos dois lados. Já o Papão tinha imensas dificuldades, sofrendo com a falta de criatividade no meio-campo e o mau rendimento individual de vários jogadores.

Os primeiros 15 minutos foram de maior presença do PSC, mas o América passou a reter a bola a partir dos 20 minutos, mas a partida não tinha lances de emoção. O alviverde deu apenas dois chutes a gol, sem perigo. Pelo Papão, Garcez levou perigo com um chute cruzado.

Na segunda etapa, o Paysandu foi mais produtivo ofensivamente, mas errando todas as tentativas de finalização. A exceção foi um bom disparo de Diogo Oliveira, que o goleiro Gustavo conseguiu defender. Após o jogo, o pequeno público presente ao Mangueirão vaiou o time e protestou contra a diretoria do Papão. (Foto: Jorge Luís Totti/Ascom PSC)

Missão: vencer a qualquer custo

POR GERSON NOGUEIRA

O PSC chegou a uma encruzilhada. Com 21 pontos, ocupando a lanterna da competição, precisa a todo custo somar pontos para tentar sair do Z4. A partida deste sábado (16h) contra o América-MG pode ser um divisor de águas, para o bem ou para o mal. Caso vença, reacende as esperanças de recuperação milagrosa. Se perder ou mesmo empatar, agrava a crise e praticamente antecipa a rota do rebaixamento.

Para alcançar o objetivo de renascer na competição, o PSC estreia um novo técnico, Márcio Fernandes, que já esteve no clube há sete meses. Sob o novo comando técnico, o time vai em busca de quebrar a sequência de cinco derrotas. Enfrenta um adversário que também está em situação difícil na Série B. O América é o 18º, com 26 pontos.

O time mineiro está tão desesperado quanto o Papão e tem um histórico ruim como visitante nesta temporada. Só ganhou sete pontos fora de casa. Enfrenta o PSC e o calor senegalês da capital paraense, onde passou maus pedaços perdendo para o Remo no 1º turno.

Sob o comando de Alberto Valentim, tenta se reerguer. Tem bons jogadores – Miguelito, Willian Bigode, Cauã –, mas não acha o caminho das vitórias. Tradicional participante da Série B, o Coelho é uma das decepções do campeonato atual, mas tem ambições de escapar da queda.  

No Papão, Márcio Fernandes teve quatro dias para treinar o time, testar peças e mexer nos setores que não lhe agradam. Acima de tudo, dedicou tempo a conversar com o elenco, procurando injetar confiança e mentalidade vitoriosa.

A derrota traumática para o Volta Redonda, com virada nos quatro minutos finais, ainda repercute na Curuzu. Márcio teve que usar de toda habilidade para contornar esse abalo emocional. De cara, trocou o goleiro. Matheus Nogueira volta a ser o titular. Mexeu também nas laterais, posições muito questionadas no período final da gestão de Claudinei Oliveira.

Desse modo, cessam as improvisações e os especialistas nas funções voltam ao time. Edilson entra na direita e Bryan Borges na esquerda. A grande dúvida está no meio-de-campo, onde Leandro Vilela está novamente suspenso e deve ser substituído por Martinez ou Ronaldo Henrique. Há possibilidade de aproveitamento do estreante Robson Vinícius e a manutenção de Marlon como meia.

No ataque, Rossi vai ocupar a faixa direita, com Diogo Oliveira centralizado e Maurício Garcez pela esquerda. É o melhor trio ofensivo à disposição do técnico, desde que Rossi esteja de fato recuperado fisicamente. Aliás, o condicionamento é outra preocupação do treinador, depois do nocaute visto no 2º tempo do jogo com o Volta Redonda.

Bola na Torre

Guilherme Guerreiro apresenta o programa, a partir das 22h, na RBATV, com a participação de Giuseppe Tommaso e deste escriba de Baião. Em pauta, os resultados da 26ª rodada da Série B. A edição é de Lourdes Cezar e Lino Machado.

Invicto como visitante, Leão encara o Vila

O Remo vai a Goiânia enfrentar o Vila Nova neste sábado (18h30), tentando obter a primeira vitória na capital goiana neste campeonato. Empatou os jogos anteriores, contra Atlético e Goiás, embora tenha atuado bem e com chances reais de vencer. A estratégia não deve mudar em relação às outras partidas como visitante: time fechadinho, dedicado à marcação quando sem a bola e objetividade nas finalizações.

Até o momento, tem dado certo. O Remo de Antônio Oliveira está invicto fora de casa: foram três vitórias – Athletic, América-MG e Amazonas – e três empates – Chapecoense, Coritiba e Goiás.  

Mesmo quando a atuação deixa a desejar, como diante do Amazonas, o lado pragmático se destaca. Com Diego Hernández improvisado de meia, o Remo acentua um problema antigo: a falta de criatividade no setor mais importante do campo.

Em Manaus, apesar dessa ausência de qualidade no meio, o time se valeu do talento do artilheiro Pedro Rocha e da habilidade de Marrony para garantir o triunfo. Mas, diante do Vila Nova, terá que mostrar mais repertório diante da previsível pressão dos donos da casa.

Sem vencer há três rodadas, o Vila tem os mesmos objetivos do Remo no campeonato. Está com 35 pontos e, em caso de vitória, ultrapassa o Remo, que é o 5º colocado, com 38 pontos. Isso porque o time goiano tem 10 vitórias contra 9 dos azulinos. Seria um salto de seis posições na tabela.

Não há muito mistério na escalação do Leão para hoje. Sem Caio Vinícius, suspenso, entra Luan Martins. O meio tem ainda Jaderson e Diego Hernández. Na frente, Nico Ferreira, João Pedro e Pedro Rocha.

Poderia ser tentada uma solução mais criativa no meio-campo, mas Antônio Oliveira continuará apostando em Hernández por ali até que Panagiotis e Nathan Pescador estejam prontos para aguentar um jogo inteiro. (Foto: Samara Miranda/Ascom CR)

(Coluna publicada na edição de sábado/domingo, 13/14)

O cozido de mamãe

Por Edu Goldenberg

Comecei o texto da semana passada assim: “Eu, ainda meninote, já tinha idéia do privilégio que era ser filho de quem eu era – e aqui, hoje, especial e especificamente, falo de mamãe.”

Em nome da verdade e da precisão, essa idéia do privilégio era também por conta do cenário da minha infância, da parentalha, da minha bisavó e de sua irmã, de meus avós maternos, dos inúmeros tios e tias, uma penca de primos, uma família relativamente grande que implodiu, eis a verdade, com a morte da matriarca – minha bisavó.

E ainda havia os amigos, as amigas, seus pais e seus filhos, e aqui me lembro especialmente da Lys, amiga de mamãe, de Eduardo (seu marido), e de dona Lucrécia (sua sogra).

Até a morte da minha bisavó, em dezembro de 1981 (ou teria sido 1982?, a data me escapa), não havia final de semana sem algum furdunço que, evidentemente, unia bebida e comida sempre muito fartas. E sempre com a parentalha toda reunida.

Alguns desses furdunços, com relativa freqüência, aconteciam na casa da dona Lucrécia, portuguesa como o nome denuncia. A casa ficava em Santa Teresa e era sempre palco de almoços inacreditáveis, de tão fartos.

Pouco me lembro (com detalhes) desses almoços, mas me é viva a memória de muita comida, muita bebida, muita gente sempre em torno da mesa.

E por que lhes falo de dona Lucrécia?

Porque domingo estive na casa de meus pais, no Alto da Boa Vista, para buscar Leonel pela manhã. O piá dormira com os avós no sábado para que pudéssemos (fui com Pedro) assistir ao mais novo show da Maria Bethânia (podendo, não percam).

E chegando na mamãe – que receberia uma prima, Soninha, para almoçar – deparei-me com essa pintura: ela estava fazendo cozido para o almoço e quero emendar dizendo que ninguém faz um cozido como o de minha mãe.

Mal comecei a rasgar meus elogios e ela mandou, de voleio:

— Sabe com quem aprendi a fazer cozido?

— Com a dona Lucrécia! – eu respondi num sem-pulo.

— Isso mesmo!

E quando ela disse isso mesmo eu fui arremessado para Santa Teresa imediatamente (onde estou, na foto abaixo, ao lado de minha bisavó e de Fernando e Cristiano, que não mais me dirigem a palavra – o primeiro há muitos anos, o último, mais recentemente).

É a única foto que tenho tirada justamente na casa da dona Lucrécia.

E lembrei que é daí, é desse tempo (a foto é de 1977), é dessa época, foi nesse tempo e nessa época que plantou-se em mim a paixão pela cozinha, por comida e bebida, por reuniões e festas, por furdunços que hoje se realizam quando faço a Feijoada da Apuração, o Barreado de Morretes, tantos outros encontros em torno da mesa.

Não me foi possível ficar para o almoço mas está marcado: em outubro, quando Virgínia (conto aqui uma historinha com ela, mãe de Pedro) e Valma estiverem no Rio, mamãe fará seu cozido para recebê-las (com Pedro) em casa.

Eu já estou contando os dias porque, creiam em mim, não há nada no mundo como o cozido de mamãe (com a licença da dona Lucrécia).

Volto às minhas memórias, em breve, mais uma vez.

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Sou fã inveterado de textos confessionais, reveladores das delícias da vida cotidiana brasileira, rica em detalhes que só as múltiplas diferenças regionais abarcam e unificam. O texto acima, do grande Edu Goldenberg, tem essa linhagem nobre, da poesia em forma de prosa derramada. Deliciem-se.

Democracia à beira do abismo (e o povo achando que é piscina)

Por Renato R. Valle

Bolsonaro pode até ter saído de cena, mas o bolsonarismo, esse monstrengo que ele batizou sem jamais ter mérito sequer para dar nome ao capiroto, continua vivo, treinando pesado e afiando as garras para 2026. O mito pode ter caído, mas o delírio coletivo que o sustentava ainda respira, pronto para reaparecer com outro rosto, outro discurso, mas o mesmo vírus.

E não nos enganemos: em 2026 trocaremos 2/3 do Senado, e acreditar que basta derrotar Tarcísio é de uma ingenuidade letal. O Executivo pode até ser a joia da coroa, mas sem um Congresso funcional governar vira uma experiência masoquista. O fascismo freestyle tropical não precisa de um presidente para prosperar; basta um Congresso tomado por soldadinhos do caos e pronto: Brasília vira quartel-general do autoritarismo.

Esse fanatismo de extrema-direita, lembremos, não é exclusividade nacional. É uma onda global que avança pelo Ocidente:

• Nos Estados Unidos, Donald Trump segue ditando as regras no Partido Republicano, e seu retorno ao poder mostrou o fôlego de um populismo rancoroso.

• Na Hungria, Viktor Orbán governa sob o rótulo de “democracia iliberal”, desmontando, passo a passo, qualquer freio institucional.

• Na Itália, Giorgia Meloni lidera o governo mais à direita desde Mussolini  (e isso não é metáfora literária).

• Na Polônia, o conservadorismo religioso e o ultranacionalismo continuam garantindo vitórias à direita radical.

• Na França, Marine Le Pen chegou perigosamente perto do Eliseu e segue crescendo.

• Na Alemanha, a AfD (Alternativa para a Alemanha) já ocupa espaço sólido no Parlamento, mesmo sendo herdeira ideológica dos piores espectros do século XX.

• Na Espanha, o Vox, com seu saudosismo franquista, influencia e corrói o jogo democrático.

• Na Áustria, partidos nacionalistas seguem respirando forte, com pautas xenófobas e antieuropeístas.

Ou seja: o fenômeno não é local, é mundial. E ignorá-lo é o mesmo que entregar a chave do templo ao incendiário.

E aqui, a história ensina: em 1964, foi o Congresso Nacional que abriu caminho para o golpe militar. Sob a alegação farsesca de que o presidente João Goulart havia abandonado o país, quando na verdade estava no Rio Grande do Sul tentando articular resistência, o Congresso declarou vaga a presidência da República em 2 de abril de 1964. Esse gesto, ilegal e imoral, rasgou a Constituição e pavimentou a ditadura. A lição é clara: basta um Congresso complacente para afundar uma democracia.

E não é preciso ir tão longe: basta um Congresso majoritariamente bolsonarista para anistiar Bolsonaro de todos os seus crimes. Ainda que o presidente da República vete, o veto pode ser derrubado por maioria simples. Ainda que uma ação direta de inconstitucionalidade seja ajuizada, o julgamento demoraria tempo suficiente para que o próximo presidente nomeie três ministros do STF: Rosa Weber (aposentada em 2023, já substituída por Flávio Dino), Ricardo Lewandowski (aposentado em 2023, substituído por Cristiano Zanin) e os próximos na fila, Cármen Lúcia (2029), Gilmar Mendes (2030) e outros ministros que atingirão a idade-limite. O tabuleiro da democracia pode ser redesenhado em silêncio, cadeira por cadeira.

Bolsonaro passou? Ótimo, soltem fogos.

Mas o perigo não era o personagem, era o vírus. Um vírus que, se não formos vigilantes, pode ocupar cada cadeira acolchoada deste Congresso e até saltar para o Executivo.

Por isso, ecoo as palavras do grande Ulysses Guimarães, conhecedor profundo do terreno:

“Está achando ruim esse Congresso? Então espere o próximo: será pior.”

Que este manifesto sirva como alerta: não é hora de relaxar, é hora de vigiar.

(E nem falei que esse tipo de preocupação nos tira o foco de problemas como a discussão ética sobre as redes e IA, questões ambientais e outras questões de primeira necessidade para uma coexistência pacífica e para que haja um futuro).

Ousadia que pode dar certo

POR GERSON NOGUEIRA

Causou surpresa e gerou rebuliço a contratação de Marcos Braz para ocupar a diretoria executiva de futebol do Remo, função remunerada dentro da gestão. Transcorridos três meses de seu desembarque no Evandro Almeida, pode-se dizer que o saldo é positivo, tanto no aspecto de retorno financeiro quanto na questão de ordem técnica.

Há um terceiro ponto satisfatório e ainda mais valioso na presença de Braz no futebol azulino: o reforço que trouxe à imagem institucional do clube no cenário nacional. Um exemplo claro é a facilidade com que o Remo passou a lidar com as transações internacionais, que normalmente emperravam e traziam atrasos prejudiciais ao time.

A expertise de Braz tem contribuído para viabilizar contratações de jogadores a que o Remo normalmente não teria acesso. A destreza para fechar negócios tem a ver com os anos de atuação em defesa do Flamengo, tratando com grandes clubes, empresários e instituições do futebol internacional. Não por acaso, pela primeira vez, o Remo tem lucrado com a negociação de jogadores para outros países.

Os que torceram o nariz, prevendo um fracasso retumbante da ousada aquisição do Remo, terão que rever as críticas iniciais. Algumas miravam o acordo financeiro com o dirigente, outras apontavam o risco de Marcos Braz não dar ao Remo a necessária prioridade e havia quem duvidasse que ele fosse acatar as diretrizes administrativas do clube.

Há algumas semanas, em meio à discussão sobre a permanência ou não do técnico Antônio Oliveira, Braz foi posto no olho do furacão, questionado e cobrado pela torcida por supostamente blindar o treinador. Verdade ou não, o fato é que uma demissão quase certa se transformou em nova chance a Oliveira, dependendo dos resultados de campo.

Passado o momento de fúria sanguinária da torcida contra o técnico, o cenário mudou bastante, principalmente depois de nova vitória obtida fora de casa – contra o Amazonas, em Manaus. A proximidade com o G4 é outro ponto a justificar a manutenção da comissão técnica.

A experiência profissional é sempre virtude a ser valorizada, principalmente no universo do futebol, afeito a invenções e picaretagens de toda ordem. O questionamento sobre a suposta insubmissão à diretoria gerou até sessão de esclarecimentos no Condel azulino. A simples suspeita não resiste ao desdobramento do raciocínio: pecado seria ter um executivo sem voz e/ou iniciativa. Dele se espera que tenha atitudes e ousadias, sim.   

Os planos de acesso seguem vivos no Remo. Mas, mesmo que não se concretizem, a ideia de contratar um super executivo deve ser aplaudida. Pensar com grandeza é atributo dos grandes clubes. Para chegar ao banquete da Série A, buscou-se os caminhos adequados, tanto nas contratações (em sua maioria) quanto no encarregado de cuidar do futebol. (Foto: Samara Miranda/Ascom CR)

Depois de recaída infeliz, Papão acerta a mão

Carlos Frontini foi o escolhido no início de maio para substituir Felipe Albuquerque, executivo que havia voltado ao PSC no começo do ano após uma turbulenta passagem inicial pelo clube. O ex-centroavante, de origem argentina, surgiu no mercado após bons trabalhos nos mercados goiano e catarinense, principalmente.

A rápida passagem pelo futebol paraense, jogando pelo rival em 2010, foi apenas mais um detalhe a enriquecer o currículo analisado pelos dirigentes do PSC. Estava claro que Frontini sabia onde estava se metendo, pois já havia convivido com a rivalidade e o ambiente das torcidas em Belém.

Em comparação com Albuquerque, ele chegou sem fazer muito barulho e nem despertar rejeição. Melhor ainda: acertou bastante na primeira ida ao mercado em busca de reforços na penúltima janela de transferências. Contratou 10 jogadores e pelo menos três (Maurício Garcez, Diogo Oliveira e Thalysson) foram aprovados de imediato.

Outros três deixaram boa impressão – Thiago Heleno, Denner e Vinni Faria. No total, alcançou um percentual de acerto em torno de 50%, algo raro no Papão e no próprio circuito da Série B. É reconhecidamente difícil conseguir contratações que efetivamente encaixem no time.

Apesar de um executivo ter outras responsabilidades, observadas pelo próprio Frontini na fatídica noite da demissão de Claudinei Oliveira, a tarefa de pesquisar, mensurar e contratar atletas é possivelmente a mais visível aos olhos do torcedor.

Executivos são avaliados pelo tamanho de seus erros e acertos. Felipe Albuquerque não deixou saudades, responsabilizado diretamente pela fracassada primeira leva de jogadores trazidos pelo PSC no início da temporada.

Apesar dos percalços enfrentados na competição, sob ameaça direta de rebaixamento, Frontini tem sido poupado da ira santa da torcida. Prova de competência na prospecção de atletas, inclusive na última janela de transferências, e uma singular capacidade de administração de crise.   

(Coluna publicada na edição do Bola desta sexta-feira, 12)