Reportagem da série “Bio Valor: os caminhos da socioboeconomia no Pará”. Conheça detalhes da cadeia produtiva do açaí na região

Símbolo ancestral da Amazônia, o açaí é uma potência cultural, econômica e social no Pará. O fruto deixou de ser apenas um alimento tradicional para se consolidar como protagonista econômico, social e ambiental. Presente na mesa de milhares de paraenses, todos os dias, o açaí também é fonte de renda para comunidades ribeirinhas e motor do desenvolvimento regional.
A palavra açaí é originária do tupi ïwasa’i, que significa “fruto que chora”. O nome faz referência ao líquido roxo, rico em antocianina, que a fruta libera durante o preparo de sua polpa. Crescendo majoritariamente em áreas de várzea, onde os solos são alagados e ricos em nutrientes, o açaizeiro pode atingir até 30 metros de altura e desempenha papel essencial no ecossistema amazônico.
O Estado do Pará lidera, com folga, a produção do fruto no Brasil. Em 2024, foi responsável por mais de 90% do total nacional, o equivalente a 1,9 milhão de toneladas. De acordo com um estudo da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), ao longo de 36 anos, entre 1987 e 2022, a produção paraense saltou de 145,8 mil toneladas para 1,9 milhão — um aumento de mais de 1.200%.
Dados do Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa) registraram um crescimento expressivo das exportações do açaí paraense em 2024. De janeiro a dezembro, o valor exportado alcançou US$ 95,2 milhões, um aumento de 66,81% em relação ao mesmo período de 2023. O volume também cresceu, saltando de 15,3 mil para 25,4 mil toneladas. Os Estados Unidos foram o principal destino, com mais de US$ 50 milhões em compras, depois vieram Austrália, Japão e Holanda. Entre os produtos mais exportados estão sucos de frutas sem adição de açúcar, frutas processadas e sorvetes — com destaque para o purê de açaí, cujas exportações somaram US$ 335,9 mil.
Além de maior produtor, o Pará também se mantém como o principal estado exportador do setor, concentrando quase 60% da participação nacional. O bom desempenho se manteve em 2025. Só no primeiro trimestre, as exportações cresceram 23,46%, totalizando 31,4 milhões de dólares e 8,4 mil toneladas em volume embarcado. O estado manteve a liderança nacional.
O relatório do CIN aponta que os resultados não são apenas um indicador econômico, mas um reflexo das declarações de um novo modelo de desenvolvimento para a região, o fortalecimento de um setor que passou por um processo de industrialização, com maior valor agregado aos produtos e declarações da cultura exportadora no estado. A diversidade dos destinos que importam o produto também é destaque na análise, sinal de que o mundo está descobrindo, ou redescobrindo o valor do açaí paraense, não apenas como superalimento, mas como símbolo de sustentabilidade, biodiversidade e inovação. Exemplo concreto de como é possível gerar desenvolvimento econômico com base na floresta em pé.
A maior produção está em Igarapé-Miri, cidade do nordeste paraense que fica a mais de 140 quilômetros de Belém. Segundo a Prefeitura Municipal de Igarapé-Miri, o município, sozinho, respondeu por 21,7% da produção do fruto no ano passado — cerca de 422,7 mil toneladas — e movimentou mais de R$ 1,57 bilhões, reafirmando seu título de “Capital Mundial do Açaí”. Outros municípios paraenses também se destacam na produção: Cametá (8%) e Abaetetuba (5,8%) figuram entre os principais polos produtores.
Manejo sustentável, inclusão social e expansão internacional
Entre os empreendimentos de destaque está a Frutalí, fundada por Denise Acosta, empresária e diretora da marca. Denise cresceu envolvida com o “açaí grosso”, tradicionalmente preparada em sua família. Formou-se em Agronomia, e em 1999, ao lado do pai criou a empresa. O objetivo: industrializar e distribuir o produto para outras regiões do país.
No processo produtivo da Frutalí, a matéria prima vem de maciços naturais na Ilha do Marajó, onde uma empresa realiza extrativismo gerenciado com base em um programa sustentável planejado pela Embrapa. A colheita é manual, respeitando o difícil acesso à área de várzea e preservando a floresta. Denise explica que a empresa trabalha diretamente com comunidades locais, garantindo que uma colheita do açaí seja feita de maneira sustentável e justa. “A Frutalí implementa ações externas ao desenvolvimento dessas comunidades, como programas de capacitação e apoio à educação, que visam melhorar a qualidade de vida dos ribeirinhos. Isso inclui a promoção de práticas agrícolas sustentáveis e a valorização do conhecimento tradicional, contribuindo para a preservação da cultura local”.
A Frutalí é uma das empresas que atende o mercado internacional, exportando para países como os Estados Unidos. “A empresa adota práticas que minimizam os impactos ambientais, como a colheita cuidadosa do açaí para garantir a regeneração das palmeiras e o uso de técnicas que preservam a biodiversidade da floresta. Além disso, buscamos certificações que atestem a responsabilidade ambiental e social, garantindo que todo o processo, desde a colheita até a distribuição, seja aplicado com os princípios de desenvolvimento sustentável. Também incentivamos a reutilização de materiais e a redução de desperdícios em suas importações”, explica Denise Acosta.
Açaí se destaca pela rastreabilidade e sustentabilidade
Denise também é presidente do Sindicato das Indústrias de Frutas do Estado do Pará (Sindfrutas), e avalia o mercado produtivo do açaí como um setor em forte expansão, com destaque tanto no Brasil quanto no exterior. Embora o setor paraense já alcance padrões reconhecidos de qualidade e rastreabilidade, o presidente destaca que o grande desafio é fortalecer a união entre produtores, indústria, governo e organizações. “Essa colaboração é essencial para consolidar práticas sustentáveis e fortalecer a qualidade do nosso produto no mercado global. Juntos podemos criar um padrão que destaque o açaí do Pará como exemplo de excelência”, afirma.
Além disso, a crescente demanda global por produtos naturais e saudáveis coloca o açaí em uma posição privilegiada no mercado internacional e a COP 30 pode ser uma oportunidade para ampliar a visibilidade internacional das frutas da Amazônia e fortalecer o compromisso com a sustentabilidade na produção. “A negociação para a COP 30 é uma chance de fortalecer o mercado de açaí, pois permitirá que mostremos ao mundo a qualidade e a pureza do nosso produto. A colaboração entre produtores, órgãos governamentais e organizações não governamentais será essencial para promover práticas sustentáveis, melhorar a rastreabilidade e garantir que nossos produtos atendam aos padrões internacionais”, afirma o presidente.
Para o presidente da Fiepa e da Jornada COP+, Alex Carvalho, obtenha dados que levem à capacidade de entender melhor as cadeias produtivas no estado do Pará, e exercer um papel institucional a partir deste entendimento, tem sido um dos focos do Observatório da Indústria. “Somos grandes produtores de açaí, também de cacau, grandes produtores da criação bovina, na pecuária, mas ainda não estamos no mesmo patamar quando se olha, quando se traz o olhar para a capacidade produtiva da indústria. Então, isso nos leva a entender a cadeia do açaí como mais um caso de transformação. Transformação de um estado que não se contenta, não se contentará mais em ser meramente exportador de commodities ou exclusivamente de produtos seja matéria-prima ou semi-acabados”.
Carvalho destaca que essa transformação, resultado da união entre Fiepa e Sindfrutas, contribuirá com a balança comercial do nosso país, e também trará benefícios locais com um posicionamento na geração de empregos com uma escalabilidade que vai desde os empregos diretos até multiplicação exponencial de empregos indiretos. “Isso gera receita, gera riqueza, gera tributos e divisas para o nosso estado. Então, é um ciclo virtuoso que estamos diante e o açaí tende a ser um grande caso de sucesso nessa transformação. Para tanto, é necessário que as políticas públicas estejam aderentes a essa capacidade. fomentar também a industrialização, seja dando melhor acesso à compra de equipamentos, à incorporação de novas tecnologias, à automação, à transformação digital e à regularização de áreas”, explica o presidente.
Porta de entrada para divulgação da biodiversidade amazônica
Esse crescimento econômico está diretamente ligado a iniciativas de impacto ambiental e social positivo. É o caso da Horta da Terra, fundado por Bruno Kato. Engenheiro eletricista formado pela UFPA, decidiu investir em um projeto voltado para a floresta. “Costumo dizer que recebi um chamado de volta. A onça rugiu e eu voltei pra casa”, relembra.
A Horta da Terra foi oficialmente criada em 2016 com base em um sistema de agricultura que adota práticas regenerativas avançadas, trabalhando exclusivamente com espécies amazônicas. Nesse modelo, o açaí ocupa posição estratégica. Embora já consolidado no mercado global, o fruto é utilizado como porta de entrada para divulgar outros ingredientes da região ainda pouco conhecidos. “Mostramos que a Amazônia é muito mais do que só açaí. Temos uma diversidade de plantas incríveis com propriedades funcionais e nutricionais únicas”, afirma Kato.
Com um portfólio sustentável e inovador, a Horta da Terra transforma ingredientes tradicionais da floresta em soluções modernas, utilizando a reputação do açaí para abrir caminhos para a valorização da biodiversidade amazônica. Para tornar a logística mais eficiente e reduzir as emissões de carbono, a empresa investe na desidratação dos insumos ainda na origem. “Transformar os ingredientes em pó torna o transporte mais leve, diminui o impacto ambiental e agrega valor ao produto no local de origem”, explica o empresário. Segundo Kato, o consumo consciente está crescendo rapidamente, principalmente entre os jovens, que querem saber a procedência dos produtos e seu impacto.
O crescimento do mercado também se reflete na expansão dos empreendimentos voltados ao beneficiamento do açaí. Os três últimos Censos Agropecuários mostram que o número de estabelecimentos que utilizam o fruto como matéria-prima passou de 13 mil em 1996 para mais de 81 mil em 2017, um aumento de 533%.
*(A série “Bio Valor” é uma iniciativa da Jornada COP+, liderada pela FIEPA, que traz reportagens mensais sobre histórias e informações dos principais produtos da sociobioeconomia da Amazônia Brasileira. A série está alinhada ao programa de sociobioeconomia da Jornada, que está criando uma plataforma digital que vai medir o valor desta economia no Pará. A plataforma servirá como um mapa das cadeias de produtores, associações, cooperativas e indústrias que compõem o ecossistema da sociobioeconomia do estado.
A Jornada COP+ tem o apoio da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), da Ação Pró-Amazônia, Sesi, Senai, IEL, Instituto Amazônia+21, Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). O projeto tem como co-realizadora a Hydro, patrocinadora master a Vale e patrocinadora premium a Guamá.



