Ministro rejeita cautelares alegando que a Corte é forte o suficiente, mesmo quando os ataques visam exatamente derrubá-la

Por Cléber Lourenço, no ICL Notícias
O voto do ministro Luiz Fux no referendo da Petição 14.129 soa como um hino à inércia institucional. Divergindo do relator Alexandre de Moraes, Fux recusou referendar as cautelares impostas a Eduardo Bolsonaro sob a justificativa de que a independência do Supremo Tribunal Federal já estaria garantida, prescindindo, portanto, de medidas adicionais para ser preservada. Um argumento que transforma a autodefesa institucional em mito confortável — e perigosamente ilusório.
É nesse ponto que reside a contradição fundamental: as ameaças descritas pela Polícia Federal têm justamente como objetivo minar a robustez que Fux trata como inabalável. É como se dissesse que, por já ter sobrevivido a tentativas anteriores, a democracia pode abrir mão de reagir a novos golpes. Mas democracia e independência judicial não são mágicas autossustentáveis. São conquistas frágeis, que exigem vigilância, reação e reforços constantes para não sucumbirem diante de ataques calculados.
O ministro vai além e classifica como “abstratas” as articulações políticas e econômicas para sabotar um processo penal em andamento — mesmo sabendo que a instrução já havia sido encerrada e que as manobras descritas visavam diretamente a credibilidade do Judiciário. Em vez de se debruçar com seriedade sobre os indícios reunidos por Moraes, Fux escolhe minimizá-los, rebaixando-os a meras conjecturas, como se a Corte não estivesse há anos sob cerco aberto e sistemático.
Essa postura formalista, que Fux apresenta como virtude, é perigosa em tempos de tensão institucional explícita. Sua mensagem, lida no contexto atual, parece dizer mais sobre complacência do que sobre firmeza: o Supremo prefere confiar em sua reputação do passado em vez de agir com vigor no presente para se proteger. Para os adversários da Corte, isso pode soar como um convite para testar os limites ainda mais. Afinal, cada vez que a instituição recua, mais ousados se tornam os ataques contra ela.
A independência do STF não é um escudo encantado, tampouco uma dádiva permanente. Ela existe porque decisões firmes e mecanismos preventivos a sustentam. Ao rejeitar medidas cautelares em nome de uma confiança ingênua — ou convenientemente otimista — na força institucional, Fux enfraquece aquilo que finge estar protegendo. Para alguém de sua trajetória, é uma contradição difícil de explicar e um erro estratégico que se assemelha a rendição disfarçada.
Não se pode subestimar o efeito simbólico de uma decisão dessas. Em um cenário em que forças políticas se organizam para testar os limites do Supremo a cada oportunidade, um recuo não é apenas um erro tático — é um estímulo claro aos que tramam contra a integridade do tribunal. Cada recuo institucional sinaliza que a Corte está disposta a tolerar mais uma provocação, alimentando um ciclo de intimidações cada vez mais sofisticadas.
Além disso, ao tratar ameaças bem articuladas como meras abstrações, o ministro ignora um ponto essencial da dinâmica política contemporânea: as investidas contra instituições raramente se apresentam de forma explícita. São ações discretas, coordenadas, construídas para parecer inofensivas, mas que têm efeitos corrosivos de longo prazo. Fingir que não há risco por falta de violência imediata é fechar os olhos para a essência das táticas de desestabilização institucional.
A democracia só sobrevive porque reage, ainda que preventivamente, a cada tentativa de golpe. O STF também só continuará independente se não hesitar em defender sua autonomia com coragem e convicção. O voto de Fux ignora essa lição elementar e, com um otimismo quase cínico, abre caminho para que o Judiciário seja lentamente minado por dentro — enquanto ele pede, basicamente, que todos fiquem sentados confiando que nada vai acontecer. É uma lição perigosa, sobretudo para quem acredita que instituições sobrevivem por inércia, e não por escolhas conscientes de defesa ativa.
Ao sustentar que as medidas cautelares eram desnecessárias porque a independência judicial já estaria garantida e demonstrada, o voto de Luiz Fux comete um equívoco: parte de uma confiança excessiva na robustez institucional da Corte e ignora que ameaças externas têm como meta justamente fragilizar essa robustez. O argumento, levado ao extremo, seria análogo a dizer que, como a democracia brasileira já se mostrou resistente a ataques, não há por que reagir a novas tentativas de golpe.

















