Aliados europeus diminuem apoio a Israel e exigem fim da ofensiva em Gaza

Tanques de artilharia posicionados com diversos soldados e bandeira de Israel
Ataques de Israel à Faixa de Gaza mataram milhares de pessoas, desde o fim do cessar-fogo

Por Jeremy Bowen – BBC News

Quando Israel foi à guerra depois dos ataques do Hamas, em 7 de outubro de 2023, a maior parte do seu arsenal foi paga, fornecida e reabastecida pelos Estados Unidos. Seus outros aliados ofereceram a Israel outro tipo de apoio, mas com a mesma potência: um profundo crédito de boa vontade e solidariedade, baseado na sua repulsa à morte de 1,2 mil pessoas – em sua maioria, civis israelenses – e em apoio às 251 pessoas levadas em cativeiro para a Faixa de Gaza, como reféns.

Agora, parece que o crédito de Israel se desvaneceu – pelo menos em relação à França, Reino Unido e Canadá, que publicaram sua mais forte condenação até agora, sobre a forma em que Israel está conduzindo a guerra em Gaza.

Os três países afirmam que Israel deve suspender sua nova ofensiva sobre a Faixa de Gaza. Segundo o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, esta ofensiva irá destruir o Hamas, resgatar os reféns restantes e colocar toda a Faixa de Gaza sob controle militar direto de Israel.

Mas a declaração conjunta rejeita os argumentos de Netanyahu e exige um cessar-fogo. Os três governos afirmam em conjunto que “se opõem veementemente à expansão das operações militares de Israel em Gaza” e acrescentam que “o nível de sofrimento humano em Gaza é intolerável”.

Os países exigem a libertação dos reféns remanescentes e relembram que, após o “ataque hediondo” de 7 de outubro, eles acreditavam que o Estado de Israel “tinha o direito de defender os israelenses contra o terrorismo. Mas esta escalada é totalmente desproporcional.”

A decisão de Netanyahu, de permitir a entrada do que ele chama de “mínimo” de alimentos na Faixa de Gaza, segundo os três países, é “absolutamente inadequada”.

O primeiro-ministro israelense reagiu à declaração. Netanyahu afirmou que os “líderes em Londres, Ottawa e Paris estão oferecendo um enorme prêmio para o ataque genocida contra Israel em 7 de outubro, convidando para que haja mais atrocidades”.

Ele defende que a guerra poderia terminar se o Hamas devolvesse os reféns, depusesse suas armas e concordasse com o exílio dos seus líderes e com a desmilitarização da Faixa de Gaza.

“Não se pode esperar que nenhuma nação aceite menos que isso e, certamente, Israel não irá aceitar”, declarou o primeiro-ministro.

Netanyahu é objeto de um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional, por supostos crimes de guerra e contra a humanidade. Ele rejeita a decisão, que considera “antissemita”.

O primeiro-ministro de Israel vem sofrendo fortes pressões internacionais para pôr fim ao bloqueio de Gaza, depois que uma respeitada pesquisa internacional alertou sobre a fome iminente no território.

Na recente cúpula de Londres entre a União Europeia e o Reino Unido, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, definiu a crise humanitária em Gaza como “uma tragédia, onde o direito internacional está sendo violado sistematicamente e toda uma população é submetida a uma força militar desproporcional”. “É preciso haver acesso livre, rápido e seguro à ajuda humanitária”, declarou Costa.

Crianças sentadas, algumas com bacias e panelas, aguardam ansiosas para receber comida
Apenas cinco caminhões de ajuda humanitária entraram em Gaza na segunda (19/5)

Os parceiros da coalizão ultranacionalista de Netanyahu condenaram sua relutante decisão de permitir a entrada de quantidades limitadas de suprimentos. O ministro da Segurança de Israel, Itamar Ben Gvir, afirmou que a decisão de Netanyahu “alimentaria o Hamas e ofereceria oxigênio enquanto nossos reféns definham nos túneis”.

Ben Gvir foi condenado em 2007 por incitação ao racismo e por apoiar um grupo judeu extremista, classificado por Israel como organização terrorista.

Apenas cinco caminhões entraram na Faixa de Gaza na segunda-feira (19/5), enquanto as tropas israelenses avançavam e ataques aéreos e de artilharia matavam mais civis palestinos, incluindo muitas crianças pequenas.

Os opositores da destruição da Faixa de Gaza por Israel, matando dezenas de milhares de civis palestinos, afirmam que os governos da França, do Reino Unido e do Canadá se manifestaram tarde demais.

Muitos deles promoveram meses de demonstrações em protesto contra a morte e a destruição em Gaza – e contra o aumento das mortes de civis palestinos e dos confiscos de terras na Cisjordânia, o outro lado dos territórios palestinos, durante as operações militares e incursões de colonos judeus armados.

Mas, às vezes, na política da guerra, um único incidente gera poder simbólico, que se clarifica e se cristaliza de forma tão profunda que pode levar os governos à ação.

Desta vez, o evento catalisador foi a morte de 15 paramédicos e socorristas na Faixa de Gaza, por forças israelenses, no dia 23 de março. O ataque ocorreu depois que Israel interrompeu um cessar-fogo que havia sido mantido por dois meses, lançando uma série de ataques aéreos em massa, no dia 18 de março.

Cinco dias depois da retomada da guerra, uma unidade israelense atacou o comboio médico, cobrindo com areia os homens mortos e seus veículos atingidos pelas balas. O relato israelense sobre o incidente se mostrou inverídico, quando um telefone celular foi recuperado de um dos corpos da sepultura em massa. Seu dono havia filmado o incidente antes de ser morto.

Longe de comprovar a alegação de Israel de que os trabalhadores de emergência eram uma ameaça potencial aos soldados de combate israelenses, o vídeo recuperado mostrou que veículos de emergência e ambulâncias bem iluminadas e claramente marcadas foram atacados sistematicamente, até que quase todas as pessoas dentro dos veículos estivessem mortas.

Presidente da França, Emmanuel Macron, ao lado do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em declaração pública, com bandeiras dos dois países ao fundo
O presidente francês Emanuel Macron liderou as críticas sobre a nova ofensiva de Israel

Desde então, os sinais de alarme vêm aumentando rapidamente – e não apenas entre os habituais opositores de Israel. Seus aliados europeus, sob a liderança do presidente francês, Emmanuel Macron, vêm endurecendo sua linguagem. E a declaração exigindo o fim da ofensiva israelense é sua crítica mais forte a Israel, até agora.

Uma importante fonte diplomática europeia envolvida nestas discussões contou que esta linguagem dura reflete “a sensação real de aumento da revolta política sobre a situação humanitária, de que uma linha foi cruzada e que este governo israelense parece agir com impunidade”.

De forma mais ameaçadora para Israel, a declaração afirma que “não ficaremos passivos enquanto o governo Netanyahu der continuidade a estas graves ações”. “Se Israel não interromper a nova ofensiva militar e levantar suas restrições à ajuda humanitária, tomaremos outras ações concretas em resposta.”

Os governos não especificam quais seriam estas ações. Uma possibilidade poderia ser a imposição de sanções. Mas a decisão mais significativa seria reconhecer a Palestina como Estado independente.

Os franceses vêm analisando a possibilidade de se unir a outros 148 Estados que já reconheceram a independência palestina, em uma conferência a ser presidida no início de junho, pela França e pela Arábia Saudita, em Nova York, nos Estados Unidos.

O Reino Unido também vem discutindo o reconhecimento da Palestina com os franceses. Em forte reação, Israel respondeu que eles estariam dando a vitória ao Hamas. Mas o tom da declaração apresentada pela França, Canadá e Reino Unido indica que Israel está perdendo sua capacidade de pressão.

Plano de Bolsonaro era prender Moraes e impedir posse de Lula, acusa ex-ministro da Aeronáutica

Por Mariana Schreiber, da BBC Brasil

O ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior disse nesta quarta-feira (21/05) que o ex-presidente Jair Bolsonaro levou ao comando das Forças Armadas a ideia de instaurar um Estado de Defesa no país, no final de 2022, para impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

A declaração foi dada em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), dentro do processo criminal contra Bolsonaro e outros sete réus, inclusive generais do Exército, como o ex-ministro da Casa Civil, general Braga Netto, acusados de planejar e tentar realizar um golpe de Estado.

O tenente-brigadeiro do Ar também relatou que foi discutida a possibilidade de prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Segundo o ex-comandante da Aeronáutica, a tentativa de ruptura democrática não se concretizou por uma razão: “a não participação unânime das Forças Armadas”. Baptista Júnior disse que se colocou de forma veemente contra a proposta, que também teve a oposição do então comandante do Exército, General Freire Gomes.

Em seu depoimento, ele disse que o único que se colocou à disposição do plano era o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, que também é réu no processo. Baptista Júnior relatou reuniões que envolveram o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e os três comandantes das Forças Armadas. Bolsonaro também participou de algumas delas.

Segundo ele, em um encontro em 14 de dezembro, apenas com a participação dos militares, o ministro da Defesa apresentou um documento para uma medida de exceção no país, com a instauração de Estado de Defesa ou Estado de Sítio.

O ex-comandante da Aeronáutica disse, então, que perguntou se o documento previa que Lula não tomaria posse. Diante do silêncio do ministro da Defesa, ele disse ter entendido que sim e se retirou do encontro.

“Eu perguntei: ‘esse documento prevê a não assunção no dia 1º de janeiro do presidente eleito?’ Quando eu perguntei isso, ele ficou calado. E logicamente que nós temos afinidades, conhecimentos há muito tempo, eu entendi que estava previsto isto”, relatou.

“Eu falei: ‘não admito sequer receber este documento, não ficarei aqui’. Levantei, saí da sala e fui embora”, disse também. “O Garnier não falou nada e o Freire Gomes também condenou a possibilidade de nós avaliarmos aquele documento. Eu saí da sala. Não sei o que aconteceu depois”, continuou.

Baptista Júnior disse ainda que, após sua recusa em participar do plano de ruptura democrática, sofreu muitas pressões, inclusive contra sua família. Ele apontou como autores da pressão Braga Netto e o empresário Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, neto do ex-presidente ditador João Figueiredo (1979-1985).

O ex-comandante da Aeronáutica contou que, inicialmente, estava se discutindo a possibilidade de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), diante da perspectiva de um cenário de convulsão social no país após a eleição de 2022.

Citou como exemplo de preocupação mobilizações de caminhoneiros e os acampamentos em frente a quartéis militares. Baptista Júrnior disse, porém, que passou a ficar desconfortável quando as conversas passaram a abordar medidas de exceção que não teriam fundamento.

“A GLO que nós militares estávamos trabalhando era a GLO para o caso de uma convulsão social no Brasil. Nós não estávamos trabalhando com uma GLO para qualquer outro objetivo que não esse”, afirmou. “Tanto que, no meu depoimento [à Polícia Federal], eu disse isso, eu falei para o presidente Bolsonaro: ‘aconteça o que acontecer, no dia 1º de janeiro você não será presidente”, continuou.

“NÃO VAMOS APOIAR QUALQUER RUPTURA”

Questionado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, se foi cogitada a prisão de autoridades, o ex-comandante da Aeronáutica confirmou que havia a intenção de prender Alexandre de Moraes.

“E eu lembro bem que nisso daí teve a seguinte discussão: vai prender o presidente Alexandre Moraes, o presidente do TSE? Vai. Amanhã o STF vai dar um habeas corpus para soltar ele. Vamos prender os outros 11? Mas aí era um brainstorm buscando uma solução que já estava no campo do desconforto. Pelo menos para mim estava”, afirmou.

Baptista Júnior disse também ter estranhado quando o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional, lhe disse que tinha sido convocado para uma reunião de emergência com Bolsonaro no dia 17 de dezembro, um sábado.

Os dois estavam juntos na cerimônia de formatura de novos oficiais da Aeronáutica e Heleno lhe pediu uma carona no voo de volta para Brasília. Segundo Baptista Júnior, Heleno não disse o teor da reunião, mas ele entendeu que seria para discutir uma ruptura democrática.

Por isso, o chamou para uma conversa reservada e relatou ter dito o seguinte: “Por unanimidade do alto comando da Aeronáutica, não vamos apoiar qualquer ruptura nesse país. Se alguém for bancar isso, saiba quais são as consequências”, relatou. Ele não detalhou a reação de Heleno a sua fala. Disse que ambos voltaram no mesmo voo para Brasília sem tocar mais no assunto.

COMANDANTE AMEAÇOU PRENDER BOLSONARO

Baptista Júnior também confirmou que, em uma reunião dos comandantes das Forças Armadas com Bolsonaro, Freire Gomes chegou a dizer que teria que prender o presidente, caso levasse adiante alguma tentativa de ruptura democrática. E reforçou que não teria como esquecer uma fala desse teor. “O comandante do Exército, ele é uma pessoa muito polida, muito calma e muito tranquila, mas ele é muito firme quando precisa”, afirmou.

“Não é uma coisa simples você esquecer o que o comandante do Exército disse. A minha palavra eu mantenho, do depoimento [à Polícia Federal] que ele, com toda a educação, disse ao presidente, por hipótese, que, se ele atentasse, ele teria que prender, e eu mantenho isso”, reforçou.

O ex-comandante da Aeronáutica afirmou ainda que jamais foi usada a expressão golpe de Estado nas conversas, mas que se discutiam medidas de exceção previstas na Constituição, porém sem que estivessem presentes os fundamentos necessários para que fossem adotadas.

“Colocando na conjuntura, em momento algum o presidente Jair Bolsonaro colocou desta forma, que estava objetivando um golpe de Estado. Mas, durante as discussões, nós começamos a imaginar que os objetivos políticos de uma medida de exceção não eram para garantir a paz social até o dia 1º de janeiro”, explicou.

“E foi dentro deste contexto que o general Freire Gomes colocou [a possibilidade de prisão do Bolsonaro]. Ou seja, não foi em resposta a uma colocação que o presidente daria um golpe. Mas foi no âmbito desta discussão de possíveis estados de exceção, sem os pressupostos necessários para que eles sejam feitos”.