Psica é o festival brasileiro que mais destina ingressos a pessoas trans, travestis e não-binárias

Relatório “Listas Trans: um panorama dos festivais brasileiros de 2024” trouxe o dado em sua segunda edição

Dossiê completo aqui. Autoria de Iná Odara Cholodoski Monteiro Torres e Macaia Ferro  

Em 2024, o Psica, realizado em Belém, foi o festival brasileiro que mais destinou ingressos para pessoas trans, travestis e não-binárias. Foram um total de 539 passaportes distribuídos para o festival, o que totalizou 1.078 ingressos , pensando que foram 2 dias de ingressos pagos. O dado faz parte do relatório “Listas Trans: um panorama dos festivais brasileiros de 2024” , que acaba de ser lançado, assinado por Iná Odara Cholodoski Monteiro Torres e Macaia Ferro , pesquisadores com trajetória acadêmica nas áreas de sociologia e antropologia.

“Esse resultado é fruto de um trabalho de inclusão que a gente faz há anos. A gente olha a lista transfree como uma necessidade básica de todo projeto cultural, não como uma contrapartida”, afirma Gerson Junior, diretor do festival.

A publicação analisa iniciativas de inclusão externas a pessoas trans e não-binárias nos principais festivais de música do Brasil, considerando o impacto das chamadas listas T&NB . Além do número expressivo de beneficiários, o Psica se destacou pela política de acesso ampla: o festival não limita o número de ingressos destinados à iniciativa e, desde 2021, a Rede Paraense de Pessoas Trans organiza a administração da lista. No Psica, todos ganharam passaportes que davam direito a todos os dias de evento, aponta o documento que reúne dados quantitativos, entrevistas e análises qualitativas sobre inclusão e acesso em festivais. O festival não funciona com um número limitado de ingressos destinados à lista e, desde 2021, a Rede Paraense de Pessoas Trans organiza a administração da lista.

Diversidade no público, nos bastidores e nos palcos

Iná Odara, uma das responsáveis pela pesquisa, estende a reflexão com sua experiência no festival: “Sob a minha perspectiva é muito interessante ver que não é refletido apenas na inserção do público, mas sim no line-up, nas pessoas que estavam trabalhando no evento no backstage, fotógrafos. E, você vê um line-up que tem artistas trans em cima do palco. É muito chique você estar lá e ver essas pessoas, pessoas LGBT ocupando o front desses palcos, cantando junto, vendo as performances de dançarinos, dançarinas e dançarines. Isso é um retrato riquíssimo, a gente vê que a maior parte dos festivais tem um artista trans no line-up ou nenhum”.

Iná Odara Cholodoski Monteiro Torres é Doutoranda em Sociologia e Mestra em Sociologia pelo IESP – UERJ, realizou pesquisa ao lado de Macaia Ferro, Doutorando em Antropologia Social e mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional – UFRJ. O dossiê lança luz sobre o atual cenário das políticas de acesso e presença de pessoas trans, travestis e não-binárias em eventos culturais no Brasil. A pesquisa foi feita com base na análise dos dados de 15 listas, gerenciadas ou com consultoria realizada por Iná, entrevistas com profissionais da área de entretenimento e com artistas trans.

“O Festival Psica surgiu nesse contexto da periferia da região metropolitana de Belém, da periferia da Amazônia, que é um lugar muito diverso. A diversidade faz parte da nossa vida, então não teria como não nos preocuparmos com a inclusão. E não só liberando o acesso, mas também garantir que não será um ambiente hostil, educando nosso público para que o festival seja um lugar que consiga acolher todas as pessoas da melhor forma possível”, complementa Jeft Dias, diretor do Psica.

O Psica 2025 já está com data marcada, nos dias 12, 13 e 14 de dezembro , na Cidade Velha e no Estádio Olímpico do Pará, o Mangueirão, com uma programação que celebra a potência decolonial dos povos da Pan-Amazônia. A política da lista T&NB segue firme nesta edição.

O Festival Psica 2025 tem patrocínio máster da Petrobras através da Lei de Incentivo à Cultura Rouanet. A realização é da Psica Produções, Ministério da Cultura e Governo Federal União e Reconstrução.

(Texto: Gil Sóter)

“Meu corpo está fraco, não consigo mais”: jornalistas também passam fome em Gaza

“Fome e abandono em meio a genocídio de Israel: “se nada for feito, os últimos jornalistas vão morrer”, diz AFP

Por Leandro Barbosa – Agência Pública

Em meio ao genocídio imposto por Israel à Faixa de Gaza, os últimos jornalistas da Agência France-Presse (AFP) ainda presentes no território alertam: “vamos morrer de fome”. A declaração dramática foi feita pela equipe local da agência, que enfrenta não apenas os perigos da guerra desproporcional, mas também o colapso total das condições de sobrevivência na região. Sem acesso a comida, água potável, assistência médica ou possibilidade de saída segura, os profissionais relatam estar à beira de uma catástrofe humanitária pessoal.

Desde o ataque de um grupo do Hamas em 7 de outubro de 2023, Gaza tornou-se o cenário de um genocídio que já deixou cerca de 60 mil mortos, segundo autoridades de saúde locais. Nesta semana, a ONU denunciou um ‘show de horrores’ e disparada de desnutrição em Gaza. Além disso, mais de 100 ONGs denunciam ‘fome em massa’. Israel disse não ter identificado fome extrema em Gaza e nega acusações. No entanto, admitiu que pouca ajuda chega aos palestinos, e culpou a ONU por isso.

O chefe da Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos, Unrwa, chegou a ressaltar que Gaza é agora “um inferno” para mais de 2 milhões de pessoas e observou que as crianças continuam morrendo de desnutrição e desidratação.

Essa escalada da crise alimentar é confirmada por Médicos Sem Fronteiras (MSF), que relatou em julho níveis sem precedentes de desnutrição aguda em duas clínicas mantidas na região, uma em Cidade de Gaza, no norte, e outra em Al-Mawasi, no sul do país. Mais de 700 mulheres grávidas e lactantes e quase 500 crianças estão em situação de desnutrição moderada ou grave. Em uma das unidades, o número de crianças desnutridas entre 6 e 23 meses triplicou entre maio e julho, atingindo 326 casos, o maior registrado pela organização no território até hoje.

Para Mohammed Abu Mughaisib, coordenador clínico da MSF, a situação é inédita: “É a primeira vez que testemunhamos uma prevalência tão grave de casos de desnutrição em Gaza. A fome poderia acabar amanhã se as autoridades israelenses permitissem a entrada suficiente de alimentos”, disse o coordenador em um texto publicado no site da organização. 

A médica Joanne Perry reforça o alerta: “Mães me pedem comida para seus filhos. Mulheres grávidas de seis meses muitas vezes não pesam mais do que 40 quilos”. Além disso, a organização denuncia o colapso do saneamento e a superlotação de abrigos, com bloqueio de alimentos, medicamentos e combustível, agravando o quadro de colapso total da saúde pública.

Nesse cenário de devastação, os jornalistas locais tornaram-se tanto testemunhas quanto vítimas. Em carta assinada pela Sociedade de Jornalistas da AFP (SDJ), publicada em 21 de julho de 2025, a agência alerta que seus últimos repórteres em Gaza estão prestes a morrer de fome: “Vemos a situação deles piorar. São jovens, estão perdendo peso e muitos já não têm mais forças físicas para trabalhar. Pedir ajuda virou parte da rotina diária”, afirma a nota, enfatizando que “se nada for feito imediatamente, os últimos jornalistas em Gaza vão morrer”.

Um dos casos mais emblemáticos é o de Bashar, fotógrafo freelancer da AFP desde 2010. Vivendo entre os escombros da casa do irmão em Cidade de Gaza, ele publicou nas redes: “Não tenho mais forças para continuar trabalhando para a imprensa. Meu corpo está fraco e não consigo mais.” Ele relatou que seu irmão mais velho havia morrido de fome. A família enfrenta extrema precariedade e casos de infecção intestinal, sem sequer conseguir usar transporte motorizado devido ao alto risco de bombardeio.

Mesmo recebendo salário mensal simbólico da AFP, os jornalistas não conseguem comprar alimentos. O sistema bancário colapsou e taxas de até 40% encarecem qualquer transação. A AFP diz não conseguir abastecer veículos; os deslocamentos só ocorrem a pé ou em carroças de tração animal.

CRIMES DE GUERRA

Para Cilene Victor, jornalista e professora da Universidade Metodista de São Paulo, o bloqueio da ajuda humanitária em Gaza configura uma grave violação das normas internacionais. “Provocar a morte por inanição é uma forma horrenda de crime de guerra. Israel conseguiu atualizar todas as formas de violação de direitos humanos, e isso inclui jornalistas sendo colocados sob risco real de morrer de fome”, afirma Cilene, que também é líder do grupo de pesquisa Jornalismo Humanitário e Media Interventions, da universidade. 

A pesquisadora denuncia o apagamento da importância dos jornalistas locais. “Parece que esses jornalistas valem menos para a sociedade internacional, como se fossem só mais um palestino entre os outros deixados para trás. Mas são eles que conhecem cada curva daquele território, são eles que garantem que a informação continue saindo mesmo quando o mundo se cala”, pontua.

O testemunho da jornalista Ahlam reforça o cenário de abandono: “Toda vez que saio para uma entrevista, não sei se voltarei viva.” Para ela, “o maior problema é a falta de comida e água.”

A FDJ destaca: “Desde que a AFP foi fundada, em agosto de 1944, alguns de nossos jornalistas foram mortos em conflitos, feridos ou feitos reféns. Mas nunca houve registro de que tivéssemos de assistir colegas morrerem de fome.”

Cilene conclui que “é urgente que Israel permita a entrada da imprensa internacional. Gaza virou um lugar onde o jornalismo praticamente desapareceu.”

Em 2024, mais de 60 veículos internacionais assinaram uma carta conjunta pedindo a proteção dos jornalistas que ainda atuam na região. O documento cobra a criação de corredores humanitários seguros e acesso à ajuda internacional para trabalhadores da imprensa, que seguem expostos a bombardeios, fome e doenças. Porém, a realidade piorou. “Gaza inteira hoje é uma cena de tamanha afronta moral e humanitária. É o inaceitável se tornando cotidiano”, resume Cilene Victor.

Crédito da foto: Jaber Jehad Badwan/Wikimedia Commons

Sobre o legado do Príncipe das Trevas

Um papo afetuoso do crítico André Barcinski com jornalistas e fãs sobre a vida, a obra e o legado de Ozzy Osbourne. Participações especialíssimas dos jornalistas Sergio Martins e Bernardo Araújo e do técnico de palco/produtor Silvio “Bibika” Gomes. Vale a pena ouvir.

Abaixo, o comentário emocionado de Régis Tadeu sobre Ozzy. Também vale alguns minutos de atenção.

Há espaço também para algumas palavras de Gastão Moreira, um grande fã de Ozzy.

Pra arrematar, Casão fala sobre a importância de Ozzy para a formação roqueira de toda uma geração.

Rock na madrugada – Ozzy Osbourne, “Mr. Crowley”

POR GERSON NOGUEIRA

Ozzy Osbourne virou um ícone do rock pesado, persona muitas vezes superior à própria música que produziu ao longo de cinco décadas. Amado por milhões de fãs espalhados pelo mundo, sobreviveu à mitologia em torno do Black Sabbath, banda que ajudou a fundar, embarcando a partir de 1980 numa carreira solo bem-sucedida. “Mr. Crowley” é um de seus maiores hits, já da fase pós-Sabbath.

A parceria com Tony Iommi gerou uma série de discos que demarcaram os limites do metal nos anos 1970. “Mr. Crowley” é uma canção de Ozzy sobre o polêmico ocultista inglês Aleister. Obcecado por ele, Ozzy evoca na música a figura provocativa do mago. A composição foi lançada em 1980, no primeiro álbum de Ozzy após ser expulso do Sabbath um ano antes. Excessos no consumo de álcool e drogas levaram ao rompimento.

Depois de se livrar de Ozzy, o Black Sabbath lançou um de seus melhores álbuns — Heaven and Hell — com o novo vocalista Ronnie James Dio, enquanto Osbourne lançou o excelente Blizzard of Ozz (que continha “Mr. Crowley“) em resposta, estreando numa prolífica carreira solo.

A letra acentua dúvidas sobre Crowley e questiona suas crenças: “O que se passava na sua cabeça?” e “Você conversava com os mortos?”. Opta por um tom desconfiado e inquisitorial ante o legado místico do misterioso personagem, conhecido pelo uso de drogas e substâncias alucinógenas, mais ou menos como os caminhos tortuosos do próprio Ozzy.

Os arranjos de Don Airey e o marcante solo de guitarra de Randy Rhoads dão à canção uma atmosfera sombria e marcial, contribuindo para o clima de mistério e autodestruição que a música carrega. Era um dos números mais solicitados nos shows do Príncipe das Trevas, que morreu nesta terça-feira (22), aos 76 anos.

Em 2009, Ozzy moveu processo contra Iommi por direitos da marca Black Sabbath. Um ano depois, os velhos parceiros chegaram a um acordo e o assunto foi esquecido. A paz foi restabelecida e ambos voltaram inclusive a tocar juntos em shows de reunião do Sabbath.

Ao saber da morte do amigo, Iommi lamentou em nota pública: “É uma notícia tão dolorosa que não consigo encontrar palavras, nunca haverá outro como ele. Geezer, Bill e eu perdemos nosso irmão. Meus pensamentos estão com Sharon e toda a família Osbourne. Descanse em paz, Oz”, escreveu Tony.