A Procuradoria-Geral da República denunciou Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem, Anderson Torres, Braga Neto, Almir Garnier, Augusto Heleno e outros que “integraram, de maneira livre, consciente e voluntária, uma organização criminosa constituída desde o dia 29 de junho de 2021 e operando até o dia 8 de janeiro de 2023, com o emprego de armas” e que “essa organização utilizou violência e grave ameaça com o objetivo de impedir o regular funcionamento dos Poderes da República e depor um governo legitimamente eleito”.
Eles são acusados de atuarem como uma organização criminosa armada que tinha como objetivo a permanência autoritária no poder. A denúncia da PGR afirma que Bolsonaro praticou os crimes de: golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. As penas somadas chegam a um total de 43 anos de prisão.
A PGR encontrou um vídeo nos celulares dos integrantes da cúpula da PM do DF com o roteiro completo do golpe. Esse roteiro já existia meses antes da invasão do 8 de janeiro. Invasão que fazia parte do plano golpista.
A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) aponta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também foi monitorado no plano “Punhal Verde e Amarelo”, que tinha como objetivo os assassinatos de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin, e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
“A organização criminosa não se limitou ao monitoramento do Ministro Alexandre de Moraes. Como indicado no plano “Punhal Verde Amarelo”, Luiz Inácio Lula da Silva também seria alvo das ações de neutralização e, por isso, precisava ser monitorado”, diz o documento de 272 páginas assinada por Paulo Gonet.
Segundo a denúncia, o histórico de conexões do militar Hélio Ferreira Lima indicou a sua presença nas regiões de antenas próximas ao Hotel Meliá, em Brasília, local de hospedagem de Lula após ser eleito, entre 25 e 26 de novembro de 2022.
A PGR aponta que essa foi a mesma época em que foram iniciadas as ações de reconhecimento dos locais sensíveis ao ministro Alexandre de Moraes, que, à época, era presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em outra frente, a agenda do presidente Lula e sua equipe de segurança também eram monitoradas, segundo a denúncia. (Com informações da CNN)
O herói foi criado para bater em ditadores. Mas não desta vez
Por André Forastieri
Como filme de super-herói, “Admirável Mundo Novo” é mediano. Como filme do Capitão América, medíocre. É um gênero muito específico, com regras e expectativas claras e padrões antigos e estabelecidos: histórias do Capitão América. As que importam são sobre a América, a real e a do “American Dream”. E sobre enfrentar ditadores ou aspirantes a, sob qualquer fantasia que usem.
O personagem foi criado por Hymie Simon, 27 anos, e Jacob Kurtzberg, 23, para enfrentar o fascismo no primeiro número de “Captain America”, em dezembro de 1940. Foi um ano antes dos EUA entrarem na guerra. Era propaganda, além de ganha-pão.
Não é muito, mas é o que dois jovens judeus durangos novaiorquinos podiam fazer: bater em Hitler e faturar uns trocos. Em pouco tempo, os dois – nos créditos das HQs, Joe Simon e Jack Kirby – estariam servindo contra o Eixo.
Os roteiristas de “Admirável Mundo Novo” traíram sua origem. Criaram um Capitão Isentão. Lá pelas tantas o herói diz para o vilão do filme algo como “eu sei que você fez algumas coisas terríveis, mas acredito que está querendo mudar.” É a tônica de seu comportamento no filme todo: aliviar, agradar todos os lados, balancear o que exige postura, não equilíbrio.
Não há negociação possível com monstros. No caso do vilão em questão, a ficha corrida não permite perdão. Mesmo que “bullies” não estejam condenados a serem para sempre brutos, bandidos devem pagar por seus crimes. Criminosos no poder, com rigor dobrado.
A atitude de Sam Wilson, o novo Capitão América, lembra o Partido Democrata e a grande imprensa americana. Se desculpa muito e se posiciona pouco.
Deram mole para Trump, aí está. Seguem fazendo de conta que tudo que ocorreu e ocorre nos EUA está dentro da normalidade, “as instituições estão funcionando”.
Os vilões da vida real, inspiração para os dos gibis, não nos deixarão em paz tão cedo. Boa oportunidade para lembrar que é hora de processar, julgar e condenar Jair Bolsonaro, para que não aconteça aqui o que está acontecendo nos EUA.
Este Capitão não enfrenta a Amerikkka 2025. É obrigação do personagem. Sendo Sam Wilson negro, dever em dobro. Pena que a Marvel fugiu dessa raia. Em 2014, ela fez melhor.
O verdadeiro Capitão América sobreviverá a este filme e à América de 2025. Ele já enfrentava ditadores em 1940 e presidentes americanos com ganas ditatoriais cinquenta anos atrás, como conto logo no artigo abaixo. É sobre o escritor que inspirou meu filme favorito da Marvel, de dez anos atrás.
OS DOIS STEVES
(Publicado em 11 de abril de 2014)
Vigilância global. Espionagem digital. Uso militar de drones. Assassinatos políticos em território estrangeiro. Esses são os temas da maior bilheteria do planeta esta semana. É o novo filme do Capitão América. Quarenta anos atrás, o personagem estava morto. Ressuscita em boa forma. Na hora certa.
A Marvel sempre foi sobre rejeição e rebelião. Seus primeiros personagens foram Namor e o Tocha Humana, monstros incompreendidos, perseguidos pela sociedade, como depois os X-Men.
Thor se rebelava contra a insensibilidade do pai, Odin. O Demolidor era um ófão cego. O Hulk é pura explosão do id contra qualquer princípio de civilização. E Peter Parker, é o eterno perdedor, o Charlie Brown da Marvel (e me ensinou a desconfiar da imprensa, na figura de J. Jonah Jameson).
O único que não tinha problemas era o Capitão América. Era o Super Homem da Marvel, e como esse, perfeito demais para ser interessante. A virada dos 60 para os 70, com todas as mudanças sociais nos Estados Unidos e no mundo, decretou a obsolescência do herói.
Como o gibi dele não estava vendendo nada, os editores da Marvel resolveram apelar. Botaram os roteiros na mão de um garoto, com mandato de arriscar. Receberam mais que a encomenda.
Era Steve Englehart, 25 anos. Se safou de servir no Vietnã alegando ” objeção de consciência”, mesmo argumento usado por religiosos. Steve era contra a guerra, o governo, a hipocrisia. Fumava maconha todo dia, tomava ácido aos fins de semana. Queria ser escritor. Escrevia gibis. Está por aí e você pode assistir uma entrevistona recente dele aqui e ler outra aqui.
Botou o personagem na América de 1972. Enfrentando conflitos raciais, pobreza, drogas, radicais armados, manipulação política. Em seis meses, este segundo Capitão América, um personagem totalmente renovado, estrelava a revista mais vendida da Marvel. Era tópica, jornalística – por baixo da ação hardcore e fantasias coloridas, claro.
De lá para cá, o personagem variou entre esses dois polos. Na maior parte do tempo foi o bonzinho anódino. De vez em quando mostra a verdadeira face, nas mãos de gente como os escritores Mark Waid e Ed Brubaker, outras grandes inspirações de O Soldado Invernal. Que é a primeira aparição cinematográfica que faz justiça ao herói.
O primeiro filme, boa matinê, foi um exercício de nostalgia; sua participação nos Vingadores foi quase de coadjuvante.
O arco de histórias de Englehart mais celebrado inspira o filme de 2014. Foi a saga do Império Secreto. Li em edição da Bloch, formatinho, uns anos depois. Trata do plano maquiavélico de um grupo infiltrado no governo americano para tomar o poder.
Steve Rogers e seu parceiro, o super-herói negro Falcão, investigam e descobrem que o grande líder da conspiração é… o próprio presidente dos Estados Unidos, que, desmascarado, se mata na frente do Capitão América.
Watergate estava nas manchetes dos jornais. O “Império Secreto” era o establishment político-industrial-militar, e seu líder era uma evidentemente o presidente Richard Nixon. Era outra época. Mas o tema reverbera hoje, e lota salas de cinema do planeta afora.
Quatro décadas depois, os EUA são de fato um império. Com mais poder que qualquer outro na história. Sem rival, e nem terá. Porque invadiu e ocupa nossos corações, mentes e retinas.
O supercapitalismo financeiro made in USA controla os mercados globais e os organismos internacionais. Nos vigiam, com a colaboração das empresas que mais amamos. E eliminam a oposição via inanição – ou à bala mesmo, na calada da noite. Lembra de Obama assistindo a morte de Osama?
O novo filme é radical, entre os combates acrobáticos e explosões 3D. Os diretores, os irmãos Russo, assumem a influência de thrillers políticos dos anos 70.
A presença de Robert Redford é um achado. Redford emprestou seu charme e boa pinta a personagens liberais, anti-establishment, em clássicos do gênero e período, como Três Dias do Condor e Todos os Homens do Presidente.
Que ele interprete agora o vilão é um comentário ácido sobre 2014. Os liberais de ontem são os brucutus de hoje. Não é governo democrata dos EUA que nos espiona, e opera para defender os interesses americanos a qualquer custo?
Englehart finalizou a saga do Império Secreto com um Steve Rogers enojado abandonando a identidade de Capitão América. Saiu pela América, easy rider, à procura de uma razão para viver, e não só para lutar.
Com o tempo, compreendeu que não devia obediência cega ao comandante-em-chefe, ao establishment. Passou a simbolizar não a América, mas o sonho americano – um inalcançável mas inspirador ideal de “liberdade e justiça para todos”.
Quem dera a América, o país, seguisse os exemplos dos dois Steves, Rogers e Englehart. Quem dera liberdade e justiça para todos fosse para todos mesmo, dentro e fora da América.
Mas o sucesso deste filme é razão para alento. Quando as luzes se acendem, ficam duas mensagens importantes. No século 21, nem um império secreto está a salvo de indivíduos com coragem moral, empoderados pela tecnologia digital.
E mais importante: saímos com a convicção que os problemas da liberdade só podem ser resolvidos com mais liberdade, nunca com menos. Ter consciência disso faz de todos nós companheiros do Capitão América, sentinelas da liberdade. É uma boa luta para lutar.