As ruínas de Gaza e o horror da humanidade

Por José Luís Fiori (*)

Todos os grandes “genocídios” da modernidade só foram identificados, reconhecidos e condenados pelos donos do poder mundial, depois do seu cometimento

A discussão jurídica e o julgamento ético da nova “Guerra da Palestina” – que começou com o ataque do Hamas a Israel no dia 7 de outubro de 2023 – são muito importantes mas não são suficientes para explicar a especificidade e a extrema violência e inumanidade desse conflito. E menos ainda, para especular sobre os desdobramentos futuros dessa catástrofe humanitária que está em pleno curso.

Do ponto de vista estritamente jurídico, o Direito Internacional reconhece a legitimidade das guerras de autodefesa de todos os povos e, portanto, também do povo de Israel; mas também reconhece o direito de todos os povos à rebelião e à guerra contra seus invasores e opressores e, portanto, também do povo palestino.

Por isto, do ponto de vista jurídico, não há definitivamente como arbitrar este conflito, porque se trata de uma disputa excludente ou de “soma-zero”, em que não existem árbitros externos que tenham competência e poder, e que sejam reconhecidos e aceitos pelas duas partes diretamente envolvidas. As próprias Nações Unidas já perderam inteiramente sua capacidade de ingerência e seu poder de arbitragem internacional, sobretudo depois que foram desmoralizadas pela decisão dos Estados Unidos e da Inglaterra de invadir e destruir o Iraque, em 2003, sem ter o aval do seu Conselho de Segurança, e baseados apenas em acusações que eles mesmos inventaram e que depois reconhecera ser falsas.

Por outro lado, do ponto de vista ético e conceitual, todos os grandes “genocídios” da modernidade só foram identificados, reconhecidos e condenados pelos donos do poder mundial, depois do seu cometimento. Como aconteceu, por exemplo, com o genocídio dos próprios judeus pelo governo da Alemanha, durante a Segunda Guerra Mundial, que só foi “visto” e condenado pelas “potências vitoriosas” depois da guerra, em 1945. Tendo sido necessários muitos anos ou décadas mais, para que fosse reconhecida a cumplicidade dos demais países europeus, que também perseguiram os judeus, e que colaboraram com os nazistas, enviando os “seus judeus” nacionais para que fossem exterminados pelas câmaras de gás alemãs.1

Essa impotência ficou transparente no caso da recente decisão da Assembleia Geral da ONU, aprovada no dia 13 de outubro de 2023, condenando a guerra entre Israel e os Palestinos e exigindo um cessar-fogo imediato. Decisão que foi aprovada por 120 votos a favor, e apenas 14 votos contra, com 45 abstenções, mas que foi inteiramente desconhecida e desconsiderada pelos Estados Unidos e por Israel. Apesar de que tenha sido esta mesma Assembleia Geral que aprovou a Resolução n. 181, de 29 de novembro de 1947, que é considerada pelos Estados Unidos e por Israel como uma verdadeira “cláusula pétrea”, quase uma revelação divina, do direito judeu à instalação do seu novo Estado de Israel dentro do território da Palestina.

Na época, as Nações Unidas contavam apenas com 56 estados membros, e a decisão de criar Israel foi tomada por apenas 33 países que votaram a favor, contra 13 que votaram contra (incluindo todos os países árabes presentes) e 10 outros que se abstiveram, sem que tenha havido qualquer tipo de consulta ao próprio povo que vivia no território que foi entregue aos judeus. Sendo esta, sem dúvida, a causa em última instância desse conflito que já se prolonga há 75 anos, e que segue sem a menor perspectiva de algum tipo de negociação e conciliação que seja aceitável para o povo palestino.

Mesmo assim, não há dúvida que este conflito foi agravado mais recentemente pelas políticas de cerco, assédio e invasão de novas terras palestinas – sobretudo na Cisjordânia – praticada pelos sucessivos governos de Benjamin Netanyahu, que se sucedem desde 2009, e de forma muito particular, pelo seu governo atual formado em coalisão com as forças religiosas mais fundamentalistas e de extrema direita de Israel.

Benjamin Netahyahu tomou posse como primeiro-ministro, pela primeira vez, quase dois meses depois do primeiro grande bombardeio aéreo e terrestre israelense da Faixa de Gaza, que durou 21 dias e matou 1.400 palestinos e 15 israelenses no início de 2009. Benjamin Netanyahu também esteve à frente do novo bombardeio e invasão territorial de Gaza, no ano de 2014, que durou 51 dias e deixou 2.205 palestinos e 71 israelenses mortos; e mais uma vez, liderou Israel durante o conflito de maio de 2021, que durou 11 dias e matou 232 palestinos e 27 israelenses.

E agora de novo, ele tem sido o principal instigador do massacre de civis palestinos, nesta nova guerra com o Hamas, que já provocou a morte de 12.300 palestinos, com 25.400 feridos, e mais de 1 milhão de pessoas expulsas de suas casas, contabilizando-se 1.300 mortos e 5.500 feridos israelenses, até o momento. Podendo-se até imaginar que Benjamin Netahyahu e o Hamas fossem uma espécie de “inimigos siameses”, que se necessitassem e se retroalimentassem mutuamente.

De qualquer forma, esse conflito não teria alcançado a violência atual se Israel não tivesse contado com o apoio militar incondicional dos Estados Unidos, desde o momento em que os norte-americanos decidiram transformar o seu pequeno território – do tamanho de Belize – numa cabeça-de-ponte de seus interesses dentro do Oriente Médio, especialmente depois da “Crise do Canal de Suez” em 1956, e da Guerra do Yom Kippur, em 1973, mas sobretudo depois da vitória da revolução islâmica do Irã, em 1979, quando os Estados Unidos perderam um dos pilares fundamentais de sua “tutela geopolítica” do Oriente Médio, obrigando-os a reagrupar suas forças apoiando-se basicamente em Israel e na Arábia Saudita.

Mas mesmo este novo arranjo teve que ser mudado radicalmente depois dos atentados às torres de New York, de setembro de 2001, e depois do início das “guerras sem fim” dos Estados Unidos contra o “terrorismo islâmico”, no Oriente Médio. E, em particular, depois das derrotas militares ou fracassos políticos e diplomáticos norte-americanos no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria e no Iêmen, que erodiram a credibilidade militar dos Estados Unidos e atingiram sua liderança numa região onde crescem cada vez mais a influência próxima do Irã e a influência distante da China e da Rússia, apoiando, evidentemente, a “desobediência” cada vez mais frequente dos países árabes com relação aos desígnios dos Estados Unidos.

Quando se tem presente este pano de fundo consegue-se compreender melhor porque o ataque surpresa do Hamas contra Israel, do dia 7 de outubro de 2023, caiu como uma bomba sobre o Pentágono, onde foi percebido como mais uma humilhação, pelo establishment militar americano. E foi exatamente o tamanho deste choque que explica o apoio imediato e incondicional do presidente norte-americano à violência e à inclemência da extrema-direita fundamentalista de Israel, dentro da Faixa de Gaza. Na verdade, esta nova Guerra de Gaza não está sendo apenas vingança de Israel, está sendo também uma vingança dos Estados Unidos.

Por isto, neste momento, os prognósticos a respeito desta guerra são muito ruins. Benjamin Netanyahu declarou recentemente que seguirá bombardeando Gaza até eliminar completamente o Hamas. Mas ele sabe perfeitamente que esta eliminação é improvável ou impossível e, portanto, sua afirmação apenas encobre sua decisão – já tomada – de continuar os bombardeios, com a destruição completa da infraestrutura física indispensável para a sobrevida da população palestina. Cabe lembrar que o mesmo Benjamin Netanyahu já comparou-se com o presidente Bush e relembrou a resposta americana aos atentados de 2001, que mataram cerca de 3.500 pessoas, através de duas guerras que mataram 150.000 afegãos e 600.000 iraquianos.

Uma comparação e uma referência que adquirem ainda maior gravidade quando se sabe que esta Guerra de Gaza é uma guerra absolutamente assimétrica, entre um Estado que é uma potência atômica, que conta com uma ajuda militar anual dos Estados Unidos, de 3,8 bilhões de dólares; e do outro, um “Estado palestino” que só consegue sobreviver graças a uma ajuda internacional filantrópica, indispensável para o funcionamento da burocracia da Autoridade Palestina na Cisjordânia, e do próprio governo do Hamas, na Faixa de Gaza.

Neste momento, só quem poderia suspender este massacre seriam os Estados Unidos, derrubando o governo de Benjamin Netanahyu. Mas é muito difícil que isto ocorra, exatamente porque o governo americano de Joe Biden está envolvido até a medula nessa guerra, apostando sua própria reeleição em 2024, e tentando recuperar seu prestígio estratégico e militar depois de sua retirada humilhante do Afeganistão, da sua provável derrota na Ucrânia, e mais ainda, depois do fracasso dos seus serviços de inteligência, que não conseguiram antecipar o ataque do Hamas a Israel.

Deste ponto de vista, se poderia dizer que os Estados Unidos estão quase “condenados” a seguir em frente, ficando cada vez mais isolados, ao lado de Israel, aumentando a aposta do seu establishment militar numa “guerra infinita” e cada vez mais violenta, na Faixa de Gaza e em todo o Oriente Médio, se for o caso. Com o perigo de que estes dois povos que se consideram “escolhidos por Deus” acabem se tornando dois povos isolados e “repudiados pela humanidade”.2 Numa espécie de inversão do mito de Babel.

*José Luís Fiori é professor Emérito da UFRJ. Autor, entre outros livros, de O mito de Babel e a disputa do poder global (Vozes). [https://amzn.to/3sOZ7Bn]

Publicado originalmente na revista Observatório do Século XXI, edição de novembro de 2023.

Notas


1. Vide a pesquisa e o relato recente da perseguição judaica e da colaboração com os nazistas, da França, da Itália e de vários outros países europeus, na obra de Geraldine Schwarz, Os amnésicos. História de uma família europeia (Belo Horizonte: Editora Âyiné, 2022).

2. É importante observar, nesta direção, o resultado da recente votação da Assembleia Geral das Nações Unidas, do dia 2 de novembro de 2023, condenando pela trigésima vez o bloqueio econômico à Cuba, imposto pelos Estados Unidos, que foi aprovado por 197 votos a favor e apenas 2 votos contra, exatamente dos Estados Unidos e de Israel.

O primeiro grande reforço

POR GERSON NOGUEIRA

O Remo anunciou oficialmente ontem a contratação do executivo Sérgio Papellin. Um reforço de peso para a ambiciosa campanha que o clube pretende fazer na Série C 2024. Com um contrato de três anos, coincidindo com o tempo de mandato da gestão de Antonio Carlos Teixeira, Papellin surpreendeu a torcida e os dirigentes do Fortaleza com sua decisão.

Optou por deixar o Fortaleza, clube estruturado e vencedor, que está a caminho do sexto ano consecutivo na Série A e atual vice-campeão da Copa Sul-Americana 2023. Acumulou prestígio e admiração no Leão do Pici, onde estava desde 2017.

Vem para o Remo, que vai disputar pela terceira vez a Série C no próximo ano. A proposta salarial foi considerada irrecusável, mas não explica por completo o motivo de sua opção.

Há sete anos no Fortaleza, Papellin tinha um cargo assegurado na SAF do clube a partir de 2024. “Essa minha ida para o Remo é uma retomada na carreira, um reinício, uma motivação a mais na sua vida. Não vejo como loucura”, explicou o próprio à imprensa cearense.

Quando começou a negociar com o Remo, ele já havia sido procurado pelo presidente Marcelo Paz, do Fortaleza, para assumir o cargo de diretor de futebol. Foi informado dos planos para a implantação do modelo SAF, já aprovado em votação no clube.

Sérgio Papellin, executivo de futebol do Fortaleza, em entrevista coletiva

O fato é que, pela qualidade de seu trabalho, Papellin se tornou um executivo valorizado no mercado e poderia ter buscado outros caminhos, mas foi tocado pelo desafio de crescer com o Remo.

A troca surpreendeu o próprio presidente do Fortaleza, Marcelo Paz, que já havia conversado com Papelin para a temporada de 2024, quando o Tricolor colocará em curso o modelo de SAF, aprovado em votação.

Depois de renunciar ao Fortaleza, ele reencontra o Remo 16 anos depois em clima de mobilização e pressão por resultados. A temporada ruim neste ano impulsiona um processo de mudanças e ações ousadas, das quais a contratação de Papellin é a primeira de grande vulto.

Minelli, um ‘professor’ revolucionário e injustiçado

Nenhum estudo sério sobre técnicos brasileiros pode negar a Rubens Minelli uma posição destacada, lá no alto. Aposentado na metade dos anos 90, após trabalhos que não honraram sua competência, ele morreu ontem um tanto esquecido, injustamente.

Mentor de técnicos como Felipão, Carpegiani e Cuca, Minelli marcou época como um estrategista afiado. Foi o primeiro a conquistar o Campeonato Brasileiro em sequência (1975 e 1976, pelo Internacional, e 1977, pelo São Paulo).

À sua maneira, Minelli foi um revolucionário, pelos métodos pioneiros que usava para montar seus times e até por inovações táticas que perduram até hoje. Seguramente, foi o primeiro técnico brasileiro a valorizar o lado tático do jogo e um especialista em “ler” os adversários.

Lançou o modelo de meio-campo com três, depois botou mais um e cravou o que seria a opção dominante nos anos seguintes. Fiel discípulo do futebol de velocidade que fez furor na Copa do Mundo de 1966, com a consequente derrapada de um Brasil lento demais.

O momento mais grandioso de Minelli foi no Internacional quando meteu a mão na massa e alterou até os métodos de treinamento, transformando o Colorado numa máquina de vitórias. Escalado num surpreendente 3-1-2-3, foi o primeiro time com três zagueiros.

Marinho Peres era líbero, enquanto Figueroa, Vacaria e Claudio cuidavam da marcação direta aos ataques inimigos. Minelli usou a experiência de Marinho em jogar sobra e apoiar o ataque, após ter sido dirigido pelo holandês Rinus Michels.

Em seguida, aproveitou todo o talento de Paulo Roberto Falcão para fazer de sua linha de volantes um diferencial em relação aos adversários que seguiam praticando o velho 4-2-4. Habilidoso, Falcão aproveitava as brechas de marcação e às vezes se tornava um quarto atacante.

Minelli fez muito mais coisas durante a longa carreira. Foi também esquecido pelos donos do futebol no Brasil e visto, durante muito tempo, como um dos mais injustiçados de seu tempo, sem ter tido a chance de treinar a Seleção.

O relativo esquecimento de seu nome retrata bem essa situação, mas ninguém pode negar que foi um dos gigantes de seu tempo.

Papão contém ansiedade antes de divulgar contratações

A cada dia, o torcedor alviceleste é brindado com uma enxurrada de nomes especulados nas redes sociais e até mesmo pelos mais apressadinhos da mídia esportiva. Ontem, voltaram a circular boatos sobre Nicolas, Aylon, José Aldo e Fábio Sanches.

Fontes ligadas à diretoria revelam que o clube já fechou com pelo menos 12 jogadores, mas só irá divulgar os nomes depois da última rodada da Série B, no próximo final de semana.

É até possível que alguns jogadores que se destacaram no PSC há alguns anos sejam contratados para a Série B 2024. O problema é que a competição exige muito no aspecto físico, com duas partidas semanais, e alguns dos citados já estão na faixa acima dos 33 anos.

O certo é que a busca por reforços continua, com foco na contratação de um novo goleiro, três laterais, quatro volantes, dois meias e quatro atacantes. A primeira lista deve contemplar jogadores para essas posições. 

(Coluna publicada na edição do Bola desta sexta-feira, 24)

Rock na madrugada – Mott the Hoople, “All the Young Dudes”

Grande êxito da carreira do Mott the Hoople, “All the Young Dudes” foi um presente de David Bowie, fã da banda. Em crise criativa, apesar da qualidade de seu trabalho anterior, o Mott estava prestes a se separar. Bowie resolveu então dar uma força… e que força. Conversou com o vocalista Ian Hunter e o convenceu a reunir os integrantes para gravar uma música especial.

Era simplesmente uma das mais belas canções de rock já escritas, com letra intensa, espécie de crônica ruidosa da nova geração. O narrador da música mostra angústia porque eles nunca conseguiram entender as “coisas revolucionárias” oferecidas pelos Beatles e pelos Stones. A letra fala da sexualidade alternativa, embora nenhum dos músicos fosse defensor da causa gay.

Típica banda de glam-rock, subgênero marcado pela contestação e visual agressivo, o Mott surgiu em 1969, em Herefordshire (Inglaterra), sob forte influência do blues. Formado por Ian Hunter, Mick Ronson, Pete Overend, Mick Ralphs e Dale Griffin, teve pouco mais de uma década de existência, mas fincou o nome como um grupo de atitude e trabalho sólido.