Clã Bolsonaro despreza Deus, a pátria e a família

Hipocrisia, desrespeito e desespero para se salvar. É isso que mostram os diálogos encontrados pela Polícia Federal no telefone de Jair Bolsonaro.

Por João FilhoIntercept_Brasil

“Deus, Pátria e Família” é um lema que atravessou gerações do fascismo brasileiro. Do integralismo ao bolsonarismo, todos a usaram como uma peça de marketing para dourar suas ideologias podres. Os diálogos encontrados pela Polícia Federal no celular de Jair Bolsonaro trouxeram à superfície a hipocrisia desses homens de bem que, de tempos em tempos, atormentam a democracia. Não que seja uma novidade, mas é que agora temos áudios e prints que vão deixar registrado de forma inequívoca a hipocrisia dessa gente.

O que se viu nas conversas entre Bolsonaro, seu filho Eduardo e seu pastor Silas Malafaia foram violentos ataques contra Deus, a pátria e a família. Malafaia tem linguajar de bicheiro e fala com seus fiéis como quem fala com a sua quadrilha. “Arrombado”, “babaca”, “merda” e “cacete” foram alguns dos termos que esse homem de Deus usou para se referir, aos berros, a Eduardo Bolsonaro em uma conversa com o ex-presidente.

O pastor chega a contar que mandou um áudio para Eduardo com a seguinte ameaça: “a próxima que você fizer isso, eu gravo um vídeo e te arrebento”. Malafaia participou ativamente dos planos bolsonaristas para coagir membros do Legislativo e do Judiciário.

Em nenhum momento dos diálogos se viu uma palavra de benção, um conselho ou algum gesto que se espera de um líder espiritual. Só se viu esporros, ameaças, palavrões, gritaria, ódio.

Malafaia sente-se à vontade para esculhambar Eduardo Bolsonaro com seu pai porque se vê, com razão, como uma liderança do bolsonarismo. Apesar de não ter mandato, o pastor organizou e financiou muitas manifestações golpistas.

Bolsonaro morreu politicamente e há uma disputa de poder pelo trono do fascismo. Malafaia pode não ter pretensões políticas partidárias, mas quer continuar influente dentro desse grupo. Enlouquecido por virar alvo da PF, o pastor agora se diz vítima de perseguição religiosa.

Mais uma vez, usa-se a bíblia como escudo moral para se cometer as maiores barbaridades. Malafaia foi indiciado não por ser evangélico, mas por talvez ser um criminoso que se juntou a outros investigados para articular um esquema de coação de autoridades brasileiras. Vejamos o que o Deus de Malafaia está preparando para ele.  

A hipocrisia patriótica dessa gente está no mesmo nível da religiosa. Nos áudios, fica claro que o núcleo bolsonarista trabalha com um só objetivo: livrar Bolsonaro da cadeia através da pressão política e econômica de Donald Trump contra o Brasil.

Não se viu nos diálogos alguém temeroso com os danos à economia brasileira. Nenhum dos valorosos patriotas fez qualquer objeção sobre condicionar às sanções econômicas dos EUA à anistia de Bolsonaro. Nada disso. Ao contrário, eles se mostraram dispostos a ferrar o país para atingir seus objetivos.

Em nenhum momento demonstrou-se alguma preocupação com os militantes golpistas condenados no 8 de Janeiro. Essa solidariedade só existe em público. No escurinho do WhatsApp, Eduardo Bolsonaro diz para o pai que Trump não ajudaria mais caso fosse aprovada a “anistia light — aquela que pouparia apenas as “velhinhas de bíblia na mão”.

Segundo relatório da PF, “a real intenção dos investigados não seria uma anistia para os condenados pelos atos golpistas realizados no dia 08 de janeiro de 2023, mas sim, interesses pessoais, no sentido de obter uma condição de impunidade de Jair Bolsonaro”. Não há margem para qualquer interpretação diferente dessa. As conversas são claras e diretas.

Além do desprezo por Deus e pela pátria, os áudios mostram que os Bolsonaros não têm respeito pela família. As conversas confirmam o que todos já sabiam: há uma disputa política interna entre pai e filhos. Os laços afetivos ali são frágeis e estão condicionados aos objetivos políticos de cada um.

Bolsonaro enfiou a família inteira na política e criou um gigantesco esquema de rachadinhas. Só uma ex-mulher de Bolsonaro levou cunhada, primo e irmãos para se lambuzar com dinheiro público. Nem preciso falar do senador Flávio Bolsonaro, que encheu o gabinete com a parentes de chefe de milícia e criou mais um esquema de rachadinha.

A família Bolsonaro se uniu para roubar os cofres públicos e se manteve unida enquanto os interesses de cada um convergiam. Eles se protegem enquanto grupo político, não enquanto família.

As conversas entre Eduardo e Jair mostram uma relação sem respeito e sem afeto. É normal que pai e filho que trabalham juntos eventualmente discutam, mas o que se viu no diálogo foi um nível de desrespeito inaceitável para qualquer família, ainda mais uma que prega os bons valores da tradicional família brasileira.

VTNC, SEU INGRATO DO CARALH*”, escreveu Eduardo para o pai depois de ser chamado de imaturo por ele em uma entrevista. Em público, o deputado grava vídeos chorando de tanta saudade do pai, no seu exílio de mentirinha. A hipocrisia grita.

Esse tipo de ofensa entre integrantes da família Bolsonaro não é um caso isolado. Como esquecer da troca de mensagens de 2017, quando o então deputado Jair foi flagrado na Câmara conversando com Eduardo no WhatsApp: “Papel de filho da puta que você está fazendo comigo. Tens moral para falar do Renan [Bolsonaro]? Irresponsável”, escreveu.

Eduardo respondeu revelando o profundo desprezo que sente pelo irmão: “Quer me dar esporro, tudo bem. Vacilo foi meu. Achei que a eleição só fosse semana que vem. Me comparar com o merda do seu filho? Calma lá”.

A relação entre todos eles é tensa e está sempre cruzando a fronteira do desrespeito. O pai não tem boa relação com os filhos. Os filhos não têm boa relação com Michelle e não têm uma boa relação entre si. Não há afeto. Só ódio, interesse financeiro e político.

Em família Bolsonaro é uma incubadora de tiranos, e o autoritarismo é o motor das relações familiares. Quando Jair Bolsonaro morrer, a briga interna para assumir a liderança política da família será feia. Uma autofagia a céu aberto.

Além do desprezo por Deus, pela pátria e pela família, os diálogos encontrados no telefone de Bolsonaro confirmam integralmente todas as suspeitas da PF. Está mais do que comprovado que o núcleo bolsonarista agiu para coagir a justiça e para conseguir uma anistia apenas para Bolsonaro.

Se eles já estavam enrolados com a justiça, agora a coisa desandou – principalmente Jair Bolsonaro, que, se condenado no novo inquérito, poderá pegar mais 12 anos de cadeia. Somando as penas máximas de outros crimes em que está implicado, pode chegar a até 55 anos. Haverá tempo de sobra para pedir perdão para Deus por tanta hipocrisia.

Papão sofre virada do Fantasma dentro da Curuzu e torcida reage com vaias

O PSC decepcionou sua torcida com novo tropeço dentro de casa e permanece na zona de rebaixamento da Série B. Instável e atrapalhado, o time dirigido por Claudinei Oliveira perdeu de virada, por 2 a 1, para o Operário-PR na tarde deste domingo (24), na Curuzu.

No início da partida, Diogo Oliveira quase abriu o placar depois que a bola desviou na trave. O jogo ficou truncado em boa parte da primeira etapa, mas, aos 26′, o Papão abriu o placar em contra-ataque puxado por Garcez. Ele avançou pelo lado esquerdo e tocou para Diogo Oliveira, que mandou para o fundo do barbante.

Aos 39′, o Fantasma levou perigo em jogada de Kleiton, que girou e bateu de esquerda. Um minuto depois, veio o empate do Operário. O meia Boschilia cobrou falta e o volante Neto Paraíba desviou de cabeça para empatar a partida.

O 2º tempo começou com péssimas notícias para o Papão. Logo aos 2 minutos, Kleiton foi derrubado pelo goleiro Gabriel Mesquita e o pênalti foi marcado, depois de revisado pelo VAR. Boschilia bateu a penalidade e colocou o Operário em vantagem.

A virada paranaense afetou a movimentação do PSC, que não conseguia acertar as tentativas de ataque. Reverson, Anderson Leite e Edilson tentaram arriscar de longe, mas os chutes saíram sem direção. No desespero, o Papão insistia em cruzar bolas na área. A melhor chance surgiu aos 37′, quando o goleiro Elias soltou a bola nos pés de Thalisson, mas o zagueiro não aproveitou e mandou para fora.

Depois do jogo, revoltada com a derrota, a torcida protestou vaiando o time e o técnico Claudinei Oliveira. O PSC segue com 21 pontos, na penúltima colocação do campeonato. A próxima partida será no sábado (30) diante do CRB, no estádio Rei Pelé, em Maceió.

Mesmo com um jogador a mais, Remo fica no 0 a 0 com o Coritiba e segue na 6ª posição

Com várias intervenções do VAR, o jogo entre Coritiba e Remo foi pleno de emoções, mas terminou 0 a 0, valendo pela 23ª rodada da Série B. Os times criaram boas chances, mas não superaram os goleiros, principalmente Marcelo Rangel, novamente em tarde inspirada. Com o empate, o Coritiba se manteve na liderança e o Remo segue na 6ª posição, com 35 pontos. Foi o 11º empate do Leão no campeonato.

O 1º tempo foi movimentado. O Coxa ameaçou aos 17 minutos, em chute de Sebas Gómez que Marcelo Rangel defendeu. Aos 24′, Clayson entrou na área e bateu cruzado, mas Rangel apareceu bem novamente. Na sobra, Lucas Ronier chutou e Reynaldo travou o chute.

A primeira chance do Remo só aconteceu aos 39′. Lançado por Davó, Sávio disparou chute forte e Pedro Morisco espalmou. Marrony pegou o rebote e finalizou, mas o lateral Zeca afastou.

Na etapa final, o Coritiba entrou modificado e quase chegou ao gol logo aos 8 minutos. Lucas Ronier bateu forte e acertou o travessão. Logo em seguida, o goleiro Pedro Morisco foi expulso após dar uma cotovelada em Caio Vinicius. O árbitro assinalou inicialmente pênalti em função da agressão dentro da área, mas o VAR erradamente anulou a marcação. O cartão vermelho foi mantido e o Coxa passou a jogar com 10 atletas.

Aos 21′, Matheus Davó atingiu o rosto de Sebas Gómez em disputa de bola. O árbitro deu o cartão vermelho, mas o VAR corrigiu a marcação, a expulsão foi anulada e aplicado cartão amarelo. O Remo fez um bom ataque, aos 27′, com Marcelinho finalizando com perigo. Aos 34′, Ronier disparou uma bomba da entrada da área e assustou a defensiva azulina.

Nova polêmica aos 41′. Lucas Ronier cruzou e a bola tocou no braço do zagueiro Klaus. A imagem mostra que o braço estava colado ao corpo e o VAR anulou mais uma vez a decisão de campo. O Remo, muito encolhido, não ameaçava o gol do Coxa, apesar da vantagem numérica. Mesmo com o estreante Eduardo Melo no centro do ataque, o time não cruzava bolas na área.

A destacar no Leão a segura atuação da defesa, com destaque para Klaus no jogo aéreo. O próximo jogo do Remo será no Mangueirão contra o Criciúma, quinta-feira (28), às 21h35.

Ted Chiang e a história que precisamos contar

Existem dois tipos de narrativas. É crucial abandonar uma delas

Por André Forastieri

Ted Chiang despreza Inteligência Artificial. Pode isso, escritor de ficção científica implicar com IA? Pode – se antes de ser da sci-fi, o sujeito é das letras, como Ted. Ele se diz “working writer”, termo americaníssimo e adorável, pessoa que sobrevive do ofício de escrever. Melhor não traduzir para o tradicional “operário da escrita”, que sugere linha de montagem e limitado poder de barganha.

Ted está mais para “militante das letras”. Como muitos outros criadores, não engole que as big techs chupem obra alheia para treinar seus bilionários softwares. Mas somos todos como o Keanu plugado naquelas cubas melequentas, as máquinas sugando nossa atenção e energia e nós distraídos na Matrix, não?

Alguns de nós estão mais despertos que outros. Chiang não está incomodado só com o assalto aos royalties. Critica GPT e cia. como engenhocas tôscas e inúteis para propósitos mais, digamos, humanos. Por exemplo, contar histórias.

Ted não é ludita. Nem ídolo só da nerdorama. Lembremos Joyce Carol Oates incluindo ele entre seletíssima companhia, na resenha da coletânea Expiração:

“À maneira de predecessores ecléticos como Philip K. Dick, James Tiptree, Jr., Jorge Luis Borges, Ursula K. Le Guin, Margaret Atwood, Haruki Murakami, China Miéville e Kazuo Ishiguro, Chiang explora convenções da ficção científica de modo altamente não convencional”.

“O autor do conto que deu origem ao filme A Chegada”, como deve estar cansadíssimo de ser apresentado, deu palestra em São Paulo pra poucos. Ganhei convitinho porque quem tem amigo, tem tudo. Evento disputado e chiquetésimo, na Casa Manioca da Helena Rizzo, Ted deve ter babado com o ceviche de melão.

Quem trouxe foi a agência Pina e quem entrevistou o escritor no palquinho ali foi Jennifer Queen, sua fundadora e CEO. É fã dele, como foi seu pai; liam e comentavam em família os artigos de Ted pra New Yorker. Jennifer chavecou Ted anos pra convencê-lo a vir pro Brasil.

Satisfação pessoal e repercussão poderosa. Ted apareceu em todo lugar, da Veja ao Valor, passando por bom papo com o amigo Thiago Ney, na Folha e da indispensável newsletter Margem, leia aqui.

Bom negócio investir em inteligência, especialmente quando o lema da sua empresa é “Transforme seu negócio com história”. Contar histórias é a tecnologia mais importante: a que nos diferencia de todos os outros animais.

Jennifer e Ted

O boom da IA Generativa tem uns três anos e não dá sinais de desacelerar. Continuam os investimentos maciços. E os resultados, apareceram?

A conta burra é a seguinte: se 90% dessa grana der em pouco ou nada, os outros 10% já serão transformadores, porque é uma Olympus Mons de dinheiro.

Inevitavelmente vêm aí novas soluções. Novas soluções criam novos problemas. Estes frequentemente convivem pacificamente com problemas antigos, ancestrais. Ambiguidade, essa nossa amiga tão complicadinha.

Didático, Ted variou entre o realismo e o ranhetol. Materializou a bobice da IA em dois usos cotidianos e autocancelantes dela. Imagine que o sujeito no escritório escreve um prompt, provocou Ted, ordenando a IA a pegar seu emailzinho e transformá-lo em um textão longo e detalhado.

Nosso John Smith aperta send; do outro lado, o destinatário recebe o tijolão e naturalmente ordena sua IA a resumir todos aqueles caracteres em amigáveis bullets. É para uma coisa besta assim que precisamos de data centers piramidais consumindo água e energia em quantidades colossais?

Ted tem várias respostas. Todas destoam dos press-releases das big techs. Você pode ouvir a palestra completa aqui. Vais precisar de um esforcinho.

Tá lá no meio a minha pergunta pra ele.

Em uma entrevista em 2010, Ted explicou a límpida diferença entre histórias conservadoras e progressistas. Tem um tipo de história em que o mundo é de um certo jeito e aí aparece repentinamente uma novidade. Um cataclisma, uma invenção, um vetor poderoso de mudança qualquer. Isso provoca uma grande mudança e impõe perigosos desafios e decisões.

Ao final da história, o desafio foi enfrentado, o equilíbrio restabelecido e tudo volta a ser como era. Essas histórias são conservadoras, “o bem venceu o mal”.

As histórias progressistas também têm disrupções como premissa. Mas no final, as coisas mudaram e nunca mais voltarão a ser como antes. São histórias que reconhecem uma sociedade e existência dinâmicas, não estáticas.

Minha pergunta para Ted foi: “Como alguém pode contar uma história progressista, que seja imaginativa, eletrizante e inspiradora – e não ingênua?”

A resposta:

“Existem certos modelos de histórias. Há um modelo de história muito comum em que implicitamente, o mundo começa como um lugar bom, o mal invade, o bem e o mal lutam. No final, o bom derrota o mal e o mundo volta a ser um lugar bom. Muitos estudiosos disseram que esse modelo de história geral é implicitamente conservador. Porque é sobre restaurar o status quo.

Há outro padrão para histórias, que é mais comum na ficção científica. O mundo começa como um lugar familiar e algo novo aparece – é uma nova invenção, uma nova descoberta. Ela muda as coisas para muitas pessoas.

E então as coisas nunca voltam a ser do jeito que eram. O conto termina em um lugar diferente do que começou. A história acaba com o mundo sendo transformado.

Este padrão é progressista porque é sobre uma mudança do status quo… Não quer dizer que é melhor. Não é que de repente os problemas estão todos resolvidos.

Não é “progressista” no sentido de politicamente tornar as sociedades mais egalitárias. Só reflete a inevitabilidade de mudança. Às vezes, a mudança é positiva, às vezes, é negativa. Geralmente, é uma combinação de ambas.

Então, eu diria que uma história é ingênua se ela te dá apenas os pontos positivos e não reconhece os negativos, ou se ela sugere que isso seria fácil.

Qualquer história que reconheça que haverá consequências negativas e que não é sobre restaurar o status quo oferece a possibilidade de alguma interpretação progressista. Ela será sobre a possibilidade de transformação.

Então, escrevermos sobre a possibilidade de mudança não é ingênuo.”

Precisamos de mais histórias assim. Eu preciso; contar e que me contem.

Elas não oferecerão soluções simplórias ou definitivas. Não trarão com seu ponto final o Final. Buscarão o equilíbrio que a complexidade impõe. Imporão imaginação e esperança.

Enterremos as narrativas simplórias e esquemáticas. Pro inferno com o tedioso derrotismo e o otimismo boboca. Adeus final feliz, nunca mais apocalipse.

A resposta de Ted Chiang não se limita ao imenso, sempre em expansão território da ficção-científica. Se aplica a qualquer história.

Também para as histórias que contamos para nós mesmos – e sobre nós mesmos.

COP30: Brasil aposta em fundo para preservar florestas contra impasse sobre financiamento

Se funcionar, a iniciativa será a maior do mundo em volume de recursos para conservar florestas em pé

Por Isabel SetaAgência Pública

“Brilhante”, “ousada”, “transformadora”. É com adjetivos assim que autoridades estrangeiras de diferentes países têm se referido à proposta do governo do Brasil de criar um fundo global para financiar a conservação de florestas tropicais ao redor do mundo.

A ideia, a princípio, é simples: implementar um fundo de investimentos que gere recursos para realizar pagamentos anuais aos países em desenvolvimento com desmatamento sob controle. Esses países receberiam um valor fixo por cada hectare de floresta em pé. O que, se der certo, pode representar o maior volume de recursos na história destinado às florestas tropicais, como a Amazônia e a Mata Atlântica. 

Não à toa, o “Fundo Florestas Tropicais Para Sempre” – que apesar de ser uma ideia originalmente brasileira é mais conhecido por sua sigla em inglês, “TFFF” (Tropical Forest Forever Facility) – é uma das prioridades da presidência da Conferência do Clima da ONU, a COP30, que será realizada em novembro no Pará, e pode se tornar uma pauta positiva na complicada conversa global sobre financiamento climático.

“Essa é uma das inovações: é um mecanismo que valoriza a floresta em pé. O pagamento é balizado em quanto de floresta você tem”, resumiu à Agência Pública Garo Batmanian, diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e um dos arquitetos da ideia. 

Apesar da importância cultural, social e econômica das florestas tropicais, além do papel fundamental que elas desempenham na regularização do clima e manutenção da biodiversidade, 25% delas já foram destruídas em todo o mundo, conforme uma pesquisa da Wildlife Conservation Society. E não há, hoje, dinheiro na mesa global para preservar os 4,3 bilhões de hectares restantes e atingir os compromissos coletivos assumidos pelos países em diferentes acordos globais de frear o desmatamento até 2030. 

Números ainda preliminares levantados pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente apontam que para evitar e reduzir o desmatamento ao redor do mundo até 2030 seriam necessários 8,9 bilhões de dólares por ano. Se viabilizado, o TFFF pode representar quase metade desse valor – segundo estimativas do governo brasileiro, ele pode gerar 4 bilhões de dólares anuais. 

“Isso é quase três vezes o volume de financiamento internacional de doações para florestas tropicais”, disse André Aquino, assessor especial de Economia do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em uma apresentação sobre o fundo nesta quarta-feira, 20 de agosto. 

“Quatro bilhões de dólares por ano que, em tese, poderiam beneficiar mais de 70 países em desenvolvimento com florestas tropicais. Isso é algo inexistente hoje”, disse à Pública Carlos Rittl, diretor na Wildlife Conservation Society, uma das organizações que contribuiu com o desenvolvimento da ideia.

UM NOVO MECANISMO PARA FINANCIAR FLORESTAS

A escala da iniciativa é uma das principais diferenças em relação a outros mecanismos existentes hoje que, de diferentes maneiras, também procuram realizar pagamentos para promover a redução do desmatamento e a conservação de florestas. 

A questão é que muitos dos mecanismos que já existem são baseados em doações, sujeitas, portanto, à visão política do momento do país doador – basta lembrar que, com uma canetada, o presidente americano Donald Trump acabou com a principal agência americana de ajuda externa, que despejava bilhões de dólares em doações ao redor do mundo todos os anos. 

No caso do TFFF, é diferente: os países que alocarem recursos no fundo vão receber esse dinheiro de volta depois de alguns anos e a juros baixos. Trata-se, portanto, de um investimento (ainda que pouco rentável) – e não de uma doação. 

Há outra diferença fundamental. Hoje, um dos principais mecanismos de financiamento para florestas é voltado para redução de emissões por desmatamento e degradação. Ou seja, eles remuneram países, projetos ou comunidades que estejam diminuindo o desmatamento.

“[Os países] têm que fazer isso e continuar a fazer isso. Mas o que acontece quando um país já controlou o desmatamento, chegou ao desmatamento zero ou, como é o caso de alguns países, que não está desmatando e nem nunca desmatou? Em princípio, esses países não recebem mais dinheiro desses mecanismos, porque não estão mais reduzindo as emissões do desmatamento”, explicou Batmanian.

É aí que o TFFF entra em cena – não para competir com os mecanismos existentes, mas para atuar de forma complementar a eles, mobilizando recursos para as florestas em pé. 

Desmatamento na Mata Atlântica também está em queda

O fundo é baseado em desempenho. Ou seja, os países que quiserem se candidatar – a princípio, são mais de 70 países em desenvolvimento com florestas tropicais – precisarão ter uma taxa de desmatamento baixa, de menos de 0,5%. E, para manter os pagamentos, deverão impedir que ela suba de um ano para o outro. 

O desenho atual do fundo prevê levantar um volume de recursos que, ao ser reinvestido, vai render o suficiente para pagar cerca de 4 dólares por hectare de floresta tropical conservada para cada país. 

Haverá descontos para cada hectare desmatado ou degradado por fogo a depender da taxa de desmatamento. Para países com até 0,3% de taxa de desmatamento, por exemplo, cada hectare derrubado representará um desconto equivalente a 100 hectares preservados, ou seja, de 400 dólares por hectare desmatado. 

Os países precisarão apresentar uma lista de políticas e programas que podem ser beneficiados pelos recursos do fundo. Não haverá exigências específicas, porque cada país têm desafios diferentes para a conservação de suas florestas. Mas será preciso demonstrar que os recursos não vão substituir o orçamento já existente das políticas nacionais. 

Essa determinação foi defendida pelo Ministério do Meio Ambiente primeiro para impedir que o dinheiro do TFFF entre no caixa do Tesouro do país e seja direcionado para outras áreas, como o pagamento da dívida pública. E, segundo, para evitar que aconteça o que aconteceu com o Fundo Amazônia, que ao longo dos anos passou a financiar ações e programas que eram de responsabilidade dos governos. 

Em um cenário de desmatamento zero e de queimadas controladas, o Brasil pode receber cerca de R$ 7 bilhões, segundo cálculos do governo, o que representaria cinco vezes o orçamento que hoje o Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem disponível para suas políticas e órgãos, conforme Aquino.  

O desmatamento na Amazônia vem caindo desde 2022. Entre agosto de 2023 e julho de 2024 (último dado disponível pelo sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) atingiu a menor área desde 2015, uma queda de 30,6% em relação aos 12 meses anteriores. Já na Mata Atlântica, a derrubada também está em queda, ainda que de forma menos expressiva. 

Do total de recursos que o país receber, pelo menos 20% deles obrigatoriamente deverão ser repassados para povos indígenas e comunidades tradicionais – como quilombolas e ribeirinhas, no caso do Brasil. Esse é outro grande diferencial do fundo, fruto da articulação dos povos tradicionais, representados pela Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC), que participou do desenvolvimento da iniciativa.

“Essa foi uma das nossas grandes conquistas nesse processo: arrancar esse compromisso efetivo de que no mínimo 20% dos recursos do TFFF serão destinados aos povos indígenas e comunidades locais a nível global, o que, antes, não estava garantido”, afirma Kleber Karipuna, co-presidente da GATC.

Para ele, o TFFF pode vir a inspirar outros fundos globais a mudarem sua arquitetura financeira para envolver, diretamente, os povos tradicionais e fazer o financiamento da forma mais direta possível para esses povos.

Trata-se de uma das principais demandas do movimento indígena no Brasil. Ainda que administrem 54% das áreas de florestas intactas no mundo, os povos indígenas e tradicionais não estão sendo devidamente remunerados por isso.

Um estudo recente mostrou que, nos últimos dez anos, os povos indígenas e comunidades tradicionais receberam uma parcela ínfima do financiamento internacional, apenas 270 milhões de dólares na média, o que equivale a menos de 1% da verba oficial para mitigação e adaptação climática no período. 

Os países que participarem do TFFF poderão repassar os 20% dos recursos diretamente para comitês nacionais (a serem formados com os representantes de seus povos tradicionais) ou para uma instituição internacional que, por sua vez, fará os repasses de acordo com as determinações do comitê nacional. Essa camada intermediária foi pensada para países em que há dificuldades na relação entre os povos locais e os governos. 

“Indígenas de outros países trouxeram essa contribuição: de que a gente construa um mecanismo que blinde os 20% daquele país de possíveis maus usos”, explica Karipuna. “E um alerta geral de todos nós também foi para encontrarmos um formato que blinde os recursos de possíveis mudanças de governos”. 

No caso brasileiro, além da remuneração direta dos 20% para povos tradicionais, o desejo do Ministério do Meio Ambiente é de que os 80% também sejam direcionados o máximo possível para quem está na ponta (e não para órgãos de comando e controle). Isso seria feito via políticas públicas, como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e programas como o Bolsa Verde e o Projeto Floresta+. 

Segundo Aquino, a ideia é que o dinheiro chegue para aqueles que colaboram para a conservação das florestas, seja em territórios coletivos, seja em propriedades particulares. Outra possibilidade seria a de usar os recursos para incentivar a cadeia produtiva de produtos da bioeconomia. 

No longo prazo, a expectativa é que esses pagamentos venham a provocar uma mudança estrutural na direção de, enfim, a floresta em pé ter mais valor econômico do que a floresta derrubada.

Indígenas da aldeia Barranco Vermelho, Juarez e Gesilene Aikdapa coletam castanha-do-pará nas florestas da Terra Indígena Erikpatsa, do Povo Rikbaktsa.
Pelo menos 20% dos recursos deverão ser repassados para povos indígenas e comunidades tradicionais

Além da GATC, que representa os povos tradicionais a nível global, muitas outras organizações e diferentes governos vêm colaborando no desenho do TFFF. A ideia está sendo trabalhada há quase dois anos, desde que foi apresentada inicialmente na COP28, em Dubai. 

No ano passado, o Brasil instituiu um comitê diretivo interino formado por representantes de 12 países para trabalhar conjuntamente na arquitetura do mecanismo: seis com florestas tropicais (Colômbia, República Democrática do Congo, Gana, Indonésia e Malásia) e seis que podem fazer os aportes iniciais (França, Alemanha, Noruega, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos).

Nesta quinta-feira, 21 de agosto, o governo brasileiro publicou a nova versão do documento que descreve o mecanismo, seus princípios e principais critérios. 

O plano, agora, é lançar o TFFF de forma oficial na COP30, presidida pelo Brasil, país que deu origem à proposta, e realizada em uma cidade de floresta tropical: Belém, no Pará. 

“Os países com floresta sempre falaram que precisavam de mecanismos novos e inovadores para proteger as florestas. Bom, se a gente está fazendo uma proposta de mecanismo inovador, que reconhece o valor e paga pelas florestas, nada mais natural que quem liderou as conversas venha a lançá-lo quando vai ter uma COP no país que tem a maior parte das florestas tropicais do mundo”, disse Batmanian. 

A expectativa do governo brasileiro é chegar ao palco global da COP, quando representantes de 197 países estarão em Belém, com a estrutura institucional do fundo totalmente pronta e anunciar os primeiros países investidores, além da adesão de países tropicais.

BRICS, EUA: QUAIS PAÍSES DEVEM PARTICIPAR DO FUNDO?

Os principais candidatos para os aportes iniciais de dinheiro ao TFFF seriam os 12 países que fazem parte do comitê: Colômbia, República Democrática do Congo, Gana, Indonésia e Malásia, França, Alemanha, Noruega, Reino Unido e Emirados Árabes Unidos. Na verdade, 12 menos um, já os Estados Unidos se ausentaram das negociações desde que Trump assumiu a presidência. 

Há ainda esperança no governo brasileiro de que outros países possam vir a investir no fundo, como a China. Em julho, os líderes dos BRICS (grupo inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) assinaram uma declaração conjunta sobre financiamento, no qual mencionaram diretamente o TFFF como um “instrumento promissor para gerar um fluxo previsível e de longo prazo para financiar a conservação de florestas”. 

No caso dos EUA, ficar de fora à essa altura do campeonato é o de menos. O importante é que o país não atrapalhe a viabilização da iniciativa, como sinalizou André Aquino, do MMA. Isso porque estão em andamento conversas para que o Banco Mundial, que desde o início colaborou com o desenvolvimento da proposta, seja a instituição que vai abrigar e operacionalizar o TFFF, o que daria mais segurança aos países investidores. Acontece que o país com mais peso e poder de voto no conselho que administra o banco é, justamente, os Estados Unidos, que, portanto, poderia atuar para impedir que o TFFF seja hospedado na instituição.  

Diante das últimas sinalizações do banco, trata-se de uma hipótese improvável, segundo o assessor do Ministério do Meio Ambiente André Aquino. E, de qualquer forma, o fundo teria planos B, como outros bancos multilaterais de desenvolvimento. 

Mas o Banco Mundial “agrega muita confiança aos investidores”, como explicou Aquino. A instituição desempenharia papéis fundamentais para a operação do fundo, que pretende chegar a um capital de 125 bilhões de dólares a serem reinvestidos para gerar a receita que vai remunerar os países tropicais. 

O maior desafio é chegar a esses 125 bilhões de dólares. O objetivo é, primeiro, atrair 25 bilhões de dólares de países que colocaram dinheiro no TFFF a juros baixos, para, no longo prazo, receber esse dinheiro de volta. Isso poderia ser feito por meio dos fundos soberanos dos países – o da Noruega, por exemplo, administra quase 2 trilhões de dólares , já os diferentes fundos dos Emirados Árabes Unidos somam cerca de 2,5 trilhões de dólares.  

Esse aporte inicial servirá de garantia para a capitalização do fundo por meio da emissão de títulos, o que seria feito pelo Banco Mundial, para chegar aos 125 bilhões de dólares. Esses títulos seriam classificados como de baixo risco e de boa qualidade a fim de serem colocados no mercado financeiro para serem adquiridos por investidores privados com potencial de render cerca de 7,5% a 8% ao ano. O montante que resultar da diferença entre os juros a serem pagos aos investidores iniciais e os do rendimento do fundo é o que seria pago aos países tropicais. 

Apesar da previsão de lançamento na COP, o TFFF não fará parte da agenda de negociação da conferência e nem estará atrelado às convenções internacionais da ONU sobre clima (tema da COP30), biodiversidade e desertificação, o que evita ter que discutir as regras do fundo com mais de 190 países. 

“Se o TFFF fosse um mecanismo que passasse a ser negociado no âmbito de qualquer convenção, a gente provavelmente passaria os próximos muitos anos, se não uma década, discutindo como ele deve funcionar”, diz Rittl, da WCS. “E talvez nem chegássemos a um consenso sobre as regras, ou ele se tornaria muito complexo”, complementa. 

Ainda assim, o diagnóstico dos entrevistados pela reportagem é o de que os recursos levantados pelo fundo podem ajudar os países a alcançarem os compromissos assumidos nessas convenções, como, no caso do Brasil, o de zerar o desmatamento até 2030. 

“Esse fundo se fortaleceu muito. E eu acredito que [ele] também possa ser um grande resultado [da COP]”, afirmou o embaixador André Corrêa do Lago, que preside a COP30, em audiência na Câmara dos Deputados no início de agosto.

André Aranha Corrêa do Lago, presidente da COP30, em entrevista à Agência Pública
Embaixador e presidente da COP30, André Corrêa do Lago

O lançamento na conferência em Belém também é uma oportunidade de trazer uma pauta positiva para inspirar as tensas discussões sobre financiamento. 

Na última COP, no Azerbaijão, os países concordaram em uma meta de 300 bilhões de dólares que os países ricos, os responsáveis históricos pelo aquecimento global, precisam mobilizar para financiar ações de mitigação e adaptação dos países em desenvolvimento. O valor, porém, ficou muito abaixo da necessidade real dos países em desenvolvimento, estimada em 1,3 trilhão de dólares. E ninguém definiu de onde sairá o dinheiro – e nem a “forma” dele (doação ou empréstimo, por exemplo).

“Como a gente cria novas formas de mobilizar recursos? Nesse sentido, o TFFF traz novas ideias e formas de olhar para o financiamento”, explica Rittl. “Ele não pode, lógico, substituir a obrigação legal [de financiamento] dos países ricos. Mas acho que em um momento de muita tensão geopolítica, o TFFF tende a distensionar um pouco”. 

Vai depender de quanto dinheiro países investidores vão colocar no fundo. 

Gaza: mais de 500 mil palestinos estão em condições catastróficas de fome

Do Opera Mundi

Relatório da Classificação Integrada de Fases de Segurança Alimentar (IPC), sistema apoiado pelas Nações Unidas para monitoramento da fome, declarou oficialmente nesta sexta-feira (22/08) que Gaza enfrenta condições de Fase 5 — a mais grave da escala de insegurança alimentar aguda, que significa fome.

Segundo o documento, mais de 500 mil palestinos estão na Fase 5 e vivem em “situação catastrófica”, marcada por inanição, miséria e risco de morte; a previsão é de que o número chegue a 640 mil  até o final de setembro.

Outros 1,07 milhões de pessoas, ou 54% da população de Gaza, são classificadas como estando na Fase 4, o que significa em condições de “emergência”; enquanto 396.000 pessoas (20%) estão na Fase 3, ou condições de “crise”.

A fome foi confirmada pela primeira vez na Cidade de Gaza, e a previsão é de que ela se espalhe para as regiões de Deir al-Balah e Khan Younis nas próximas semanas.

O chefe de direitos humanos da ONU, Volker Turk, responsabilizou diretamente o governo israelense pela crise. “A fome declarada hoje na província de Gaza pela Classificação Integrada de Segurança Alimentar (IPC) é o resultado direto das ações tomadas pelo governo israelense”, afirmou.

Ele acrescentou que “é um crime de guerra usar a fome como método de guerra, e as mortes resultantes também podem ser consideradas um crime de guerra de homicídio doloso”.

Duelo de extrema importância

POR GERSON NOGUEIRA

Quando entrar no Couto Pereira para enfrentar o líder Coritiba, o Remo de Antônio Oliveira deve ter como exemplo a Chapecoense, que ontem aplicou um 4 a 0 contundente sobre o Athletic, em São João Del Rey, esbanjando determinação e objetividade, virtudes que ultimamente andam em baixa na equipe paraense.

Citei a Chape por estar acima do Remo na classificação, ocupando agora o 3º lugar, com 40 pontos, e por mostrar um apetite que todo candidato ao acesso deve ter. 

O time de Gilmar Dal Pozzo é hoje detentor de duas goleadas (sobre Amazonas e Athletic) por 4 a 0, jogando de forma organizada, evitando quedas de rendimento nos jogos que normalmente afetam as equipes.

A espetacular reação no campeonato já dura nove partidas de invencibilidade, com forte reposição de peças e disciplina tática impressionante. O rodízio de jogadores no 2º tempo é muito bem executado, com substituições que encaixam e não permitem perdas técnicas.

Mais do que a vitória acachapante sobre o Athletic, chamou atenção a disposição demonstrada pela Chape, que vem atuando bem tanto dentro quanto fora de casa. É um rendimento de time que quer subir para a Série A e também sonha com o título do campeonato.

Todas essas virtudes têm faltado ao Remo neste período sob o comando de Antônio Oliveira. Mesmo nas vitórias fora de casa, sobre Athletic e América-MG, faltou apuro e coordenação, fazendo com que em boa parte dessas partidas houvesse uma pressão excessiva sobre o setor de defesa.

Para agravar ainda mais a situação, o Remo não conseguiu mais o rendimento que apresentava como mandante no começo da competição. Já perdeu 14 pontos como mandante, número proibitivo para quem almeja subir para a Primeira Divisão.

A partida deste sábado (23) tem importância fundamental na caminhada do Leão na Série B. Com 34 pontos, em quinto lugar na tabela, o time precisa se manter próximo dos quatro primeiros colocados – Coritiba, Goiás, Novorizontino e Chapecoense. Qualquer tropeço significará perda de posição e fôlego na disputa.

A necessidade de vencer é ainda maior pela própria situação de instabilidade do técnico Antônio Oliveira, ameaçado de demissão depois dos recentes tropeços dentro de casa. Talvez por isso mesmo, o time está mais ou menos desenhado num esquema ofensivo.

O meio-de-campo deve ser formado por Caio Vinícius, Jaderson e Diego Hernández. No ataque, Marrony, Matheus Davó e Nico Ferreira. Na prática, o Remo terá uma postura ofensiva. Para ser agressivo, o time naturalmente correrá riscos.

Com uma meia-cancha liderada pelo armador Josué, jogador de extrema habilidade e que vem se destacando na excelente campanha do Coritiba. Além de cuidar da marcação, o Remo terá que criar situações no ataque para chegar ao gol. Uma missão das mais espinhosas. (Foto: Samara Miranda/Ascom CR)

Bola na Torre

O programa deste domingo (RBATV, às 22h) vai abordar a participação de Remo e Paysandu na 23ª rodada da Série B. Guilherme Guerreiro apresenta, com as participações de Giuseppe Tommaso e deste escriba de Baião. A edição é de Lourdes Cezar e Lino Machado.

Papão lança melhor time possível contra o Fantasma

Diante do Operário-PR neste domingo, 24, o PSC entra com a obrigação de romper a sequência de tropeços das últimas cinco rodadas, incluindo resultados ruins dentro de casa. Depois de perder a invencibilidade de nove partidas sob o comando de Claudinei Oliveira, os bicolores não conseguiram mais vencer.

A cobrança da torcida volta a pressionar o time em busca de resultados que permitam fugir à zona de rebaixamento. As esperanças se concentram naturalmente na dupla ofensiva que vem fazendo a diferença desde que Claudinei chegou: Maurício Garcez e Diogo Oliveira. A prolongada ausência de Rossi – que novamente não está relacionado – contribui para reduzir ainda mais a produção de jogadas a partir do meio-campo.

O problema é que nas últimas partidas o PSC não teve qualidade na elaboração de jogadas, o que comprometeu bastante o aproveitamento dos atacantes. Sem sinais de criatividade no meio e baixa participação dos homens de lado, o Papão não conseguiu impor pressão sobre Athletic, Atlético-PR, Vila Nova e Chape.  

Pressão é tudo que o time precisará fazer sobre o Operário para conquistar a vitória. O adversário se posiciona na parte intermediária da tabela, com características defensivas muito fortes como visitante, o que faz crer num esquema de forte marcação para conter os bicolores.

(Coluna publicada na edição do Bola de sábado/domingo, 23/24)

Libertadores: Botafogo colhe na eliminação o que plantou em temporada conturbada

Do Lance!

O Botafogo pagou contra a LDU, na última quinta-feira (21), em Quito, o preço de duas situações importantes em 2025: planejamento e expectativa. O 1 a 0 na ida não foi o suficiente, e o time equatoriano reverteu o placar agregado com superioridade técnica e, principalmente, física. A temporada do Botafogo após os títulos do Brasileirão e da Libertadores em 2024 foi conturbada de ponta a ponta. Troca de técnico, resultados ruins, eliminações frustrantes, contratações caras sem o retorno esperado e, agora, esperança pelo que resta.

Isso passa pelo discurso sobre a temporada começar em abril, dado por John Textor após as perdas dos títulos da Supercopa do Brasil, para o Flamengo, e Recopa Sul-Americana, para o Racing, e chega à tentativa de formar um novo time, com novo comando e contratações, mas que até agora mostra fragilidade e oscilação.

A campanha na Libertadores foi irregular como um todo. Na primeira fase, foram 12 pontos conquistados e, ainda que tenha sido melhor em relação ao ano do título, as atuações já preocupavam. O time se classificou na segunda colocação, atrás do Estudiantes.

No confronto com a LDU, foram escancarados os problemas logo em um jogo de mata-mata e durante fase conturbada da SAF nos bastidores. Nos dois jogos, Davide Ancelotti sofreu com falta de peças no grupo devido aos problemas por lesões, viu necessidade de improvisação e, de quebra, uma das piores atuações sob seu comando na vitória do jogo de ida, no Nilton Santos.

A receita do bolo, com ingredientes para lá de complicados, já indicavam um grande desafio no mata-mata. E o Botafogo cai na Libertadores com merecimento. Agora, vira a chave estando nas quartas de final da Copa do Brasil, onde irá enfrentar o Vasco. No Brasileirão, o sonho do título é distante, ainda que o quinto lugar mantenha as esperanças.

No duelo em Quito, o Botafogo foi a campo no time titular com três volantes: Allan, Marlon Freitas e Danilo. O primeiro gol foi sofrido logo aos seis minutos, em cenário de total vulnerabilidade na entrada da área. Fisicamente a LDU sobrou no gramado do Casa Blanca e conseguiu reverter o 1 a 0 sofrido na ida, no Nilton Santos.

“A estratégia de hoje foi adaptar-se um pouco. Jogamos com linha de defesa mais baixa para tirar a profundidade deles e defender cruzamentos. Eles cruzam muito, então três volantes eram para bloquear os chutes. Não é a maneira que o Botafogo quer jogar, mas tínhamos que adaptar. Mas foi o plano de jogo. E é difícil seguir com o plano depois de levar um gol com seis minutos”, disse Davide, após o jogo.

O gol muito cedo deixou o Botafogo atordoado, e a LDU aproveitou para se lançar ao ataque. O controle foi total, criando ótimas oportunidades para ampliar. “O gol nos primeiros minutos mudou o jogo. Foi mais difícil seguir o planejamento. O ritmo tem que ser baixo aqui porque é muito difícil fisicamente. A gente queria ter uma linha defensiva mais fechada. O primeiro gol poderíamos ter evitado”, afirmou o técnico.

Pacote bicolor crava 30% de acertos

POR GERSON NOGUEIRA

O executivo do PSC fez uma avaliação bastante positiva das contratações do clube na última janela de transferências. Para Carlos Frontini, o índice de acertos foi de 80%. Dos 10 jogadores que chegaram, segundo ele, oito justificaram o investimento. Menos, bem menos.  

A lista de contratados inclui os zagueiros Thalisson e Thiago Heleno; os volantes Anderson Leite e Ronaldo Henrique; os meias Denner e Wendel Jr; e os atacantes Diogo Oliveira, Maurício Garcez, Petterson e Vinni Faria.

Até o momento, 30% das aquisições podem ser consideradas plenamente satisfatórias, 30% precisam evoluir e 40% ainda não emplacaram. Os acertos indiscutíveis são Diogo Oliveira, Cortez e Thalisson, titulares absolutos desde que entraram no time.

Três dos contratados – Anderson Leite, Denner e Thiago Heleno – têm sido aproveitados, mas ainda oscilam. Quanto ao quarteto Petterson, Wendel, Ronaldo Henrique e Vinni Faria, o rendimento é fraco.  

É natural que o responsável direto pelas negociações lance um olhar generoso sobre suas escolhas. São atletas que indiscutivelmente ajudaram o time a sair do abismo em que se encontrava – o que também expõe a baixa qualidade do conjunto de reforços trazido no começo do ano.

A avaliação é mais positiva a partir do desempenho do trio Diogo Oliveira, Garcez e Thalisson. Todos chegaram e assumiram papéis de destaque e relevância no time, sob o comando de Claudinei Oliveira, que também teve influência e mérito nas indicações.   

Em defesa de Frontini, deve-se considerar que a aposta em 10 nomes tem sempre um alto potencial de risco. Três grandes acertos configuram um percentual respeitável, levando em conta as dificuldades para contratar quando todas as competições estão em andamento. (Foto: Jorge Luís Totti/Ascom PSC)

Leão apresenta nova aposta para o ataque

O Remo não para de contratar. Toda semana, desde que a atual janela foi aberta, o torcedor é surpreendido com novidades, o que sempre gera expectativas. O objetivo é reforçar o time para enfrentar os desafios do returno da Série B. Até aí, tudo bem. O problema é que o elenco cresce em quantidade, mas sem a qualidade necessária.

Eduardo Melo, centroavante de 24 anos, com passagem pela Série C do Campeonato Brasileiro, é a bola da vez. Ele foi confirmado ontem como reforço para o ataque, após a saída de Felipe Vizeu. Pertence ao Criciúma e estava jogando pelo Caxias, que lidera a Série C.

Pouco se sabe sobre o novo atacante, além da informação de que defendeu o Giravanz Kitakyushu, do Japão, e disputou o Campeonato Catarinense pelo Tigre. Sobre as características, é apontado como um bom cabeceador e de forte presença na grande área.

Quando se questiona a qualidade das contratações recentes do Remo o alvo das críticas é a insistência com nomes que permanecem como opções de banco, ou nem isso. São vários exemplos: Kawan, Nathan Camargo, Freitas, Pedro Costa, Madson, Kayky.

Que Eduardo Melo, cotado até para estrear diante do Coritiba neste sábado, não seja mais um na longa lista de apostas que não deram certo. O espaço no comando do ataque continua aberto desde a saída de Ytalo, o último centroavante goleador que o Remo teve.

Com erros primários, Fogão cai fora da Libertadores

Davide Ancelotti, cuja maior referência é o fato de ser filho de Carlo Ancelotti, sofreu ontem à noite seu primeiro grande revés como treinador do Botafogo. Ainda jovem, Davide é um aprendiz – e não há nada errado nessa condição. Errada foi a opção que o clube fez por um profissional inexperiente, após a experiência fracassada com Renato Paiva.

A eliminação na Libertadores começou a se desenhar na magra vitória sobre a LDU no estádio Nilton Santos, na semana passada. Até a estátua do Manequinho sabia que a combativa LDU seria um adversário tinhoso na altitude. Ainda mais contra um time sem sistema claro de jogo, cheio de desfalques e com escolhas erradas na escalação.

É inadmissível, por exemplo, que o talentoso Montoro tenha ficado de fora da escalação inicial ontem à noite. Como melhor passador do time, dono de grande habilidade, o jovem meia-atacante poderia ser a válvula de escape para aproveitar os espaços permitidos pela LDU.

Davide Ancelotti preferiu entrar com um meio-campo recuado e aceitando a pressão do adversário. Para piorar, optou por Mateus Martins na linha ofensiva. Entrou para segurar a estreita vantagem e acabou se dando mal.

Tudo muito parecido com o que se viu contra o Palmeiras, no Mundial de Clubes, quando o time só se mexeu ao ficar em desvantagem. Pela covardia explícita, Renato Paiva foi afastado. Davide certamente vai continuar, e o Botafogo seguirá seu calvário neste 2025 de baixas expectativas. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta sexta-feira, 22)

Tropa bicolor já tem seu general

POR GERSON NOGUEIRA

No Atlético-PR, onde jogou por 10 anos, Thiago Heleno era chamado de “General da Baixada”, patente conquistada com a liderança dentro e fora de campo. É bem verdade que a relação entre o zagueiro e o clube terminou em divórcio quase litigioso, mas o longo período no Furacão é até hoje uma referência na carreira do defensor.

Foram 380 jogos com a camisa rubro-negra e seis taças levantadas, com destaque para as duas conquistas da Copa Sul-Americana, em 2018 e 2021. Não participou das campanhas na Copa do Brasil 2019 e J.League/Conmebol porque estava suspenso por doping.

Jogador com currículo tão vitorioso é sempre um reforço importante. Foi com base nisso que o PSC trouxe Thiago Heleno para ser o general do elenco nesta Série B 2025, com contrato que se estende até 2026.

Quando o zagueiro de 36 anos desembarcou na Curuzu, porém, a situação do time na tabela já era complicada, ocupando a zona de rebaixamento. Thiago foi contratado para ajudar no processo de recuperação, sob o comando de Claudinei Oliveira, afinal é um jogador acostumado a superar desafios. 

Apesar das mágoas pelo modo como foi dispensado pelo Atlético, clube onde pretendia encerrar a carreira, Thiago mantém o projeto de seguir jogando. A ideia era pendurar as chuteiras no Furacão e abraçar uma função fora dos gramados. Não deu certo lá, mas pode ocorrer no Papão.

Com apenas três partidas disputadas, a presença do zagueiro ainda não chamou atenção da torcida. Teve atuação discreta nas ações defensivas, mas se destacou no ataque, com o cabeceio que proporcionou um lance de perigo diante da Chapecoense.

Falta a antiga postura de comandante em campo, condição que só deve emergir quando consolidar presença como capitão. Tudo obviamente depende dos passos da equipe no campeonato. Há, porém, a convicção de que a partir de agora a zaga bicolor tem um titular absoluto, que, por coincidência, também é general. (Foto: Jorge Luís Totti/Ascom PSC)

Lado físico determina opção por Alan Rodríguez

A presença de Alan Rodriguez na partida contra o América-MG e novamente como titular diante do Botafogo-SP, em substituição ao antigo titular, Sávio, representou basicamente uma questão de confiabilidade física. O técnico Antônio Oliveira precisava apostar num atleta que consiga jogar, defendendo e atacando, por 90 minutos.

Alan está melhor condicionado e pode executar as duas funções, ao contrário de Sávio, que normalmente precisa ser substituído nas partidas por desgaste. A vantagem física que o jovem Alan apresenta só falta ser potencializada no aspecto técnico.

Em comparação com o papel de Sávio na fase mais positiva do Remo na Série B, Alan ainda tem sido pouco produtivo. Marca corretamente, apoia com constância, mas não é decisivo. Sávio foi fundamental em vários jogos, com excepcional aproveitamento nas bolas paradas.

Para que a simples troca de laterais não represente uma perda para o time, Alan terá que ser mais ousado e efetivo nos cruzamentos e cobranças de faltas. E isso tem que começar já na próxima partida do Leão, o duríssimo duelo com o líder Coritiba na capital paranaense.   

Sem apelo de mídia, Rodrygo perde espaço

Nas últimas cinco partidas do Real Madrid, o atacante Rodrygo só esteve presente em três. Essa perda de espaço já havia se desenhado no Mundial de Clubes, nos Estados Unidos, que marcou a estreia de Xabi Alonso no comando técnico dos merengues.

Por alguma razão não esclarecida, o brasileiro tem sido claramente deixado de lado, perdendo espaço até para jovens apostas do Real. Um cenário inteiramente diverso do que acontecia nas últimas três temporadas, quando Rodrygo foi quase sempre decisivo.

Sob a batuta de Carlo Ancelotti, ele adquiriu confiança e respondeu com atuações espetaculares, tanto no certame espanhol quanto na Liga dos Campeões. Nem a chegada de Mbappé tirou espaço de Rodrygo, que pontificava na equipe mesmo preferindo jogar pela esquerda, faixa ocupada por Vinícius Júnior.

Com Alonso, tudo mudou. Pouco afeito a ações midiáticas, Rodrygo não é ídolo da torcida e não tem quem o defenda, apesar de ser um dos melhores do elenco. Resta saber agora como fica a situação na Seleção, agora com Ancelotti, pois é preciso jogar pelo clube para ser convocado no escrete.

(Coluna publicada na edição do Bola desta quinta-feira, 21)

Big techs pressionam para excluir trechos de lei de proteção a crianças nas redes

Empresas se opõem a reter dados de pedófilos e pedem balanço entre proteção e interesse financeiro, revelam documentos

Relator do PL 2628/22, o deputado Jadyel Alencar recebeu 25 notas técnicas de entidades interessadas em alterar os artigos do projeto, incluindo empresas de tecnologia

Por Laura Scofield | Edição: Ed Wanderley

As big techs não querem ter que guardar dados de usuários ligados ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes para repassar às autoridades competentes. É o que revelam documentos, acessados pela Agência Pública, com sugestões das empresas ao projeto de lei 2.628/2022, que pode ser votado nesta semana na Câmara dos Deputados. A proposta visa proteger crianças e adolescentes nas redes sociais e teve a tramitação acelerada após o vídeo do influenciador Felca dominar o debate público sobre adultização e sexualização deste público.

A reportagem acessou 25 notas técnicas com sugestões de contribuição ao projeto enviadas ao gabinete do relator, deputado Jadyel Alencar (Republicanos-Pi). Os documentos são assinados por diversas organizações, como associações setoriais, membros da sociedade civil, advogados e frentes parlamentares. Entre os pedidos das gigantes de tecnologia está a exclusão integral do artigo que aborda as obrigações das empresas na retenção de dados de conteúdos abusivos —  o que não foi acatado.

Uma das notas técnicas com sugestões para o projeto foi elaborada pelo Conselho Digital, associação de lobby das empresas de tecnologia que tem como membros Google, Meta, TikTok, Kwai e Discord. O documento foi produzido em março de 2024, quando a proposta ainda tramitava na Comissão de Comunicação e Direito Digital (CCDD) do Senado Federal. Ele foi reenviado ao gabinete do relator do projeto na Câmara, e analisado pela equipe técnica, de acordo com relatório publicado em 12 de agosto.

POR QUE ISSO IMPORTA?

  • Documentos comprovam o movimento de gigantes da tecnologia para influenciar na confecção de leis e garantir que menos obrigações recaiam sobre as big techs quanto a abusos veiculados em suas redes sociais.

O texto pede a exclusão do artigo que afirma que “os provedores e fornecedores deverão reter” dados sobre os conteúdos de exploração e abuso sexual infantil e sobre o usuário “responsável pelo conteúdo”. A obrigação está ligada a outra demanda, de que as empresas produzam “relatórios de notificação de conteúdo de exploração e abuso sexual infantil” a serem “enviados à autoridade competente”. O Conselho Digital argumentou que “é crime ‘adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente’”.

“Não é ilegal armazenar conteúdo se existe um salvoconduto da própria legislação”, rebate a advogada especialista em direito penal e criminologia Graziela Jurça Fanti. Ela defende que guardar esses dados seria uma forma de proteger e acolher as vítimas, ao mostrar que “estamos nos mobilizando coletivamente para que nenhuma outra criança passe por aquilo”. “Quando a gente está apagando as provas, a gente também está apagando a possibilidade de a justiça acontecer. E não dá para focar só no agressor, no pedófilo, no aliciador, no abusador”, complementou.

O artigo foi mantido no PL 2.628/22 pelo relator, com a inclusão de um prazo específico para a obrigatoriedade de manutenção dos conteúdos: seis meses, com possibilidade de que as autoridades requeiram a guarda desses registros por prazo superior, em acordo com o Marco Civil da Internet. A equipe de Alencar afirmou à reportagem que compreende que a retenção desses dados requer medidas adicionais que geram custos financeiros às empresas, mas que entende que a medida seria necessária.

A previsão é que a tramitação em urgência do projeto seja aprovada na terça-feira (19), e o projeto seja avaliado na quarta-feira (20), após a realização de uma sessão da comissão especial no plenário da Casa.

Questionado sobre o posicionamento das empresas em defender que dados de usuários ligados a abuso sexual de crianças e adolescentes não sejam mantidos pelas plataformas, o Conselho Digital não respondeu e disse apenas que “tem participado de Audiências Públicas no Congresso Nacional e se manifestou por meio de Nota Técnica, disponível de forma pública em nosso site”.

Já o Google disse que “a segurança on-line de crianças e adolescentes é uma prioridade”. “Participamos ativamente do debate público para a construção de políticas eficazes e, como parte desse processo, colaboramos com legisladores e com a sociedade civil de forma transparente por diversos meios, incluindo audiências públicas, grupos de trabalho e compartilhamento de documentos contendo informações técnicas e experiências internacionais”, afirmou a empresa em nota enviada à reportagem.

Na nota técnica, a associação que faz lobby para as big techs alega que as sugestões feitas para o projeto de lei que visa a proteção de crianças e adolescentes nas redes sociais seriam motivadas, por exemplo, pela “necessidade de equilibrar a proteção dos menores com os direitos dos usuários e os interesses comerciais dos fornecedores de serviços”. A entidade vai além e opina ainda que a legislação brasileira não deveria “impor barreiras desproporcionais ao acesso e à inovação digital”.

Especialistas ouvidos pela Pública defendem que o PL 2.628/22 é maduro e já estaria “mais avançado”. “Ele traz uma série de avanços para a proteção de crianças e adolescentes”, afirmou Emanuella Halfeld, analista de Relações Governamentais do Instituto Alana, organização que atua para garantir condições para o desenvolvimento integral da infância. Ela defende que as redes devem ser responsabilizadas “quando os sistemas algorítmicos apoiam na perpetração de violências”.

Ainda assim, a extrema direita tem tentado emplacar a falsa narrativa de que o texto pode gerar censura, e o PL e o Novo já sinalizaram que pretendem obstruir projetos contra a “adultização” se considerarem que existe esse risco. Os partidos, no entanto, foram responsáveis por 10 das 15 emendas aceitas pelo relator na confecção do PL 2.628/22.

Outro documento enviado ao gabinete de Jadyel Alencar acessado pela Pública repete o receio das empresas de tecnologia com a obrigação de guardar dados sobre conteúdo de abuso sexual infantil para subsidiar as autoridades. O documento é apócrifo, ou seja, sem identificação de autoria, mas a reportagem apurou que o texto foi enviado pela Google.

A empresa questionou o artigo que impõe a obrigação sob o argumento de que ele não estaria detalhado o suficiente e poderia “abrir espaço para: envio de informações de forma inadequada ou insegura; sobreposição ou duplicação de notificações, que compromete a triagem eficiente; [e] risco de responsabilização das plataformas por denúncias não qualificadas, em contextos sem respaldo jurídico claro”.

A plataforma argumenta que o modelo proposto pelo artigo não estaria de acordo com as práticas internacionais e tenta terceirizar a responsabilidade, sugerindo “que a notificação seja feita preferencialmente por meio de entidades certificadas e especializadas, com competência técnica para tirar, documentar e encaminhar os casos às autoridades competentes”. A nota técnica foi produzida em maio de 2025.

O advogado e coordenador-adjunto do Observatório Nacional de Cibersegurança, Inteligência Artificial e Proteção de Dados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Fabrício da Mota Alves, avalia que os argumentos das empresas têm “risco de serem fragilizados no debate legislativo e em casos de enfrentamento judicial posterior”, pois a Constituição Brasileira estabelece que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade”. “Existe o direito à proteção de dados e o direito à privacidade, mas há que se equacionar uma relativização em benefício de algum lado. E a Constituição já está dizendo, se for relativizar, esse lado tem que ser o lado da criança e do adolescente”, lembra.

Enquanto a necessidade de retenção de provas de autoria de conteúdos abusivos é uma necessidade validada por especialistas ouvidos pela Pública, o prazo proposto no projeto ainda não tem a mesma recepção.

De acordo com Fabrício da Mota Alves, a solução encontrada pela relatoria, de determinar um prazo de seis meses para a retenção desses dados, seria positiva: “Se você não define um tempo, você cria um armazenamento infinito. Isso é incompatível com a proteção de dados”, explica.

Graziela Jurça Fanti, por outro lado, alerta que o prazo é curto: “O judiciário é extremamente moroso, infelizmente essa é uma realidade no Brasil inteiro, há raras exceções à regra, e seis meses pode vir a ser um tempo bastante ínfimo para preservar e, principalmente, para conseguir investigar”.

Amanhecer no Congresso Nacional
PL 2.628/22 deve ser pautado ainda nesta semana, em regime de urgência, na Câmara dos Deputados

EMPRESAS SE OPÕEM A RELATÓRIOS DE TRANSPARÊNCIA

As empresas de tecnologia se opuseram a outras questões, como a obrigação de que empresas com mais de um milhão de usuários com menos de 18 anos produzam relatórios semestrais com a quantidade de denúncias recebidas, de moderação de conteúdos e contas, além de providências adotadas quanto a atos ilícitos ou abusivos.

O Conselho Digital pediu a exclusão completa do artigo, argumentando, que é “impossível atribuir ou delegar [para fora do Judiciário] tal tarefa de identificar ilícitos que violem direitos de crianças e adolescentes” e que moderação de conteúdo ou contas “é algo excessivamente abrangente e não trará benefícios para compreender a incidência de conteúdo potencialmente ilegal”.

A obrigatoriedade de apresentação de relatórios foi mantida na versão publicada do projeto. Foi adicionado um inciso que dispensaria “a exigência de consolidação estatística e envio semestral de relatórios de moderação e denúncias” a alguns serviços, que não ficam claros. A adição poderia abrir brecha para as empresas, mas o gabinete do relator afirmou que se tratou de um “erro material” que “passou batido na revisão” e será retirado.

A mais recente versão do projeto mantém a proibição do perfilamento de crianças e adolescentes para fins comerciais, tópico que foi alvo de pressão das empresas, mas o relator cedeu à retirada do termo “dever de cuidado” do texto. Em nota técnica, a Google afirma que a obrigação promoveria “exigências desproporcionais às plataformas, como o monitoramento prévio de conteúdos”. A Meta também questionou o uso do conceito.

Jadyel Alencar, por meio de seu gabinete, argumentou que a retirada não significaria uma diminuição da intenção “protetiva” do projeto de lei, pois o termo foi substituído pela obrigação dos fornecedores de produtos ou serviços de tecnologia de informação observarem “os deveres de prevenção, de proteção, de informação e de segurança” – o que, na avaliação da equipe do deputado, equivaleria ao “dever de cuidado”.

PF indicia Bolsonaro e o filho por coação a autoridades e apreende passaporte de Silas Malafaia

A Polícia Federal indiciou nesta quarta-feira (20) o ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por coação a autoridades responsáveis pela ação penal do golpe de Estado. Isso significa que a PF viu elementos de que o ex-presidente e o deputado licenciado buscaram atrapalhar o processo do golpe, em que Jair Bolsonaro é réu (entenda mais abaixo a situação jurídica do ex-presidente).

A PF também aponta indícios de que os dois cometeram o crime de tentativa de abolição do Estado democrático de direito, uma vez que suas ações “buscam atingir diretamente instituições democráticas brasileiras, notadamente o Supremo Tribunal Federal e, até mesmo, o Congresso Nacional Brasileiro”.

A PF teve acesso a troca de mensagens em um celular apreendido com Jair Bolsonaro. Segundo o relatório, o material demonstra que o ex-presidente fez “intensa produção e propagação de mensagens destinadas às redes sociais, em afronta à medida cautelar anteriormente imposta”.

Também nesta quarta, a PF fez buscas e apreensões contra o pastor Silas Malafaia, confiscando celular e passaporte. Ele aparece nas investigações sobre coação a autoridades. No entanto, ele não foi indiciado. No relatório, a PF informou que foram extraídos do celular de Jair Bolsonaro áudios e conversas com Malafaia e Eduardo Bolsonaro que haviam sido apagados.

Esses registros reforçam, segundo os investigadores, as tentativas de articulação para intimidar autoridades brasileiras e atrapalhar os inquéritos que apuram a trama golpista.

Eduardo Bolsonaro se licenciou do mandato para morar nos Estados Unidos, onde atua junto ao governo Donald Trump para pressionar autoridades brasileiras envolvidas no processo da tentativa de golpe. Nesse contexto, Trump impôs um tarifaço de 50% a produtos brasileiros.

Uma das mensagens elencadas no relatório de PF é de Malafaia para Jair Bolsonaro. “Conforme relatado, menos de uma hora após a ativação do novo celular, em 25/7/2025, às 11h09, o pastor Silas Lima Malafaia enviou mensagens a Jair Bolsonaro pedindo que o investigado ‘disparasse’ dois vídeos, com as instruções:

‘ATENÇÃO! Dispara esse vídeo às 12h’

‘Se você se sente participante desse vídeo, compartilhe. Não podemos nos calar!’ ”

Sobre Eduardo, o relatório descreve: “O parlamentar licenciado passou a publicar, em seu perfil nas redes sociais, conteúdos em inglês, com o claro intuito de alcançar o público no exterior, além de interferir e embaraçar o regular andamento da AP 2668/DF e coagir autoridades públicas brasileiras”.

O ex-presidente Jair Bolsonaro está em prisão domiciliar por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A prisão domiciliar foi imposta após Moraes apontar as tentativas de coação no processo.

Portanto, a coação às autoridades faz parte de um inquérito, que ainda não virou uma eventual denúncia da Procuradoria-Geral da República nem, consequentemente, processo penal.

No caso em que Bolsonaro já é réu, o de tentativa de golpe de Estado, o julgamento está marcado para começar no dia 2 de setembro.

Segundo a investigação, agentes cumpriram mandado de busca pessoal contra o pastor, com apreensão de celular e outros materiais. Malafaia retornou nesta quarta ao Brasil, vindo de Lisboa. Ele foi recebido no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, e conduzido para prestar depoimento à PF.

No relatório, a PF informou que foram extraídos do celular de Jair Bolsonaro áudios e conversas com Malafaia e Eduardo Bolsonaro que haviam sido apagados. Esses registros reforçariam, segundo os investigadores, as tentativas de articulação para intimidar autoridades brasileiras e atrapalhar os inquéritos que apuram a trama golpista.

A PF também identificou mensagens em que Jair Bolsonaro teria discutido com aliados um possível pedido de asilo político ao presidente da Argentina, Javier Milei.

INVESTIGAÇÃO

O inquérito foi aberto em maio, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que apontou a atuação de Eduardo Bolsonaro em busca de sanções contra ministros do STF junto ao governo dos Estados Unidos.

O caso levou à abertura de investigação contra Jair Bolsonaro, que já cumpre prisão domiciliar por descumprimento de ordens judiciais. No início de julho, o ministro Alexandre de Moraes prorrogou a apuração por mais 60 dias, destacando a necessidade de novas diligências. (Com informações de G1, Folha de S. Paulo e Metrópoles)