A superpotência contra o azarão

POR GERSON NOGUEIRA

Descontados os rapapés ao Fluminense, comparado exageradamente por ele ao Brasil de 1982, Pep Guardiola referiu-se ao representante brasileiro com extrema fidalguia, citando nominalmente os principais jogadores – Marcelo, Germán Cano e Martinelli – e mostrando-se focado na grande decisão de hoje.

O respeito do celebrado técnico espanhol é um alento diante da impressão quase geral de que a final do Mundial de Clubes está decidida de véspera, em face da superioridade técnica do Manchester City, campeão inglês e europeu.

Sem menosprezo ao Fluminense, o duelo envolve uma superpotência do futebol contra uma autêntica zebra. Não há meio-termo. O City é uma espécie de seleção mundial, com atletas de primeira linha, garimpados em diversos países. O Tricolor é um fiel representante da atual realidade brasileira e sul-americana.

Guardiola disse que sabe exatamente o que vai enfrentar hoje, insinuando que andou pesquisando muito o time de Fernando Diniz. Mostrou-se simpático ao futebol brasileiro clássico, como costuma ser sempre que se refere a times e jogadores.

Sobre o jogo, é importante observar o que fizeram Fluminense e City nas semifinais. O time de Diniz correu riscos exagerados ao aceitar uma pressão inicial do Al Ahly. Foi atacado insistentemente e adotou um recuo estratégico que impedia saídas rápidas ao ataque.

O pênalti sobre Marcelo desafogou as coisas e permitiu que a partida ficasse mais aberta, favorecendo a troca de passes que o Fluminense tanto aprecia. Ocorre que os espaços concedidos causam preocupação em relação ao afiadíssimo time de Guardiola, que não costuma desperdiçar chances.

Na semifinal do City, apesar de ter encarado um adversário inferior ao Al Ahly, a equipe teve muitas dificuldades para impor seu jogo de passes rápidos e verticais. Até mesmo Bernardo Silva, o grande craque do time – na ausência de Kevin De Bruyne –, sofreu para se localizar em campo.

Um gol contra, meio acidental, acabou por tornar a missão mais tranquila para os ingleses, mas o jogo foi bem mais complicado do que se previa inicialmente. Quem viu a partida ficou com a sensação de que o Flu, caso faça uma partida em alto nível, tem chances.

A ausência do artilheiro Haaland talvez esteja na essência dessa visão sobre a decisão. Sem ele, o City fica menos contundente. Terá Phil Foden, Kovacic e Alvarez espetando a zaga brasileira, com Bernardo Silva na aproximação, com o suporte de Stones e Rodri.

O Flu dependerá muito do comportamento de Marcelo, André, Martinelli e Paulo Henrique Ganso, responsáveis pela articulação de meio-campo. André e Martinelli terão trabalho redobrado ajudando a cobrir as laterais, corredores normalmente muito explorados por Guardiola.

É evidente que o City continua favorito, mas essa condição já foi mais explícita. O Flu, se tiver uma atuação excepcional, pode vencer.

As chances de um remanescente do elenco do acesso 

Ao lado de Matheus Nogueira e Robinho, João Vieira é um dos raros remanescentes da campanha do PSC na Série C 2022 com chances de disputar posição no reformulado time para a temporada 2024. Colocado inicialmente em dúvida pelo técnico Hélio dos Anjos, o volante se firmou e foi titular na reta final da caminhada rumo ao acesso.

Como a regularidade é uma virtude sempre apreciada no futebol atual, João Vieira pode sair da condição de reserva de luxo para brigar por um lugar no time, principalmente nas primeiras competições – Campeonato Estadual, Copa Verde e Copa do Brasil.

Prestes a iniciar a terceira temporada na Curuzu, João Vieira cresceu em importância desde que José Aldo deixou o clube no ano passado. Assumiu o papel de condutor do meio-campo com qualidade e desembaraço.

Sob o comando de Hélio dos Anjos, na metade da Série C, ele viveu um momento de desaprovação. No jogo contra o Náutico, quando o PSC chegou a estar perdendo por 2 a 0, Vieira foi substituído ainda no primeiro tempo e criticado pelo treinador pelo mau rendimento.

Mais que isso: precisou ouvir do treinador que ele estava precisando se reciclar tecnicamente. Uma afirmação que se mostraria injusta e precipitada, pois o volante não havia falhado contra o Náutico e era um dos mais regulares do elenco.

Hélio recuou nas críticas e reconheceu o papel de João Vieira, que se tornaria nome importante na busca pelo acesso, inclusive marcando gols importantes. Para 2024, a história é diferente: o perfil da equipe vai mudar, com ênfase em resistência e força. Mesmo assim, o volante segue bem cotado, pois sempre mostrou combatividade e capacidade de marcação.

Uma pinimba vazia entre corintianos e rubro-negros

Em meio ao tiroteio de especulações, uma polêmica vem alimentando a eterna pinimba entre cariocas e paulistas. A rivalidade é tão forte que até a mídia entra na briga. O pivô das discussões é Gabriel Barbosa, atacante revelado no Santos e que hoje é um dos ídolos do Flamengo.

Em baixa desde a passagem de Jorge Sampaoli pelo clube e sem conseguir se reabilitar sob o comando de Tite, Gabriel tem se dedicado a forçar uma renovação antecipada de contrato (o atual termina em 2024), a fim de reafirmar sua importância e obter valorização financeira.

Atento ao impasse, o Corinthians entrou na disputa pela contratação do centroavante. A proposta ainda não foi oficializada, mas quase todo dia algum dirigente corintiano dispara um comentário sobre Gabigol.

É de conhecimento até do reino mineral que o Corinthians não tem dinheiro para contratar (a multa é de R$ 170 milhões), mas o jogo de aparências funciona do mesmo jeito. Até porque o desejo é exposto na esperança de algum financiador maluco decida apoiar a causa.

Divertido mesmo é observar o envolvimento apaixonado de parte da imprensa dos dois Estados, tomando partido e opinando sobre prós e contras de uma improvável transferência. Uma discussão de surdos em torno do nada. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta sexta-feira, 22)

Precisamos falar de Vinícius

POR GERSON NOGUEIRA

Logo na primeira entrevista após a apresentação do elenco para 2024, o técnico Ricardo Catalá falou sobre os critérios de escolha de jogadores e deixou claro que o veterano goleiro Vinícius, ídolo da torcida remista ao longo de sete anos, pode não ser titular no time que vai iniciar a temporada disputando o Campeonato Paraense.

Segundo Catalá, o time terá quatro goleiros – Vinícius, 39 anos, Marcelo Rangel (35), Léo Lang (25) e um vindo da base – que terão igualdade de condições na luta pela titularidade. Essa definição virá depois da pré-temporada, prevista para a primeira quinzena de janeiro. “O lugar que se conquista o direito de jogar é nos treinamentos”, disse o treinador.

O discurso parece afinado com a opinião de integrantes da nova diretoria, favoráveis ao encerramento do vínculo com o goleiro. Catalá repetiu várias vezes que Vinícius vai cumprir contrato (até março), mas não se posicionou sobre a prorrogação contratual.

A atividade extracampo de Vinícius – que é vereador – foi mencionada indiretamente na entrevista. Pela primeira vez, a vida parlamentar do goleiro entrou na pauta de um técnico no Remo: “Tem que ver como ele quer conciliar esses interesses que precisam ser discutidos”.

Desde que se elegeu para a Câmara Municipal de Belém, Vinícius não há notícia de tenha faltado aos treinos ou a algum compromisso do clube. Modelo de profissionalismo e comprometimento, todos reconhecem nele um exemplo para os demais atletas.

Vinícius desembarcou no Evandro Almeida em 2017, trazido pelo técnico Josué Teixeira. Veio como segunda opção, o titular era André Luís. Como este se lesionou, Vinícius assumiu a titularidade e nunca mais foi barrado.

Protagonista de verdadeiros milagres no arco azulino, salvando o time de situações desesperadoras, Vinícius nunca perdeu a postura comedida, tanto nas declarações como nos jogos. Destaca-se pelo posicionamento e agilidade, evitando sempre a acrobacia e o espalhafato.

Nas sete temporadas, jogou 258 partidas, recorde de um jogador do Leão neste século. Ajudou o Remo a conquistar três campeonatos estaduais – 2018, 2019 e 2022 –, foi decisivo na conquista da inédita Copa Verde 2021 e no acesso à Série B naquele mesmo ano.

A derrocada que se seguiu, com o rebaixamento à Série B, marcou boa parte dos jogadores e acabou refletindo mais em Vinícius, o menos culpado, mas um dos poucos a permanecer no elenco. Passou a ser visto como ‘velho’, sendo que o fator idade nunca foi régua para goleiros.

Uma falha grave (e rara) no Re-Pa da Série C em 2022 passou a sustentar as críticas de parte da torcida. Jogadores que se identificam muito com um clube pagam por vezes um alto preço por essa lealdade. Parece ser o caso de Vinícius, um dos poucos ídolos surgidos no Baenão no século 21.

Por mais que Catalá se posicione de forma protocolar, defendendo a meritocracia como critério para definir o novo titular, não deixa de ser uma descortesia com um atleta que tanto honrou a camisa azulina. Tecnicamente em forma, Vinícius tem qualidades – e muito crédito. Merece respeito. (Foto: Samara Miranda/Ascom Remo)

Ritmo de contratações deixa torcedor impaciente

A pressa em ver um elenco formado e um time escalado faz com que muito torcedor fique à beira de um ataque de nervos. Vale para todos os clubes brasileiros que têm grandes torcidas. Não escapa um. No cenário local, essa ansiedade acomete mais o torcedor do Papão, que reclama do critério de anunciar reforços adotado pela diretoria do clube.

Na contramão daquela afobação de outros anos, quando carradas de jogadores chegavam a Belém a cada semana, os dirigentes têm sido meticulosos e prudentes, evitando precipitações desnecessárias.

Foram anunciados 10 atletas, restam mais sete a serem confirmados. A pré-temporada vai começar em janeiro, o que dá uma folgada margem de tempo para que os novos contratados sejam apresentados.

A responsabilidade de uma competição tecnicamente mais exigente talvez torne mais acentuada a pressão da torcida, mas até o momento a agenda bicolor está completamente dentro da normalidade. Devagar também se chega aos objetivos.

A velha necessidade de aprovação internacional

Nos últimos dias, no clima do Mundial de Clubes, é possível observar o ressurgimento de uma viralatice típica do futebol brasileiro. Parcela da mídia esportiva se ocupa da tarefa de observar como os nossos clubes são vistos pelos europeus. Confirmada a final entre Fluminense e Manchester City, essa necessidade de aprovação aflorou por inteiro.

O constrangimento foi observado pelo jornalista Leandro Demori, em comentário na internet. Segundo ele, a imprensa brazuca parece sempre ansiosa em descobrir se os jogadores do City e o técnico Pep Guardiola conhecem o Fluminense e que, sim, o futebol brasileiro existe.

É como se fosse sempre necessário esse aval, sem o qual o país pentacampeão do mundo e berço dos maiores craques mundiais em todos os tempos não teria legitimidade em competições de grande porte.

A tendência é antiga, e visível em outras áreas, mas se acentuou nos últimos anos com a crescente hegemonia dos clubes da Europa e o êxodo de atletas revelados no Brasil. O fator econômico determina esse abismo, mas não pode jamais servir de balizamento para entre o que se faz lá e aqui.

As circunstâncias favoráveis permitem aos europeus montar verdadeiras seleções internacionais, garimpando os melhores e mais caros atletas, mas nem sempre foi assim. Até meados dos anos 1980, o equilíbrio reinava na disputa de títulos intercontinentais e não havia a superioridade absoluta que reina hoje.

É preciso ajustar a lente e olhar para o cenário atual com tranquilidade, procurando entender as imposições do mercado, senhor absoluto de todas as regras e caprichos também no futebol. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta quinta-feira, 21)

Rock na madrugada – Soundgarden, “Fell On Black Days”

Apresentação da banda de Chris Cornell no programa David Letterman, em 2012. Vistosa exibição do estilo pouco ortodoxo do grupo, um dos expoentes do movimento grunge – junto com Nirvana, Pearl Jam e Alice In Chains. O vocal inconfundível de Cornell se unia aos caprichados acordes de guitarra para construir um som diferente. A morte do cantor, em maio de 2017, fez o Soundgarden mergulhar num período de recesso, que ainda não foi quebrado.