Levei um certo tempo para despertar do impacto sonoro de Nação Zumbi e Chico Science, ali no meio dos anos 90. O som poderoso, maracatu eletrônico misturado a rock pós-punk com pitadas regueiras, tornou a banda um acontecimento diferentão de tudo que rolava nas rádios e na TV. Na verdade, não havia nada parecido mesmo com a força rítmica de “Da Lama ao Caos”, disco vibrante e fundamental até hoje.
A estranheza natural diante de um som novo, movido a muito batuque e rajadas de guitarra, deu lugar a uma admiração que se tornou permanente e sobreviveu à repentina partida de Chico, em 1997. O Nação também se manteve vivo na trilha do mangue beat, seguindo em frente com Jorge Du Peixe e Lúcio Maia, sem jamais perder aquela saudável subversão musical.
“Quando a Maré Encher”, hit praiano de 2000 do álbum “Rádio S.Amb.A”, ganhou ainda mais repercussão com a versão ao vivo com Cássia Eller no Rock In Rio. Abaixo, trecho inicial da letra:
Fui na rua pra brincar, procurar o que fazer Fui na rua cheirar cola, arrumar o que comer Fui na rua jogar bola, ver os carros correr Tomar banho de cana quando a maré encher.
André Barcinski, um de meus críticos favoritos, aborda aqui uma fase refrescantemente gostosa do cinema norte-americano, da metade da década de 1960 até mais ou menos 1977. Tempos de rebeldia criativa que geraram e alavancaram craques do porte de Sam Peckinpah, Martin Scorsese, Don Siegel, Allan J. Pakula, Robert Altman, Arthur Penn, Sidney Lumet e Francis Ford Copolla. A abertura é primorosa, falando do sensacional “Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia”, de Peckinpah. Fecha com “O Jogador”, estrelado por James Caan. A crônica é sobre isso. Vale a pena ouvir Barcinski.
Fernanda Torres agradeceu sua mãe, Fernanda Montenegro, após vitória no Globo de Ouro 2025. Imagem: Matt Winkelmeyer/WireImage
Fernanda Torres e Walter Salles insistem: se os crimes da ditadura não forem julgados e punidos, “os fantasmas” voltam.
As declarações foram dadas na estreia do filme Ainda Estou Aqui, em Nova York. Num teatro completamente lotado, a atriz respondeu a perguntas ao final da exibição, nesta segunda-feira. O filme entra em cartaz nos EUA a partir da próxima sexta-feira.
Na semana passada, Fernanda Torres foi a vencedora do Globo de Ouro e aguarda ainda para saber se será uma das indicadas para o Oscar.
Falando a um público estrangeiro, Fernanda Torres explicou que “o problema no Brasil é que a ditadura durou 21 anos, e quando eles – os militares – decidiram que era para terminar, eles estavam no comando”. Ela fez uma comparação com a Argentina, que terminou seu regime militar com o colapso dos militares diante da guerra das Malvinas.
“Na Argentina, a sociedade civil foi capaz de processar os autores dos crimes. Mas não no Brasil. Houve uma parte mais extremista dos militares que não queria que acontecesse. E as mesmas pessoas são as que tentaram fazer um golpe de estado agora”, alertou.
“No Brasil, houve um acordo. Nós perdoamos e vocês esquecem o que correu. Mas o fantasma ressurge de novo”, lamentou a atriz.
Para ela, é “muito impressionante” que o Supremo Tribunal Federal tenha citado o filme em uma decisão para reabrir o debate sobre a lei de anistia. A ideia é de que, se um corpo desaparece, ele não pode fazer parte da anistia. “Estamos começando a discutir isso”, disse a atriz.
O filme de Walter Salles e que relata a história de Eunice Paiva foi citado pelo ministro Flavio Dino como um dos argumentos para propor uma reavaliação da lei de Anistia, de 1979, diante de crimes como o do desaparecimento forçado de Rubens Paiva.
Walter Salles fez questão de ser enfático. “Estamos ao lado de Eunice. Os crimes da ditadura precisam ser julgados e punidos. Como ocorreu na Argentina e Chile”, disse.Continua após a publicidade
“E é por isso que golpes continuam. Se eles tivessem sido julgados, não haveria uma outra tentação de faze-los”, completou. Para Fernanda, é “incrível” que os envolvidos na tentativa de golpe durante o bolsonarismo sejam os mesmos que ainda existiam no regime militar.
FILME NÃO É SOBRE PASSADO
A atriz acredita que se o filme tivesse sido concluído há quatro anos, durante o governo de Jair Bolsonaro, ele poderia não ter saído. “Tivemos uma janela”, afirmou. “Há uma mágica nesse filme. Acho que teria sido impossível lançar esse filme há quatro anos”, disse Fernanda Torres. “Foi possível por existir essa janela e o sentimento de que a democracia poderia ser salva”, afirmou.
Para ela, o filme criou “empatia pelos seres humanos”. “Talvez esse filme ajude no futuro, para o próximo momento de nossa democracia”, afirmou.
Fernanda ainda relatou a cena na qual Eunice exige que seus filhos sorriam diante de uma foto que iria para uma revista. “Ela descobriu que, ao não fazer isso, a ditadura teria vencido. Ela usou sorriso como arma. E uma forma de dizer que não está quebrada”, disse.
“Hoje, todos odeiam todos. Eunice nos ensina que, para ser gentil com o sorriso, é muito mais que lutar com agressividade”, completou.
Segundo Walter, à medida que o país caminhava para a extrema direita, houve um entendimento de que havia um “sentimento de urgência” no filme. “Não era sobre nosso passado e isso nos deu muito foco”, disse. “Isso tudo nos deu uma compreensão de quem nós éramos, naquele momento da história, mas quem somos hoje”, explicou.
A onda de notícias falsas a respeito de uma suposta cobrança de impostos sobre operações de Pix vem dando fôlego a fraudes com o dinheiro de contribuintes desavisados. No último dia 8, a Receita Federal ampliou a tomada de informações sobre operações financeiras, que já eram fornecidas desde 2003 por bancos tradicionais públicos e privados. Além de elevar de R$ 2 mil para R$ 5 mil o valor mínimo a partir do qual as informações tinham de ser prestadas, o Fisco incluiu fintechs e operadoras de cartões (as “maquininhas”) entre as instituições que precisam prestar contas. Bastou para que fossem divulgadas nas redes fake news sobre um imposto que seria cobrado sobre transações por Pix acima desse valor. Desde o fim de semana, pessoas estão recebendo mensagens com boletos usando a marca da Receita para pagarem o “imposto” por excederem o “limite do Pix”. “Isso é falso, não é verdade”, diz o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas. “Nada muda para o cidadão. Não há qualquer cobrança, não há imposto sobre Pix, nada disso. O cidadão não precisa fazer nada, declarar nada, apenas seguir sua vida normalmente”, garante o secretário. (g1)
A boataria mobilizou o governo. O presidente Lula se reuniu nesta segunda-feira com o ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) da presidência, Sidônio Palmeira, que toma posse hoje, para tratar do assunto. O teor do encontro não foi divulgado, mas Sidônio já vinha trabalhando desde a semana passada na tentativa de conter a onda de notícias falsas. Foi ideia dele o vídeo em que Lula faz um Pix para o Corinthians, seu time do coração, e mostra que não há cobrança na operação. (Globo)
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também entrou em campo. Mais cedo, o colunista do UOL Graciliano Rocha afirmou que a mudança implementada pela Receita tinha como alvos pequenas empresas e a classe média, em particular comerciantes e prestadores de serviços. Haddad negou a informação e disse que a elevação do piso a partir do qual as informações deveriam ser enviadas à Receita faz com que ela não tenha efeito sobre a maioria dos pequenos negócios. “Na verdade, o volume de informações que vai chegar à Receita Federal vai cair”, disse o ministro. Sobre a inclusão das fintechs, que atendem clientes que muitas vezes não conseguem contas e cartões nos bancos convencionais, Haddad disse que a Caixa sozinha tem um contingente de correntistas nesse perfil maior que todos os bancos virtuais e terá de repassar menos dados. (UOL)
Meio em vídeo. Fernando Haddad vai taxar o Pix? A resposta é não. Mas há uma conversa mais longa para termos a respeito de tudo isso. Vai ficar mais difícil sonegar, e isso é o que está causando a revolta, os boatos e os memes. E não são só os informais: personal trainers, médicos, dentistas… “Quer com nota ou sem?”. Confira a opinião de Pedro Doria no Ponto de Partida. (YouTube)
Mais Meio em vídeo. As pessoas realmente não conseguem identificar uma notícia falsa como o “imposto do Pix”? No Central Meio, a jornalista Cristina Tardáguila, fundadora da agência de verificação de fatos Lupa, afirma que 60% das pessoas conseguem e, mesmo assim, espalham mentiras sabendo que são fake news.
Ministro Alexandre de Moraes não aceitou o e-mail encaminhado pela defesa do ex-presidente como comprovação de que foi convidado para a cerimônia de posse do presidente eleito dos EUA
O ex-presidente Jair Bolsonaro. Créditos: Pedro Ladeira/Folhapress
Por Ivan Longo, na Revista Fórum
Jair Bolsonaro ainda não conseguiu comprovar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) que recebeu um convite oficial para a cerimônia de posse do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e já teria tomado uma decisão diante da iminente negativa do ministro Alexandre de Moraes ao seu pedido para que possa deixar o país.
Investigado no inquérito da tentativa de golpe de Estado e prestes a se tornar réu pelo crime, Bolsonaro teve seu passaporte retido pela Polícia Federal (PF) em 2024 e está proibido de viajar ao exterior sem autorização da Justiça. Na última semana, a defesa do ex-presidente solicitou a Moraes a liberação de seu documento de viagem para que possa comparecer à posse de Trump, marcada para 20 de janeiro em Washington.
Para justificar a presença de Bolsonaro, a defesa do ex-presidente anexou um e-mail que, supostamente, consistiria no convite feito por Trump para que o ex-mandatário vá a ao evento. Moraes, entretanto, considerou a “comprovação” insuficiente, visto que a defesa de Bolsonaro apresentou um e-mail de remetente genérico e sem programação oficial da cerimônia, gerando desconfiança de que não se trata de um convite feito pelo próprio presidente dos EUA.
Moraes, então, pediu que a defesa de Bolsonaro enviasse um documento oficial que comprovasse o convite, mas os advogados do ex-presidente responderam ao ministro com o mesmo e-mail, afirmando que o correio eletrônico é, sim, a comprovação de que o ex-mandatário foi convidado para a posse do republicano.
Já ciente de que o ministro do STF deve vetar sua ida aos EUA, tal como fez em outros pedidos de viagem ao exterior, Bolsonaro teria decidido enviar sua esposa, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, para representá-lo na solenidade. Ela, diferentemente dele, não é investigada no inquérito da tentativa de golpe de Estado e não tem restrições para fazer viagens internacionais. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente e responsável por articular o suposto convite, também deve marcar presença.
Quem recebeu, de fato, um convite oficial para comparecer à posse de Trump foi a embaixadora brasileira em Washington, Maria Luiza Viotti. Ela representará o Brasil na cerimônia e, de acordo com integrantes da diplomacia brasileira, o convite foi feito pelo Departamento de Estado dos EUA e prontamente confirmado pela embaixadora.
BRASIL SERÁ REPRESENTADO
Cabe lembrar que a posse presidencial nos Estados Unidos tradicionalmente não conta com a presença de chefes de Estado estrangeiros, sendo representações diplomáticas, como embaixadores, as figuras habituais nos eventos oficiais.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), questionou sábado (11) a autenticidade do suposto convite apresentado pela defesa de Jair Bolsonaro para justificar sua presença na posse do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, marcada para 20 de janeiro, em Washington. Investigado no inquérito que apura a tentativa de golpe no Brasil e com o passaporte retido desde 2024, Bolsonaro está proibido de sair do país.
A principal justificativa para a exigência de Moraes é a fragilidade do documento apresentado: um e-mail supostamente enviado ao deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, de um endereço genérico e não institucional do comitê inaugural americano. Segundo Moraes, a mensagem “não veio devidamente instruída com os documentos necessários” e carece de detalhes essenciais, como o horário e a programação oficial do evento.
O que é necessário para comprovar o convite?
De acordo com a decisão do ministro, apenas um documento oficial que comprove a inclusão de Bolsonaro na lista de convidados da cerimônia, em uma posição de destaque e condizente com a alegação de que o ex-presidente participará do evento em caráter oficial, poderá justificar a liberação de seu passaporte. O e-mail apresentado pela defesa, de rementente “info@t47inaugural.com”, não diferenciaria Bolsonaro de qualquer pessoa que tenha preenchido um formulário no site oficial do comitê organizador da posse.
O site t47inaugural.com, associado ao comitê de posse de Trump, permite que qualquer interessado se inscreva para receber um convite genérico à cerimônia. Este tipo de convite, no entanto, não garante acesso a áreas restritas ou proximidade com os organizadores. Em testes feitos por jornalistas, o mesmo endereço de e-mail foi usado para enviar convites genéricos a qualquer cadastro preenchido no site, bastando inserir um nome fictício e esperar pelo retorno.
Ainda assim, a defesa de Bolsonaro insiste que o convite foi pessoalmente enviado por Trump, conforme afirmou Eduardo Bolsonaro em vídeo publicado nas redes sociais: “Foi o Trump que analisou, foi assessorado, fez uma reunião e decidiu: ‘Chamem, convidem o Jair Messias Bolsonaro’.” As declarações, no entanto, esbarram no fato de que o comitê não utiliza comunicações personalizadas, algo incompatível com o status que o ex-presidente busca atribuir ao convite.
Por que o e-mail não basta?
Para Moraes, o e-mail apresentado é insuficiente para comprovar a relevância institucional do convite. A necessidade de um documento oficial vai além da mera formalidade: envolve garantir que a saída do país por Bolsonaro, investigado e com restrições legais, não seja baseada em pretextos frágeis. Fabio Wajngarten, ex-assessor e advogado próximo ao ex-presidente, afirmou que a defesa cumprirá as exigências do STF e apresentará “toda a competente documentação”. Entretanto, caso não consigam provar o convite oficial, Bolsonaro pode enfrentar um impasse jurídico para viajar.
SÚPLICA PODE ESCONDER PLANO
A novela repetitiva e enjoativa do pedido desesperado de devolução do passaporte do ex-presidente Jair Bolsonaro ganhou um novo capítulo neste domingo (12). Antes de qualquer coisa, é necessário esclarecer que o antigo ocupante do Palácio do Planalto de extrema direita não é autoridade pública brasileira, não tem mandato algum atualmente, é indiciado pela Polícia Federal por crimes gravíssimos e tem histórico de enfrentamento às ordens da Justiça. Trocando em miúdos, não tem nada o que fazer nos EUA, sejam visitar o Mickey nos parques da Disney ou acompanhar posse de chefe de Estado estrangeiro.
Dito isso, seu filho Eduardo, que é deputado federal, conhecido por ser uma figura irascível que transborda ódio e violência verbal por todos os poros, um verdadeiro selvagem nas relações interpessoais e política, resolveu fazer um apelo em vídeo nas últimas horas, em tom comportado e educadíssimo, suplicando pela devolução do documento de viagem, chegando ao patético papel de dizer que espera que “Deus ilumine a mente das autoridades brasileiras”.
Eduardo adora mostrar seu “prestígio” com Trump e outros desajustados extremistas de todo o mundo. A família também tem a comunicação digital sua principal arma, fazendo de qualquer fato, cena ou vídeo um elemento devastador que costumeiramente catalisa apoios, gerando engajamento às pautas bizarras e desumanas que abraçam. Claro, o sinistro ex-presidente golpista ao lado de Trump, dentro da Casa Branca ou de qualquer outro local icônico de Washington, seria importante para o setor ultrarreacionário comandado por eles. Só que esse bom-mocismo todo pode esconder outra coisa.
Na súplica direcionada ao STF, embora sem mencionar o tribunal ou o ministro Alexandre de Moraes, que está com o caso, Eduardo diz que “Bolsonaro já foi aos EUA e voltou”, em referência à fuga covarde de fim de mandato, quando seus cupinchas tentaram o golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, e cita também a viagem do pai para a posse de Javier Milei, na Argentina, em 10 de dezembro de 2023. Ele fecha o apelo dizendo que o comparecimento do chefe do clã à posse de Trump “não faz mal a ninguém”.
Pura bravata e as coisas neste momento são muito diferentes dos primeiros e últimos dias de 2023, quando ele foi à Flórida e a Buenos Aires. A apresentação da denúncia contra Jair Bolsonaro por parte da Procuradoria-Geral da República, que na prática o tornará réu pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa, deve acontecer ainda este mês, ou no máximo até o começo de fevereiro. Para a imensa maioria dos juristas brasileiros, além de outras figuras afeitas ao mundo do direito e dos julgamentos em tribunais, sua condenação à cadeia é praticamente certa. Nove em cada dez especialistas no assunto creem que até o fim do ano seu endereço será numa cadeia qualquer do país.
Com Trump efetivado no cargo e com o sucesso de outras figuras que foram se enfiar nos EUA fugindo da Justiça brasileira, e que conseguiram lá permanecer sem risco de extradição, as chances de Bolsonaro se estabelecer nos EUA e, de lá, tornar-se uma espécie de espírito zombeteiro infernizando a vida nacional com suas escatologias incendiárias, é imensa. Ele estaria total e absolutamente a salvo, pronto para conduzir a extrema direita brasileira de forma remota, até porque se permanecer no Brasil seguirá inelegível e provavelmente preso.
O jogo estava tedioso no 1º tempo. O PSC atacava e forçava mais, porém não criava chances claras. Deu apenas um chute mais perigoso, com Marcelinho. Veio a etapa final e a condução do jogo melhorou, a bola passou a rondar a área tunante, até que o placar finalmente foi movimentado. Dois bonitos gols de Nicolas, importantes para a redenção do artilheiro, após uma Série B sofrível. Um placar suficiente para garantir a vitória e a conquista da Super Copa Grão Pará.
A Lusa fez o que podia. Atacou quando teve oportunidade, mas buscou a estratégia do contra-ataque, através de Lukinhas e Gabriel Furtado. A dispersão entre os setores dificultou uma ação mais efetiva e rápida. Quando saía de seu campo, perdia um tempo excessivo na busca pelos jogadores mais avançados. E, quando chegava, o passe nem sempre era certeiro.
No Papão, as estreias mais marcantes foram as de Giovani e Marcelinho, que agradou o torcedor pela agressividade. Na etapa final, trocou de posição com Borasi, passando a atacar pela direita. O argentino, por sinal, teve papel mais destacado nos primeiros 20 minutos do 2º tempo, superando a marcação e cruzando bolas perigosas na área.
Os bicolores predominaram nesse momento do clássico, com Marcelinho, que perdeu uma boa chance, e Nicolas e Juninho (que substituiu Giovani). Em meio a isso, a Tuna encaixou uma boa arrancada pela esquerda, com Gabriel Furtado levando a melhor sobre a marcação e acertando um chute rasteiro no poste direito do gol de Iago Hass.
Depois, Nicolas se encarregou de transformar o domínio em gols. O primeiro foi de cabeça, aos 27 minutos, testando para as redes um cruzamento perfeito de Bryan. Minutos depois, em resposta a uma crescente pressão da Tuna pelo empate, o camisa 11 finalizou com categoria, aproveitando uma bola que desviou na barreira em cobrança de falta.
No fim das contas, deu a lógica. O PSC é o time de maior investimento, com um elenco de Série B reforçado por novas peças. A Tuna enfrenta dificuldades para construir um novo elenco, misturando apostas e jogadores experientes, como Marlon e Dedé.
Apesar do nível técnico ainda sofrível, com excesso de passes errados e jogadas sem inspiração, o jogo agradou pela movimentação dos times e pelo equilíbrio visto nos primeiros 45 minutos.
As atuações não podem ser tomadas como referência para o Campeonato Paraense, que começa no próximo fim de semana, mas valeu como prévia. Os times devem evoluir muito nas próximas semanas, com maior entrosamento e entrada em cena de novos atletas.
O público de 12 mil espectadores ficou aquém do esperado, se for levado em conta a projeção inicial do PSC, que esperava algo acima de 35 mil espectadores. Nem tinha como considerar um público tão expressivo para uma disputa sem maior relevância – e com ingressos a R$ 50,00 (arquibancada). O formato da Super Copa e os preços dos ingressos devem ser revistos para o ano que vem.
Troféu Camisa 13/33 promove festa de lançamento
Gandur Zaire Filho convida para a festa de lançamento do Troféu Camisa 13/33ª edição, no próximo dia 21 de janeiro, às 19h. O evento será no auditório Albano Franco, da Fiepa, na travessa Quintino Bocaiúva.
A mais tradicional e democrática premiação do esporte paraense vai outra vez consagrar os melhores da temporada, a partir da votação popular.
A despedida de Almada, o craque silencioso
Na série de penalidades contra o São Paulo, valendo classificação na Libertadores, a cobrança magistral do meia argentino Tiago Almada foi decisiva para a definição daquele jogo – e para os destinos do Botafogo. Um jogador do nível dele não viria parar por aqui se não houvesse uma predestinação.
Quis o destino que o Botafogo buscasse pelo craque e ele aceitou o desafio de conduzir, quase em silêncio, o time de Artur Jorge à conquista de dois títulos, os mais importantes da história alvinegra.
Caso Almada tivesse desperdiçado aquele pênalti, o São Paulo seguiria na Libertadores após um jogo absolutamente igual – embora o Botafogo tivesse sido dominante na partida de ida.
Almada brilharia nas semifinais contra o Peñarol e no confronto histórico com o Atlético-MG no Monumental, em Buenos Aires. Foi o artífice do gol inicial, de Luiz Henrique, e com a perda de um jogador (Gregore) virou volante de marcação!
A curta e fulgurante passagem dele pelo Botafogo chegou ao fim e, nesta semana, ele se despediu carinhosamente do torcedor, admitindo que foi um dos momentos mais felizes de sua carreira.
O craque silencioso permaneceu por seis meses honrando a gloriosa camisa, ganhou dois títulos imensos e vai agora viver seu sonho na Europa.
Uma pena que não esteja mais no Glorioso quando ocorrer a decisão da Super Copa em Belém, no próximo dia 2 de fevereiro.
(Coluna publicada na edição do Bola desta segunda-feira, 13)
Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
1.
Escrevo estes comentários com a convicção de que oferecem uma visão única e instigante sobre o filme Ainda estou aqui. Minha perspectiva é influenciada pelo fato de estar desenvolvendo um livro que analisa obras cinematográficas a partir de abordagens econômicas, políticas e sociológicas. Desde o início, assisti ao filme com um olhar deliberadamente crítico, curioso para descobrir se ele poderia figurar entre os trabalhos a serem discutidos em meu projeto.
Confesso que, apesar de uma certa ansiedade, fui ao cinema com uma dose de incerteza. Pensei comigo: “Mais uma obra sobre a ditadura militar brasileira”. Não que a temática seja irrelevante – pelo contrário, é crucial revisitarmos esse período para que as novas gerações compreendam e nunca esqueçam os horrores daquele tempo. Porém, eu temia encontrar mais do mesmo, uma repetição das perspectivas já exploradas por outras produções.
No entanto, o que encontrei foi uma surpresa revigorante. Como estava enganado ao supor que Ainda estou aqui seguiria caminhos previsíveis! A obra não apenas subverteu minhas expectativas, mas também revelou particularidades que, de imediato, pareceram-me indispensáveis para as reflexões que pretendo aprofundar em meu livro.
A película me deixou reflexivo por dias. Cada detalhe mexeu comigo: o roteiro, a fotografia, a trilha sonora, os cortes, as atuações — todo o conjunto me tocou profundamente. Os sentimentos e as sensações despertados eram intrincados, persistentes, como se houvesse algo no filme que me impactava de maneira complexa, mas que eu não conseguia plenamente decifrar.
Assim, eu fui atrás de ler algumas resenhas e críticas sobre o filme. Li dezenas delas. Muitas ressaltavam o que parecia evidente: a técnica impecável de Walter Salles, a fotografia deslumbrante de Adrian Tejido, a trilha sonora arrebatadora de Warren Ellis, o roteiro bem adaptado por Murilo Hauser e Heitor Lorega, a precisão na reconstituição histórica dos cenários e de figurinos de época. Também destacavam as denúncias contundentes contra o fascismo e a ditadura militar, a celebração dos laços familiares e, claro, atuações magnéticas de Luiza Kosovski, como Eliana, de Guilherme Silveira, como Marcelo Paiva (criança), de Selton Mello, como Rubens Paiva, e da profunda, mas confidencial performance de Fernanda Torres, como Eunice Paiva.
Sim, a badalação em torno do desempenho de Fernanda Torres é sem exageros algum. Ela está uma preciosidade. Mais do que merecido ela ganhar o Globo de Ouro. Só que ainda havia outra preciosidade no filme que eu não estava conseguindo captar plenamente. Era algo que parecia ir além da superfície das cenas, do roteiro ou das interpretações. Era algo íntimo, visceral, mas ao mesmo tempo sutil, como uma ferida não verbalizada, uma dor não explicitada. Dessa maneira, eu fui aos poucos tentando desembaraçar tudo isso, percebendo que havia uma beleza excepcional junto com uma violência estrutural na película, que nenhuma outra sobre o mesmo período e tema conseguiu alcançar.
A partir desse ponto, eu comecei a me empenhar em compreender e categorizar a relação entre a beleza e a violência que o filme apresenta. É um impulso natural de quem tem formação acadêmica: buscar sistematizar obras, teorias e padrões. Isso ficou intensificado em virtude da produção do livro. Foi ouvindo a trilha sonora do filme por semanas, que é sem dúvidas brilhante, e relembrando as cenas, em que cada música aparecia, que uma compreensão começou a emergir.
Finalmente, enxerguei a violência estrutural e a cultural que permeiam a obra. O nó preso na garganta, a cicatriz deixada – não chorada e não falada – que o filme arremessa em sua cara com uma força surpreendente e perturbadora, mas ao mesmo tempo sem alarde é: “Adeus Paris tropical […] take me back to Piauí”. Permita-me explicar.
2.
O filme pode ser dividido em três partes. Na primeira, somos imersos no cotidiano de uma família classe média alta do Rio de Janeiro que mora em uma espaçosa casa de esquina na Avenida Delfim Moreira, um dos endereços mais valorizados da Zona Sul carioca. O cenário e a dinâmica apresentados são de estabilidade, júbilo e conforto. Cada criança tem seu próprio quarto, há um carro de alto padrão na garagem, e a esposa, Eunice Paiva, não precisa trabalhar fora.
Ela dedica seu tempo à organização da casa, contando com a ajuda da empregada doméstica, Maria José — cordialmente chamada de Zezé, interpretada por Pri Helena. Esse arranjo proporciona a Eunice momentos de tranquilidade, como banhos de mar, jogos, encontros com amigos, mesmo sendo mãe de cinco filhos. O esposo, Rubens Paiva, está empregado, com redes de bons amigos e prosperando, sonhando com a construção de uma casa na serra. Os filhos estão fazendo planos de estudos, de carreiras, ou somente brincando ou desfrutando da vida.
Assim como a fotografia, a trilha sonora e a condução da câmera, nesta fase do filme, são permeados por uma leveza que transborda cor e movimento. O cenário é ensolarado, irradiando alegria e vitalidade. A casa, ampla e acolhedora, mantém suas portas e janelas constantemente abertas, fundindo-se com a praia como uma extensão natural de seu espaço, compartilhando com ela a sensação de ser um lugar público e acessível. Há sempre amigos, festas, boas bebidas, danças, jogos, risos, brincadeiras, encantos e conversas nela.
A dinâmica e a rotina da família são graciosos e amorosos. É uma família culta e politizada, mas não sisuda e melancólica. A chegada do cãozinho Pimpão, resgatado na praia pelo jovem Marcelo Rubens Paiva, completou o cenário de “família do comercial de margarina” dos trópicos. O diretor Walter Salles, em entrevistas, relembra com carinho a convivência com essa família, destacando sua amizade com Ana Lúcia Paiva, uma das filhas do casal, e como suas memórias pessoais influenciaram a reconstrução desse ambiente.
Se na primeira fase da película, a questão da ditadura militar brasileira (1964–1985) e sua violência aparece em segundo plano – helicóptero sobrevoando a praia do Leblon e atrapalhando o relaxamento de Eunice no mar, comboio de caminhões cheios de soldados atravessa a Delfim Moreira, barreiras do exército agem com violência contra jovens brancos de classe média alta que estão gozando a vida e notícias de jornais sobre as ações da luta armada contra o regime são vistas na televisão – na segunda fase isso muda por completo.
Com a chegada dos agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA) à casa dos Paiva, a leveza, a alegria e a luminosidade que permeavam a família e o ambiente são capturados. A praia e o mar não aparecem mais. A trilha sonora muda, ela fica densa e melancólica. A fotografia adota tons sombrios, a direção da câmera assume um tom estático, bordeado e rígido. A violência do regime fica evidente. Entretanto, eu estava esperando muita violência direta, comum em filmes sobre a ditadura militar ou sobre qualquer outro regime fascista. Ela não veio. Foi-me arremessada uma forte violência estrutural e cultural. Ela me pegou de forma inesperada, perturbadora e profunda.
3.
Aqui faz-se necessário explicar os conceitos de violência na ótica do sociólogo norueguês Johan Galtung. Para o autor há três categorias de violência: (i) direta, (ii) estrutural e (iii) cultural. A violência direta refere-se à agressão física ou verbal que é visível e manifesta, como assassinatos, tortura, estupro, e atos de guerra. É a forma mais evidente e facilmente identificável.
Já a violência estrutural está enraizada nas estruturas sociais e econômicas, perpetuando desigualdades e injustiças de forma sistêmica. Exemplos incluem pobreza, privilégios, racismo institucional, subdesenvolvimentismo, desigualdade de gênero e a falta de acesso a serviços básicos. Não é diretamente atribuível a um indivíduo, mas aos sistemas sociais.
Por fim, a violência cultural atua como uma legitimadora simbólica para as outras duas formas de violência, utilizando elementos como a religião, as ideologias, a ciência e as artes para criar narrativas que normalizam e perpetuam a opressão, a exploração e os conflitos. Esses conceitos ajudam a entender como a violência se manifesta além da esfera física, penetrando nas estruturas e nos imaginários coletivos.
Tendo isso em mente, na segunda fase do filme, a dor, a angústia, o martírio e a tristeza causados pela violência direta da ditadura militar são cuidadosamente ocultadas. Por outro lado, as marcas da violência estrutural e cultural estão explícitas em cada movimento corporal, cada cena, cada expressão fácil, especialmente de Fernanda Torres (Eunice Paiva). Elas se revelam também nas escolhas de cada ângulo de câmera, na paleta de cores empregada e em todos os detalhes que compõem a obra, culminando finalmente na música. Explicarei melhor este último ponto adiante. Mas, por ora, vamos retomar o enredo do filme
É nesta segunda fase do filme, imersa na brutalidade e nas consequências dessas violências, que os agentes da ditadura chegam e levam Rubens Paiva, ex-deputado federal do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) – que ajudava exilados e perseguidos pelo regime, transmitindo recados a familiares, amigos e camaradas – para um “interrogatório de rotina”. A família de Rubens fica em prisão domiciliar, ninguém mais entrava ou saia da casa. Após dois dias, Eunice Paiva e sua filha, Eliana Paiva, com 15 anos na época, são levadas para interrogatório.
Ambas sofrem violência direta: abusos físicos, psicológicos e assédios. Eliane é liberada após 24 horas, enquanto sua mãe permanece detida por 11 dias. Rubens Paiva nunca mais voltou. Morreu nos porões da ditadura, vítima de tortura, ou seja, violência direta. Contudo, essa não é retratada em nenhum momento.
A escolha do filme de não mostrar esses atos brutais contra Rubens Paiva é ousada, rompendo com a obviedade e ganha dimensões de raridade e de excepcionalidade. Excelente caminho, pois, paradoxalmente, o filme se torna ainda mais violento para o espectador comum, despertando nele uma empatia profunda. Isso acontece porque ele, provavelmente, nunca vivenciou diretamente atos de torturas. Ao optar por focar na violência estrutural e cultural do regime, o filme faz com que o público se reconheça nas cenas.
Ele começa a se enxergar nas situações retratadas e a sofrer, compreendendo que a violência não está apenas no ato físico, mas também nas instituições e nas narrativas que perpetuam a opressão. A violência estrutural e a cultural agridem a alma, deixando cicatrizes impalpáveis, gritos asfixiados, choros engolidos e esperanças despedaçadas.
Há um momento, pouco antes da chegada dos agentes da CISA, em que Rubens Paiva está dançando com Eunice e seus filhos ao som de Take me Back to Piauí de Juca Chaves. É uma cena maravilhosa em todos os sentidos: atuação, câmera, sequência, trilha sonora, sensibilidade afetiva, enfim, primorosa. Contudo, foi nesse instante que senti o primeiro engasgo, um aperto que fez o nó na garganta se alargar e intensificar. Quando Selton Mello (Rubens Paiva) canta, a plenos pulmões, enquanto dança e se diverte com sua família, a cena adquire uma complexidade e profundidade únicas.
Para realmente entender o peso dessa cena, é essencial compreender a letra da música de Juca Chaves. Eu ouso afirmar que assimilar o conteúdo da música Take me Back to Piauí é fundamental para apreciar adequadamente Ainda estou aqui.
4.
O carioca Juca Chaves, compositor, músico e humorista, compartilhou com Rubens Paiva uma afinidade política, ambos eram defensores do Trabalhismo de figuras como João Goulart, Darcy Ribeiro, Celso Furtado e Leonel Brizola. Em 1961, Juca Chaves chegou a dirigir-se para Porto Alegre para apoiar a Campanha da Legalidade encabeçada por Brizola, então governador do Rio Grande do Sul pelo PTB (1959 – 1963).
No ano seguinte, Juca Chaves compôs a música Legalidade, na qual celebrava a resistência política com a frase: “[…] o canhão foi superado, pois Brizola, com Machado foi fazer revolução.” Sua obra refletia a indignação e a luta pela manutenção da democracia durante um dos momentos mais críticos da história política do Brasil.
Em 1970, Juca Chaves lançou o single Take me Back to Piauí, acertadamente incluída na película. A canção, que mistura humor e crítica política, econômica e social, é tão genial quanto o filme. Vejamos:
“Adeus Paris tropical, adeus Brigite Bardot O champanhe me fez mal, caviar já me enjoou Simonal que estava certo, na razão do patropi Eu também que sou esperto vou viver no Piauí. Hey hey, dee dee, take me back to Piauí. Hey hey, dee dee, take me back to Piauí”
Nesta primeira estrofe, Juca Chaves está se despedindo do projeto de Brasil defendido pelo Trabalhismo. Esse visava a construção de um Estado de Bem-Estar Social nos trópicos: “Paris tropical”. O nacional-desenvolvimentismo francês de Charles de Gaulle era um dos espelhos desse projeto. Para Chaves, o golpe militar de 1964 representou o fim das esperanças do projeto trabalhista, portanto restava a ele fazer igual ao Simonal, defender a “razão do patropi”.
Em 1969, Wilson Simonal gravou a música “País Tropical” de Jorge Ben, que exalta o carnaval, o futebol e a natureza do nosso “patropi”. Essa expressão representa o Brasil de uma forma descompromissada com questões políticas e focada no lazer, nas festas, na natureza e no consumo.
Verifica-se que Juca Chaves, ao afirmar que Wilson Simonal estava “certo”, sugere que, para sua própria sobrevivência, era necessário distanciar-se do discurso de resistência política, particularmente do projeto do Trabalhismo e da Campanha da Legalidade que haviam caracterizado o período pré-golpe. A violência do regime militar tornava impossível manter esse discurso, forçando os artistas, igual a ele, a se adaptarem a uma nova realidade.
Além disso, havia rumores, já na época, sobre a colaboração de Wilson Simonal com o regime militar, atuando como informante das Forças Armadas e do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Juca Chaves, ciente de toda a situação, da violência cultural e estrutural do regime militar, ironicamente, optou-se em compor músicas festivas, um iê-iê-iê (Hey hey, dee dee).
De acordo com a violência cultural, era o momento de exaltar o projeto do regime militar. Esse não é mais o da “Paris tropical”, um Brasil independente econômica e politicamente, com pactuação de classes sociais, bem-estar social e orgulhoso de sua cultura, mas um projeto dependente e associado aos interesses imperialistas dos Estados Unidos. Para Chaves, e outros defensores do Trabalhismo, o modelo dos militares gera o enraizamento do subdesenvolvimentismo, a dependência econômica, cultural e política do Brasil, o dualismo, o aumento dos conflitos sociais e da violência.
Juca denunciava esse projeto na canção, escolhendo Piauí como contraste de Paris tropical. Ao escolher o Piauí como símbolo, Chaves conecta esse processo à realidade social e econômica de um estado que, em 1970, tinha 94,5% de sua população abaixo da linha da pobreza, tornando-se o estado mais pobre do Brasil na época. A escolha não foi meramente simbólica, mas uma forma de ilustrar, de forma crua e ao mesmo tempo velada em virtude da censura do regime militar, o nosso subdesenvolvimento econômico.
A letra segue ironicamente festiva e evocando figuras e símbolos emblemáticos da cultura brasileira:
“Na minha terra tem Chacrinha que é louco como ninguém Tem Juca, tem Teixeirinha, tem dona Hebe também Tem maçã, laranja e figo Banana quem não comeu Manga não, manga é um perigo Quem provou quase morreu!”
Nesse trecho, Juca Chaves destaca personalidades como Chacrinha (José Abelardo Barbosa), cuja irreverência e anarquia o tornaram um símbolo de resistência criativa e da liberdade de expressão. Chacrinha era uma figura que, mesmo em tempos de censura e repressão, desafiava convenções com seu humor subversivo. Para Juca, Chacrinha representava uma centelha de liberdade que persistia em meio à violência cultural da ditadura. Não tentava agradar ninguém.
Por outro lado, ele menciona a si mesmo, Teixeirinha (Vitor Mateus Teixeira, cantor, compositor, radialista e cineasta) e Hebe Camargo, apresentadora e cantora. Juca, ironicamente, afirma que não é um louco encantador, amante da liberdade como Chacrinha (mas todos nós sabemos que ele foi) e se coloca como um artista “nem de esquerda e nem de direita”, como Teixeirinha e Hebe Camargo sempre tentaram se vender. A violência exigia isso.
Juca Chaves, sem perder seu teor crítico, decide seguir a “razão do patropi” em sua música, exaltando as riquezas naturais do Brasil. Ele menciona maçãs, laranjas, figos e muitas bananas, em uma clara alusão irônica ao clichê da “República das Bananas”. Contudo, ele enfatiza que “manga não tem, pois manga é um perigo. Quem provou quase morreu.” Essa observação não é meramente casual; traz uma crítica implícita. Na época de construção de Brasília, foi divulgado pela mídia que Juscelino Kubitschek, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa pensaram em criar uma cidade-pomar, repleta de árvores frutíferas.
Desse modo, foram plantadas milhares de árvores, e atualmente há cerca de um milhão em Brasília, sendo as principais mangueiras e jaqueiras. Um pomar de mangueiras, em particular, foi cultivado em frente ao Palácio da Alvorada, residência oficial do Presidente da República. João Goulart, líder trabalhista e defensor do nacional-desenvolvimentismo, gostava de caminhar por esse pomar, colhendo mangas com seu filho. A referência à manga como perigosa pode ser interpretada como uma metáfora para a posição presidencial durante a ditadura militar.
“Provar” o poder ou resistir ao regime era arriscado; quem ousava desafiar essa ordem, frequentemente pagava com a vida ou enfrentava severas represálias. Nesse contexto, a letra de Juca transcende a aparente simplicidade para criticar o ambiente opressor da época. A crítica, todavia, continua revestida de ironia e de criatividade, exemplificando como o iê-iê-iê de Chaves era uma ferramenta de resistência cultural.
Então, Juca continua:
“Mudo meu ponto de vista, mudando de profissão Pois a moda agora é artista Ser júri em televisão Tomar banho só de cuia Comer jaca todo mês Aleluia, aleluia vou morrer na BR-3! Hey hey, dee dee, take me back to Piauí Hey hey, dee dee, take me back to Piauí Meu Deus, meu Deus, take me back to Piauí”
Juca Chaves prossegue sua crítica com versos que sugerem um abandono do papel de artista e de intelectual engajado para se adequar ao novo contexto imposto pela ditadura. O compositor afirma que é melhor mudar a opinião, é melhor deixar de ser artista, criador, intelectual, pensador de fato. Ele vai ser mero júri de show de calouros de televisão. Fazer graça e humor em cima do “povão”, explorando o sonho e as esperanças de pessoas simples como entretenimento. Aqui, ele aponta que o artista, em vez de ser uma voz crítica ou criativa, adapta-se ao papel de entretener despolitizado, como júri em programas de calouros, uma metáfora para a superficialidade cultural promovida pelo regime. A crítica recai sobre a perda do papel transformador da arte, reduzida a espetáculo vazio.
O trecho também aborda a precariedade da vida no Brasil do regime militar. Nós vamos tomar banho somente de cuia, uma vez que a industrialização, o modernismo e a inclusão social do desenvolvimento econômico do Trabalhismo de Jango, de Brizola e de Rubens Paiva não vão mais chegar. E é melhor comer jaca todo mês, pois é menos arriscado do que manga. Em Brasília, como já dito, há muitas jaqueiras e elas ficam longe das mangas do Palácio da Alvorada.
Juca Chaves, encerrando essa tragicomédia brasileira, afirma: “vou morrer na BR-3”. A referência à música BR-3, composta por Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, que venceu o V Festival Internacional da Canção em 1970 na voz marcante de Toni Tornado com o Trio Ternura, não é fortuita. A canção, que aborda questões como marginalização e desigualdade social, era carregada de simbolismo e interpretada como uma metáfora para a violência e o abandono nas periferias urbanas. Havia rumores na época de que BR-3 também era usada como gíria para a veia do braço, local de aplicação de drogas, simbolizando uma fuga anestésica da realidade brutal. Juca, com sua sagacidade, parece evocar essa interpretação para apontar que, diante das condições opressivas do regime e da ruptura com o sonho trabalhista, restava apenas se entorpecer para suportar o destino.
O uso repetido de “Aleluia, aleluia” e “Meu Deus, Meu Deus, take me back to Piauí” reflete um sarcasmo agridoce. No Brasil, ainda temos de agradecer ao destino imposto, quase como uma aceitação resignada do subdesenvolvimento e das desigualdades estruturais.
Juca Chaves, com sua característica ironia e inteligência, compõe uma narrativa que, sob uma aparência de leveza e de humor (um Hey!, Hey!), revela um profundo desencanto com o desmonte dos ideais do Trabalhismo, do desenvolvimento e da tentativa do bem-estar social que marcaram o Brasil pré-1964. A violência do regime militar, ainda que nem sempre explícita, permeava todos os aspectos da vida. Contudo, Juca escolheu resistir pela cultura, pela sátira e pelo riso, transformando o humor em uma arma contra o autoritarismo e a opressão. Esse mesmo espírito de resistência atravessa a narrativa da família Paiva, retratada na obra. Mesmo sob o peso esmagador da repressão e da brutalidade do regime, os Paiva encontram maneiras de se manterem vivos em espírito: dançam, cantam, divertem-se e se agarram à beleza da vida e da família como forma de desafiar a desumanização imposta pela ditadura.
O soco no estômago, o nó preso na garganta – não chorado e não falado – que eu estava sentido com a violência estrutural e cultural denunciada pelo filme era isso: a morte do sonho da “Paris tropical”. O fim do projeto popular e nacional desenvolvimentista do Trabalhismo que Rubens Paiva acreditava. O fim da pactuação de classes do Trabalhismo, da construção da “família de comercial margarina” no Brasil.
5.
Esse projeto, inspirado no nacional-desenvolvimentismo, contava com o apoio de segmentos das classes populares, da classe média, da elite ilustrada e até de certos quadros das Forças Armadas. Era um modelo que vislumbrava a criação de um Estado de Bem-Estar Social nos trópicos, com inclusão econômica e social. Um projeto que Eunice Paiva defendeu com orgulho e simplicidade perante seus interrogadores quando afirma que seu marido era somente filiado ao PTB. É como se dissesse: “Qual é a subversão em ser trabalhista e desenvolvimentista? Em querer um Estado de Bem-Estar Social no Brasil? Por que isso é criminalizado?
Revendo a obra, fica evidente como o filme revela essas camadas de violência estrutural e cultural com uma maestria espetacular. São vários detalhes, alguns exemplos: quando Zezé, a doméstica, precisa ir embora, quando um dos militares afirma que não concorda com o que estava acontecendo ou quando o cãozinho, Pimpão, morre.
A partida silenciosa e resignada de Zezé no filme representa mais do que uma simples despedida; é o retrato simbólico do fim da tentativa de pactuação de classes no Brasil. Sua saída marca a definitiva exclusão, marginalização e invisibilização da classe trabalhadora, sobretudo dos negros. Embora os trabalhadores já fossem submetidos à violência estrutural do Brasil há séculos, o projeto trabalhista de Brizola e Jango buscava combatê-la, promovendo a humanização dos trabalhadores e sua transformação em cidadãos plenos, dentro de um modelo progressista de Estado de Bem-Estar Social adaptado aos trópicos.
Em contrapartida, o projeto da Ditadura Militar — simbolizado pelo “back to Piauí” — representava a desumanização dos trabalhadores, vistos como descartáveis, uma “sub-gente”, mero carvão para ser queimado, usado e gasto. Esse modelo é marcado por uma mentalidade reacionária, herdada do nível de consciência escravocrata. Zezé, ao fazer suas malas no filme, simboliza esse destino de mais exclusão ainda, provavelmente indo para uma favela, espaço da marginalização social, política e econômica.
O militar que comunicou sussurrando para Eunice Paiva que não concordava com aquilo tudo, ou seja, a violência direta que ela estava vivendo, também sabia que não tinha mais espaço. A ditadura militar do Brasil perseguiu 6,5 mil membros das Forças Armadas. Não é por acaso que Salles e Tejido optaram por uma filmagem em penumbra e minimalista para esses dois momentos.
Já a morte de Pimpão é carregada de simbolismo: ela ilustra a destruição brutal da idealização da “família margarina”. Tanto ela quanto o cãozinho foram atropelados pela ditadura, de forma violenta e à luz do dia. Aqui, a escolha por uma filmagem aberta, com muita luz e som, torna a violência explícita, sem subterfúgios. A cena expõe, de maneira crua, como o regime militar desfez sonhos e desmantelou estruturas, deixando todas as violências visíveis e incontestáveis. Nada foi ou é escondido, todas as violências (direta, estrutural e cultural) estão nela.
E são essas cenas que descrevi rapidamente aqui, buscando evitar spoilers, que atuam como um dos marcadores de mudança da segunda para terceira fase do filme. Há outras, claro, como a cena da fotografia em família, sem Rubens, para um repórter da imprensa. A mídia busca capturar uma imagem que expresse abatimento e submissão, mas a resposta da matriarca é categórica e desafiadora: “Sorriam!”.
Novamente a alegria e a felicidade como resistência, exatamente como no momento da dança do Take me back to Piauí. Essa cena é carregada de resistência simbólica, que Fernanda Torres na sua genialidade interpretativa consegue transparecer não somente na fala, mas em toda sua linguagem corporal. É a resistência ao fascismo, que em sua essência, alimenta-se da tristeza e do desencanto como mecanismos de dominação. O sorriso, nesse contexto, é uma afirmação de potência vital, uma rejeição ao controle e à desumanização. É um ato de subversão silenciosa e de sobrevivência emocional perante a violência cultural e estrutural.
6.
A terceira fase do filme surge a partir disso e ganha contornos claros ao som de É preciso dar um jeito, meu amigo, de Erasmo Carlos e Roberto Carlos. A música funciona como um catalisador, representando o esforço de continuar e de resistir, mesmo diante da brutalidade. Lembram que eu disse que a música também mudaria? Olhe que interessante a escolha desta música reflexiva, densa e melancólica de autoria do Rei do Hey! Hey! (iê-iê-iê). É como se o filme afirmasse que ninguém ficou imune ao atropelamento executado pela ditadura militar. Que é impossível viver na “razão do patropi”.
A mudança silenciosa de Eunice e seus filhos do Rio de Janeiro para São Paulo faz com que o tom fotográfico do filme mude novamente, tornando-se cinzento, as intepretações sóbrias e as ações das personagens mais sólidas e objetivas, bem como a câmera por parte da direção. A direção também ajusta a câmera, refletindo a transformação interna dos personagens. A trilha sonora segue a mesma lógica.
Eunice, diante do novo contexto, decide voltar a estudar. Ela se forma em Direito e se torna uma profissional bem-sucedida, engajada em diversas causas sociais, em um gesto de resistência e adaptação às novas condições de vida. Entretanto, ela somente volta a sorrir quando recebe o certificado de óbito de seu marido em 1996. A confirmação de que Rubens Paiva foi brutalmente assassinado pelas forças armadas brasileira marca, paradoxalmente, um momento de contentamento, pois também descortina seus atrozes e carrascos.
Neste momento, eu recordei da famosa frase do trabalhista e amigo de Rubens Paiva, o antropólogo, historiador, sociólogo, escritor e político brasileiro Darcy Ribeiro: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Assim como Darcy, Eunice também pode ser vista, neste momento, refletindo uma vitória diante de sua imensa dor e de seus algozes. A expressão sorridente de Fernanda Torres (Eunice Paiva) e de Antonio Saboia (Marcelo Paiva) é sobre isso. É um símbolo de resistência, mais uma vez, e de distanciamento de uma violência inaceitável: não somos como vocês, fascistas.
A alegria, as conversas cotidianas, os risos soltos, a alma da esperança trabalhista, presentes na primeira parte do filme, retornam aos Paiva nas cenas finais. Quando o Brasil, agora sob um projeto neodesenvolvimentista com Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT), parece estar passando a limpo sua memória com a Comissão Nacional da Verdade (CNV), vigente entre 2012 a 2014, para investigar os crimes da ditadura. Eunice, já acometida com a doença de Alzheimer, apresenta-se alheia e desconectada de tudo ao seu redor. No entanto, ela experimenta um breve momento de conexão ao ouvir sobre seu marido na televisão.
Nesta cena, eu esperava ver uma explosão de lágrimas da matriarca, mas Fernanda Montenegro (que interpreta Eunice na velhice) controla magistralmente o choro. O lamento e o grito estão ali, contidos, e o nó na garganta se torna palpável. Mas o choro não vem. Em seu lugar, surge a música É preciso dar um jeito, meu amigo, acompanhada da tela preta dos créditos finais. O silêncio que se segue é mais eloquente do que qualquer expressão de dor. A ausência do choro revela a complexidade da violência sofrida pela família Paiva e pela nação brasileira durante e após, com o legado, da ditadura militar.
Assim como Take me back to Piauí de Juca Chaves, a música de Erasmo Carlos e de Roberto Carlos é basilar para apreciar melhor o filme Ainda Estou Aqui. Ela é densa, reflexiva e melancólica, muito distante de um iê-iê-iê. Ela mostra duas coisas. A primeira é que a sociedade brasileira precisa fazer uma autocrítica pelo caminho escolhido. Nessa precisamos passar por um processo de catarse psicológica coletiva, precisamos nos envergonhar, chorar, lamentar e expressar nossa desilusão com a rota para superação do subdesenvolvimento econômico que adotamos.
“Eu cheguei de muito longe E a viagem foi tão longa E na minha caminhada Obstáculos na estrada Mas enfim aqui estou Mas estou envergonhado Com as coisas que eu vi Mas não vou ficar calado No conforto, acomodado Como tantos por aí. É preciso dar um jeito, meu amigo É preciso dar um jeito, meu amigo Descansar não adianta Quando a gente se levanta Quanta coisa aconteceu”
A segunda mensagem é de que a luta não acabou. Se há setores ainda empenhados em retirar o Brasil do subdesenvolvimento econômico, em construir a “Paris, tropical” ou qualquer outro projeto mais humanizante, inclusivo e socializante, almejando o bem-viver da sociedade; há, também, grupos que flertam com o fascismo, com o caos, com a desumanização dos trabalhadores, com o retorno do Brasil ao mapa da fome, com o fim da democracia, com reacionarismo, com o projeto de “back to Piauí” de 1970, afirmando que “naquela época que era bom”. Eles empregam três tipos de violência: direta, estrutural e cultural. Não podemos jamais esquecer disso
As crianças são levadas
Pela mão de gente grande Quem me trouxe até agora Me deixou e foi embora Como tantos por aí É preciso dar um jeito, meu amigo É preciso dar um jeito, meu amigo Descansar não adianta Quando a gente se levanta Quanta coisa aconteceu É preciso dar um jeito, meu amigo É preciso dar um jeito, meu amigo É preciso, sim
Os Paiva ainda estão aqui, a esperança desenvolvimentista ainda está aqui, mas as forças reacionárias também ainda estão aqui. A rememoração é um processo dinâmico, movido pelas necessidades e demandas do presente. Precisamos retomar o reconhecimento das figuras que combateram o subdesenvolvimento do Brasil, refletindo sobre o legado de figuras como Jango, Brizola, Darcy Ribeiro, Carlos Prestes, Celso Furtado e Rubens Paiva. Devemos reimaginar o país, estruturando um projeto desenvolvimentista inclusivo, criativo e sustentável. Conforme a música: “É preciso dar um jeito, meu amigo, é preciso, sim”.
Encerro este texto, que, como mencionei, é uma prévia de um dos capítulos de um livro que estou produzindo, com a afirmação de que o modelo de desenvolvimento dependente e associado do regime militar notoriamente fracassou. No entanto, o modelo trabalhista defendido por essas figuras citadas aqui ainda é relevante nos dias atuais? Ou se as propostas do neodesenvolvimentismo petista ou do lulismo atendem aos nossos interesses?
A reflexão sobre esses modelos é fundamental, pois só assim poderemos avançar, buscando sorrir não mais por resistência, mas como expressão de júbilo em celebração das conquistas econômicas, política, culturais e sociais que ressoam positivamente na sociedade. Assim como estamos sorrindo com a conquista do Globo de Ouro pela Fernanda Torres neste começo de 2025.
*Isaías Albertin de Moraes, economista, é doutor em Ciências Sociais e professor visitante do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas (CECS) da UFABC.
Referência
Ainda estou aqui
Brasil, 2024, 135 minutos.
Direção: Walter Salles.
Roteiro: Murilo Hauser e Heitor Lorega.
Direção de Fotografia: Adrian Teijido.
Montagem: Affonso Gonçalves.
Direção de Arte: Carlos Conti
Música: Warren Ellis
Elenco: Fernanda Torres; Fernanda Montenegro; Selton Mello; Valentina Herszage, Luiza Kosovski, Bárbara Luz, Guilherme Silveira, Cora Ramalho, Dan Stuback, Maeve Jinkings, Humberto Carrão, Olivia Torres, Antonio Saboia, Marjorie Estiano, Maria Manoella e Gabriela Carneiro da Cunha.
“Acho graça dos ares escandalizados da mídia e de outros setores com o “estouro” da sacrossanta meta de inflação de 4,5% para 4,83% em 2024. Não precisa ir muito longe para lembrar os 10,06% de Bolsonaro em 2021 e os 5,79% de 2022. Apesar disso, boa parte do establishment continuou apoiando o golpista… E Campos Neto foi votar com a camisa verde e amarela”.
Pedro Rocha foi apresentado na última quarta-feira, dia 8, como reforço do Remo para a temporada de 2025. Uma das 11 caras novas azulinas para este ano, ele chegou para a disputa das quatro competições que o clube está garantido: Campeonato Paraense, Copa do Brasil, Copa Verde e Série B do Brasileiro. E o objetivo dele é bem claro.
“Acredito que chegou o momento do Remo, chegou a hora do Remo subir maiores posições, como vem fazendo, como foi o ano passado com acesso para a Série B. Esse ano acredito que tem que ser da mesma forma. Temos o objetivo muito claro de fazer o nosso melhor e tentar subir para a Série A. Senão não tem porquê estarmos aqui, é dessa forma que temos que pensar, pensar grande, tem que acreditar. É claro, com muita humildade, com o pezinho no chão, mas trabalhando, porque, vieram muitos jogadores capacitados e estamos fazendo um bom trabalho para que esse ano de 2025 seja muito abençoado para todos nós”, afirmou.
Aos 30 anos, esta será a primeira vez de Pedro Rocha no futebol paraense. Para fechar o acordo com o clube, um dos bens mais valiosos do clube fez toda a diferença: o Fenômeno Azul.
“É um time de massa, um time que tem bastante torcedor. E quando eu vinha conversando com o [Sérgio] Papellin, juntamente com o meu empresário, ele me mandou um vídeo muito especial, que foi do jogo do acesso. Aí aquela torcida, a festa bonita do jeito que estava, aquilo ali me cativou bastante. Esse foi um dos motivos também para que eu aceitasse esse desafio, esse convite muito bom do Remo que eu tive. Pesou muito em relação à torcida, o projeto que ele apresentou para mim, de não somente montar um time para permanecer na Série B, mas buscar brigar lá em cima. E é isso que eu acredito, é isso que eu vim aqui ajudar”, acrescentou.
A nova temporada pode servir como uma retomada na carreira de Pedro Rocha. Em 2023, ele ficou oito meses afastado dos gramados após uma cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA) do joelho esquerdo, quando atuava pelo Fortaleza. Em 2024, foi emprestado ao Criciúma.
“Eu tive um 2023 difícil, porque tive essa lesão bem séria, a mais séria da minha carreira até hoje. Demorei a voltar um pouco, foram oito meses longos de recuperação. Mas, graças a Deus, tive um suporte muito bom no Fortaleza. Tive uma recuperação, em geral, muito boa, que me deu condições de voltar muito bem”, concluiu.
Mesmo no ambiente opressivo da ditadura, Moreira Salles ajudou JK e o próprio Jango, em seu exílio no Uruguai
Por Luis Nassif
A meia verdade é a pior forma de mentira. É por aí que caminha um texto, que viralizou, apresentando o cineasta Walter Salles – do filme “Ainda estou aqui” – como um beneficiário da ditadura que matou o deputado Rubens Paiva.
Walter Salles é herdeiro do banqueiro Walther Moreira Salles. No texto, o pai é apresentado como financiador do IPES, o Instituto de Pesquisas Econômico Sociais que teve papel fundamental no financiamento midiático em favor do golpe de 1964. Falso!
Eu escrevi a biografia de Moreira Salles. Não foi uma biografia autorizada, apesar do acesso que tive ao próprio embaixador, em dezenas de entrevistas, à parte do seu acervo e aos seus primeiros sócios. O livro descontentou os filhos por mencionar episódios delicados, como seus embates com Roberto Marinho, de quem foi sócio no Parque Lage, ou seus negócios com dívida externa brasileira. Foi um livro que homenageou a grande estatura pública dele, mas sem ocultar as fraquezas.
Walther Moreira Salles fazia parte de um grupo de empresários que apoiou Getúlio Vargas e seu sucessor João Goulart. Foi sua indicação para Ministro da Fazenda de Jango que viabilizou o parlamentarismo contra o golpismo das Forças Armadas, que queriam impedir Jango de assumir a presidência, com a renúncia de Jânio.
Aliás, pouco antes de renunciar, Jânio foi procurado pelos três comandantes militares oferecendo seu apoio para o caso de pretender dar um golpe. Jânio recusou apostando em outra saída: ele renunciando, saindo do país em um cruzeiro marítimo e, na volta, sendo consagrado pelo povo que exigiria sua volta. Na volta do cruzeiro, o povo não compareceu.
Há um conjunto de informações inéditas no livro. A história dos militares me foi relatada por Rafael de Almeida Magalhães. A do cruzeiro, pelo próprio Walther, que contou que foi planejado meses antes da renúncia.
Para viabilizar a posse de Jango, foi armada uma operação sigilosa para levar Walther até Porto Alegre, onde ele testemunhou a enorme coragem de Leonel Brizola, comandando a resistência – conforme me relatou. Walther foi o avalista do parlamentarismo justamente por suas relações estreitas com o sistema financeiro norte-americano – era amigo íntimo de Nelson Rockefeller – e com os grandes grupos de comunicação dos EUA.
Acertado o parlamentarismo, teve que voltar escondido, indo a Buenos Aires e voltando para São Paulo com carteira de identidade falsa. O texto diz que sua ligação com Rockefeller foi fundamental para evitar sua cassação. Tem razão, mas não significa, em nenhum momento, adesão ao golpe.
Não se deve esquecer que a primeira grande denúncia contra as torturas praticadas pelo regime foi feita a Nelson Rockefeller em um evento no Museu de Arte Moderna que, possivelmente, foi a causa do assassinato de Zuzu Angel.
Para se contrapor à enorme frente midiática contra Vargas, Moreira Salles chegou a negociar uma grande editora, fundindo a Érica (que publicava a revista Sombra) com a Última Hora, de Samuel Wainer. Por conta disso, foi alvo da CPI da Última Hora. Como afirmar que ele financiava o IPES?
Walther foi salvo da cassação por duas circunstâncias. A primeira, no governo Castello Branco, por uma circunstância familiar: dona Argentina, esposa de Castello, tinha relações de parentesco com a família de Elisinha, esposa de Walther.
A segunda tentativa foi com Costa e Silva. José Carlos Marcondes Ferraz, conhecido playboy do Rio de Janeiro dos anos 60, me contou que passou uma noite na casa de Walther, com a ameaça de, a qualquer momento, a casa ser invadida por militares. Telefonemas de autoridades norte-americanas influentes – cuja amizade Walther cultivara como embaixador de Vargas e de JK – seguraram a cassação. E Delfim Neto foi essencial, a partir de uma conversa que teve com Costa e Silva – que me foi relatada pelo próprio Delfim.
Costa e Silva o procurou e perguntou o que aconteceria se cassasse Moreira Salles. E Delfim: “Pouca coisa, general. Nos indisporíamos com os banqueiros norte-americanos e europeus, e também com as grandes redes de comunicação dos Estados Unidos. Mas apenas isso”.
Mesmo assim, a família Moreira Salles saiu do país e mudou-se para a França, por receio de ter o mesmo fim de Rubens Paiva. O texto não informa que Waltinho, o filho, frequentava a casa de Rubens Paiva, era amigo de suas filhas. Fugia do ambiente pesado da sua própria casa – devido aos embates constantes do casal Moreira Salles – e ia buscar a leveza da família Paiva.
O Unibanco, de fato, foi beneficiado pela política econômica de Castello Branco, como outros bancos nacionais, a partir das reformas conduzidas por Roberto Campos e Octávio Gouvêa de Bulhões. O texto não consegue entender que, por baixo da política, havia uma estrutura empresarial e uma elite econômica carioca que orientava o país desde Vargas.
Roberto Campos foi assessor de Café Filho, de JK, participou da fundação do BNDES e, assim como Gouvea de Bulhões, transitava pelo alto mundo financeiro e empresarial do Rio de Janeiro.
É essa elite carioca – que se frequentava desde os anos 40, quando o Rio era apenas uma cidade que ainda não se internacionalizara -. além das ligações ultramarinas, que impediu Moreira Salles de ter o mesmo destino de grupos paulistas destruídos pela ditadura pelo apoio a Jango – como os Wallace Simonsen.
Mesmo no ambiente opressivo da ditadura, Moreira Salles ajudou JK e o próprio Jango, em seu exílio no Uruguai. Na ocasião, entrou em contato com banqueiros uruguaios, garantindo operações de financiamento das atividades de Jango.
“A vida é uma bela aventura e um milagre. Estamos concentrados na riqueza e não na felicidade. Quando você acordar, sua vida já se passou”.
“Até aqui eu cheguei”, afirmou o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, em comovida declaração de despedida nesta semana, ao anunciar que o câncer de esôfago, do qual foi diagnosticado em abril do ano passado, virou metástase, se espalhou pelo seu corpo.
A notícia foi dada por Mujica ao jornal uruguaio Búsqueda. Além do esôfago, o câncer se encontra no fígado e, segundo ele, já não é possível impedir a sua disseminação.
“O câncer no esôfago está se espalhando em meu fígado. Não consigo pará-lo com nada. Por quê? Porque sou idoso e tenho duas doenças crônicas. Não posso passar por nenhum tratamento bioquímico ou cirurgia, porque o meu corpo não aguenta”, relatou.
A doença do ex-presidente foi revelada em abril do ano passado. Em dezembro último, Mujica passou por uma cirurgia, e o líder progressista participou, inclusive, da campanha eleitoral do presidente Yamandú Orsi. Ao longo do último ano, ele passou por 32 sessões de radioterapia para o tumor.