À sombra das vozes imortais

POR GERSON NOGUEIRA

A grandeza e a popularidade do futebol no Brasil têm muito a ver com o talento dos comunicadores. Pois três brilhantes profissionais partiram, de uma só vez, em menos de 24 horas. Perdas irreparáveis. A comoção nacional vista durante todo o dia de ontem é a prova maior da extrema importância de Silvio Luiz, Washington Rodrigues e Antero Greco.

Os três foram fundamentais, de maneiras diferentes, para estabelecer a conexão moderna entre o jogo e o grande público. Não são os únicos, mas foram de um valor imenso nesse processo.

Não dá para esquecer as impagáveis narrações de Silvio Luiz na TV, principalmente nos tempos de Rede Bandeirantes, quando era uma das vozes do Campeonato Italiano, então dominante na Europa.

Era obrigatório dedicar as manhãs de domingo a apreciar a irreverência e a capacidade de improviso de Silvio, descrevendo as façanhas de astros brasileiros – Falcão, Careca, Zico, Júnior – e grandes nomes internacionais, como Platini e Maradona.

Eu gostava também de acompanhar o futebol italiano, mas me empolgava mesmo com as transmissões da Segunda Divisão paulista, com jogos de Juventus, Noroeste, Comercial, Oeste e Novorizontino, dentre outros. Futebol raiz narrado pelo locutor mais gonzo que podia existir.

Transformava aquelas peladas em autênticos dérbis, extraindo beleza e alegria onde os simples mortais enxergam apenas várzea e decadência. “Pelas barbas do profeta”. “Pelo amor dos meus filhinhos”. “No paauuu!”. “Mais um gol brasileiro”. “O que foi que só você viu?”. “Olho no lance!”. Isso era puro Silvio Luiz. Expressões que se tornaram eternas na memória afetiva do torcedor brasileiro, independentemente do clube de coração.

Ex-árbitro e ator de novelas, Silvio encantava com seu jeito hilário de enxergar futebol. Não lembro de nenhuma narração entediante, protocolar e burocrática. Todas adquiriam encanto e brilho a partir do bordão inicial: “Acerte o seu aí que eu vou arredondar o meu aqui!”. Era como a abertura das cortinas do espetáculo.

Com Washington Rodrigues, o Apolinho, minha ligação foi mais distante. Sabia de seu raciocínio genial e a facilidade para bordões tipicamente cariocas. A invenção da expressão “arquibaldos & geraldinos” é de uma criatividade ímpar.

Tinha o poder da síntese e da mordacidade em comentários enxutíssimos. A forte ligação afetiva com o Flamengo – chegou a ser técnico do clube da Gávea – talvez tenha sido outro ponto de distanciamento, por razões óbvias.

Considero Apolinho um dos gigantes do rádio esportivo brasileiro, com lugar cativo na mesma galeria imortal de Ary Barroso, João Saldanha, Waldir Amaral, Doalcey Bueno de Camargo, Ruy Porto, Fiori Gigliotti.  

Antero Greco brilhou pelo texto afiado nos jornais e pelos comentários espirituosos na TV. Jornalista moderno, com presença em todas as plataformas, exemplo para muitos de nós. Ao lado do “amigão” Paulo Soares, brilhou na ESPN dos bons tempos, sob o comando de José Trajano.  

A explosão de risadas que a dupla produzia e provocava no fim da noite era uma atração à parte. Alegrava e dava leveza a temas intrincados e muitas vezes fazia a gente rir após um dia em que o pranto tinha sido o companheiro mais frequente.

Íntegro, como profissional e cidadão, expôs suas convicções políticas abertamente nas redes sociais. Comportamento que dignifica uma profissão sempre tão ameaçada pelos fascistas de plantão. Assim como Silvio e Apolinho, Antero foi imenso e jamais será esquecido.

Um lampejo garante classificação ao Botafogo

O Botafogo derrotou o Universitário, por 1 a 0, garantindo classificação antecipada à próxima fase da Copa Conmebol Libertadores. Poderia ter sido uma vitória tranquila, pois ficou evidente a superioridade técnica do Alvinegro. Acontece que o comodismo e a lentidão do time de Artur Jorge quase complicou as coisas.

Com três volantes – Marlon Freitas, Tchê Tchê e Danilo – o Botafogo se limitava a rebater bolas na defesa à espera de uma chance para contra-atacar. Enquanto isso, o Universitário cercava a área, cruzando e finalizando com perigo.  

Na única jogada executada com lucidez, Savarino deu um passe de curva para Jeffinho avançar e bater na saída do goleiro. Bonito e decisivo lance, suficiente para garantir a sonhada vaga e revelador da necessidade de o Botafogo mudar de atitude para seguir na Libertadores.     

Escolhas erradas dificultam vida do Papão na Série B

O PSC amargou um novo resultado ruim dentro de casa, caindo para a lanterna da Série B e deixando a torcida cada vez mais frustrada. As coisas poderiam ter mudado a partir de um triunfo sobre o Goiás, anteontem à noite. A vitória escapou por pouco.

O Papão vencia até os 39 minutos do 2º tempo, resistindo bem à pressão que o Goiás tentava impor, principalmente quando ficou com um jogador a mais, ainda na etapa inicial.

O tropeço ocorreu mais por erros do próprio PSC do que por méritos do Goiás. Verdade que o visitante buscou sempre o empate, mas acabou perdendo um jogador (Rafael Gava) na metade do 2º tempo, e nem assim o PSC conseguiu impedir o gol de empate.

Isso tem a ver com algumas decisões erradas, como a substituição de atacantes por atacantes (Gabriel Santos, Jean Dias e Vinícius Leite), ao invés de aumentar a segurança defensiva. A saída de Nicolas, que estava bem e incomodava a defensiva do Goiás, foi outro ponto negativo.

Por essas e outras, o acerto na escalação de Juninho e Esli García como titulares acabou prejudicado por trocas estrategicamente infelizes. É preciso rever as escolhas a fim de ajustar a rota na Série B. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta sexta-feira, 17)

Rock na madrugada – Os Mutantes, “A Minha Menina”

POR GERSON NOGUEIRA

Os Mutantes conseguiram provar com esta canção que era plenamente possível extrair sonoridade roqueira a partir de um samba tradicional. A música é de Jorge Ben, composta em 1968, e ganhou do grupo um arranjo inteiramente diferente e psicodélico, sustentado pela guitarra de Serginho Dias Baptista e o vocal de Arnaldo e Rita Lee, adicionando o som de vários instrumentos de percussão.

A banda estava no auge, com a formação original preservada e ainda distante das crises que levaram ao rompimento e à saída de Rita. Tocavam nos shows dos tropicalistas em festivais e participavam de trabalhos de Gilberto Gil, Caetano Veloso e Tom Zé no período mais experimental de todos esses compositores.

Sempre me impressionou o processo musical inovador dos Mutantes, fundamental para que seus álbuns permaneçam até hoje interessantes e atemporais. A Minha Menina foi incluída no álbum “Mutantes”, de 1969, com destacada participação do baterista Dinho Leme.