Em discurso, Lula responsabiliza ex-presidente pelos atos terroristas de 8 de janeiro

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso histórico durante o evento “Democracia Inabalada”, realizado pelas autoridades dos Três Poderes da República, nesta segunda-feira (8), com o intuito de celebrar a preservação da democracia no contexto de um ano dos atos golpistas promovidos por seguidores radicais de Bolsonaro em Brasília em 8 de janeiro de 2023. 

Em dado momento de sua fala, o chefe de Estado fez menção aos planos dos seguidores de Bolsonaro de realizar enforcamentos públicos de autoridades constituídas, a exemplo do relato recente do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), um dos principais alvos dos golpistas. Além disso, o presidente responsabilizou de maneira direta o ex-presidente Jair Bolsonaro pelos crimes cometidos em 8 de janeiro.

DISCURSO DE LULA

Senhoras e senhores,
meus amigos e minhas amigas.

Quero em primeiro lugar saudar todos os brasileiros e as brasileiras que se colocaram acima das divergências para dizer um eloquente NÃO ao fascismo. Porque somente na democracia as divergências podem coexistir em paz.

Quero fazer uma saudação especial a todas e todos que no dia seguinte à tentativa de golpe caminharam de braços dados do Palácio do Planalto ao Supremo Tribunal Federal, em defesa da democracia.

Nunca uma caminhada tão curta teve alcance histórico tão grande.

A coragem de parlamentares, governadores e governadoras, ministros e ministras da Suprema Corte, ministros e ministras de Estado, militares legalistas e, sobretudo, da maioria do povo brasileiro garantiu que nós estivéssemos aqui hoje celebrando a vitória da democracia sobre o autoritarismo.

Aproveito para saudar os trabalhadores e as trabalhadoras das forças de segurança – em especial a Polícia Legislativa – que, mesmo em minoria, se recusaram a aderir ao golpe e arriscaram suas vidas no cumprimento do dever.

Se a tentativa de golpe fosse bem-sucedida, muito mais do que vidraças, móveis, obras de arte e objetos históricos teriam sido roubados ou destruídos.

A vontade soberana do povo brasileiro, expressa nas urnas, teria sido roubada. E a democracia, destruída.

A esta altura, o Brasil estaria mergulhado no caos econômico e social. O combate à fome e às desigualdades teria voltado à estaca zero.

Nosso país estaria novamente isolado do mundo, e a Amazônia em pouco tempo reduzida a cinzas para a boiada e o garimpo ilegal passarem.

Adversários políticos e autoridades constituídas poderiam ser fuzilados ou enforcados em praça pública – a julgar por aquilo que o ex-presidente golpista pregou em campanha, e seus seguidores tramaram nas redes sociais.

Todos aqueles que financiaram, planejaram e executaram a tentativa de golpe devem ser exemplarmente punidos.

Não há perdão para quem atenta contra a democracia, contra seu país e contra o seu próprio povo.

O perdão soaria como impunidade. E a impunidade, como salvo conduto para novos atos terroristas.

Salvamos a democracia. Mas a democracia nunca está pronta,  precisa ser construída e cuidada todos os dias.

A democracia é imperfeita, porque somos humanos – e, portanto, imperfeitos.

Mas temos, todas e todos, o dever de unir esforços para aperfeiçoá-la.

Meus amigos, e minhas amigas.

A fome é inimiga da democracia.

Não haverá democracia plena enquanto persistirem as desigualdades – seja de renda, raça, gênero, orientação sexual, acesso à saúde, educação e demais serviços públicos.

Uma criança sem acesso à educação não aprenderá o significado da palavra democracia.

Um pai ou uma mãe de família no semáforo, empunhando um cartaz escrito “Me ajudem pelo amor de Deus”, tampouco saberá o que é democracia.

Aperfeiçoar a democracia é reconhecer que democracia para poucos não é democracia.

Se fomos capazes de deixar as divergências de lado para defendermos o regime democrático, somos também capazes de nos unirmos para construir um país mais justo e menos desigual. 

Minhas amigas e meus amigos.

Não há democracia sem liberdade.

Mas que ninguém confunda liberdade com permissão para atentar contra a democracia.

Liberdade não é uma autorização para espalhar mentiras sobre as vacinas nas redes sociais, o que pode ter levado centenas de milhares de brasileiros à morte por Covid.

Liberdade não é o direito de pregar a instalação de um regime autoritário e o assassinato de adversários.

As mentiras, a desinformação e os discursos de ódio foram o combustível para o 8 de janeiro.

Nossa democracia estará sob constante ameaça, enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais.

Nos dias, semanas e meses que se seguiram à tentativa de golpe, reformamos as sedes dos Três Poderes. Trocamos vidraças, removemos a sujeira, restauramos obras de arte, recuperamos objetos históricos.

E, acima de tudo, reafirmamos o valor da democracia para o Brasil e para o mundo.

Agora é preciso avançar cada vez mais na construção de uma democracia plena.

Uma democracia que se traduza em igualdade de direitos e oportunidades. Que promova a melhoria da qualidade de vida, sobretudo para quem mais precisa.

Estamos nessa caminhada, e chegaremos mais longe se caminharmos de braços dados.

Quero terminar renovando o que disse no meu discurso de posse, neste Congresso Nacional:

Democracia sempre.

Gazeteiros da democracia

Do presidente da Câmara, Arthur Lira, aos governadores bolsonaristas, as ausências na solenidade que lembrou um ano da tentativa de golpe em 8 de janeiro, nesta segunda-feira, são uso partidário de um evento que deveria ser apenas defesa da democracia. Lira avisou em cima da hora que ficaria em Alagoas, devido a problemas de saúde na família. Sua ausência, no entanto, foi comemorada pela bancada bolsonarista, que boicotou o evento.

O principal objetivo de Lira este ano é eleger seu sucessor na presidência da Câmara, o que implica ter apoio do governo e da oposição, inclusive da bancada bolsonarista. Assim, não aparecer no evento que os bolsonaristas consideram ser favorável ao PT, é um afago que confere pontos a Lira entre os opositores. Para agravar ainda mais o gesto, Lira teve encontro pela manhã com o ex-presidente Jair Bolsonaro, inelegível, em Maceió.

Em posição oposta, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não só foi ao evento, como anunciou a retirada de grades que protegem o Congresso, colocadas justamente no dia 8 de janeiro passado. Ganhou holofotes.

Como Lira, Pacheco também corteja os bolsonaristas para eleger seu sucessor na presidência do Senado no ano que vem. Mas jogou pela estratégia inversa de Lira, de defender a democracia ao vivo e em evento convocado por Lula.

Os governadores que não compareceram seguiram a mesma lógica da política partidária. Não repararam que o eleitorado brasileiro condena maciçamente a barbárie de 8 de janeiro e a tentativa de tomar o poder fora da democracia.

Num caso extremo, o governador de Minas, Romeu Zema, disse que iria ao evento e voltou atrás em seguida, após críticas da oposição bolsonarista. Ele estava em Brasília, mas alegou graciosamente que o evento era um ato político – óbvio que era, mas apartidário também. Vacilar entre duas posições não faz bem a políticos. Lá na frente saberemos o preço que será cobrado dos ausentes.