O “business model” David Lynch

Ele inventou esse cinema indie aí fora – o que é, como previsto, surreal

Por André Forastieri

Owen Gleiberman pontuou seu obituário chapa branquíssima de David Lynch com uma observação surpreendente e até onde sei, original. Crava “Veludo Azul” como marco fundador do cinema “indie” americano, três anos antes de “Sexo, Mentiras e Videotape”.

Ele se refere a esse cinema independente-comercial feito com ambições estéticas & financeiras; bem distribuído, financiado e promovido. O que chamaríamos talvez de “Era Miramax”, não fosse Harvey Weinstein um pilantra.

Também elege o filme como o melhor dos anos 80. Bem, é bobageira isso de melhor filme da década, né?

Mas olhando com a perspectiva de 2025, arrisca ser mesmo o mais influente. Owen tem bom pulso pras pegadas pop e populares. É veteraníssimo das revistas “Entertainment Weekly” e, já faz tempo, da “Variety”. Peço desculpas pela tradução macambúzia, o texto original na íntegra está aqui:

“Veludo Azul”, o filme que ainda considero a maior obra-prima de Lynch, surgiu após “Duna”, emergindo diretamente das profundezas inquietantes de sua imaginação.

É quase impossível descrever como ficou perturbado o público de 1986 com a imagem de Frank Booth, o psicopata que se entorpece com drogas, raiva e fetichismo. Mas o filme era um thriller, um noir romântico que, com poder digno de um Hitchcock pós-moderno, transformou o voyeurismo do herói no do público.

Além de ser o melhor filme dos anos 1980, eu argumentaria que “Blue Velvet” também foi o filme mais importante daquela década, pois lançou a revolução do cinema independente em órbita….

Foi “Blue Velvet” (com um pouco de ajuda de “Gosto de Sangue”) que reinventou o cinema independente como uma versão fragmentada, bota-pra-foder da Velha Hollywood.”

O que me chamou atenção é como ele define o “gênero” indie, se é que podemos chamar assim. Talvez fosse mais correto demarcar como “modelo de negócio”. Continua firme e forte.

Podes conferir nas indicações ao Oscar 2025, “Emilia Perez”, “Anora”, “Conclave”, “Queer” e, obviamente, “A Substância”.

O cinemão corporativo enfrenta seus big desafios, as séries-em-série cheiram cada vez mais a pizzaria algorítmica. Mas esse tal “cinema indie”, como acima descrito, tá voando. Inclusive pelo impacto e facilidades dos streamings.

Owen também acerta bem aqui:

“E você poderia fazer uma afirmação comparável com “Twin Peaks”, na qual Lynch ousou trazer uma visão de “Blue Velvet” para a tela pequena, efetivamente dando início à nova era de ouro da televisão. Foi a série que mostrou o quanto se poderia ousar.”

Não vejo um nem outra desde o século 20. Hora de rever “Veludo Azul”; algumas imagens ainda me assombram, mas o roteiro esvaneceu.

“Twin Peaks” hoje não vai ficar melhor do que em 1990-91. Foi quando assisti, em preciosos VHS enviados via malote da editora Abril por José Emílio Rondeau e Ana Maria Baiana, direto de Los Angeles.

Zé e Ana eram correspondentes da revista “Bizz”, onde eu trabalhava. As fitas, gravadas da TV, continham geralmente dois episódios e incluíam os anúncios. Eram saboreadas em primeiro lugar por José Augusto Lemos, nosso diretor de redação. Dele vinham pra mim e seguiam trocando de mãos.

Em 1992, minha primeira viagem aos EUA, minha mulher e eu fizemos questão de ir a Snoqualmie e região, onde foi filmada parte da série. Fomos em peregrinação ao hotel, cachoeira, floresta. E ao café, comer torta de cereja.

Foi uma experiência saborosa e surpreendente – compartilhar o planeta, e o cinema, com David Lynch.